quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Opulência e pobreza: causas e conseqüências da degradação sócio-ambiental

Por Maurício Novaes Souza*
De acordo com o relatório "Previsões sobre a População Mundial 2006", do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas, a população mundial aumentará 37,3% até 2050, passando dos atuais 6,7 bilhões de habitantes para 9,2 bilhões (2,5 bilhões a mais). Segundo os peritos da ONU, a previsão do aumento total da população mundial para a metade do século equivale à população mundial de 1950. Este aumento será absorvido, na sua maioria, pelos países em desenvolvimento, que devem passar de 5,4 bilhões de habitantes em 2007 para 7,9 bilhões de habitantes em 2050. Tal crescimento preocupa em termos de trabalho e de produção de alimentos que garantam a segurança alimentar.


Prevê-se que os impactos e externalidades ambientais serão inestimáveis. Um recente artigo publicado na Folha Online (22/01/2008) discutiu o dano ambiental que ações de países desenvolvidos causaram aos países em desenvolvimento. Afirma um grupo de ecólogos e economistas dos Estados Unidos, liderados pelo economista Richard Norgaard, da Universidade da Califórnia em Berkeley, que o consumo e a destruição de recursos da natureza por parte dos ricos, entre as décadas de 1960 e 1990, deverão impor ao longo do século XXI uma perda de US$ 7,4 trilhões da economia de países de renda per capita baixa e média. A dívida externa dos países pobres nesse mesmo período atingiu US$ 1,7 trilhão. O estudo aponta ainda um novo número do prejuízo que o dano ambiental no período estudado causará à humanidade: US$ 47 trilhões.


Há de se considerar ainda, como agravante, os efeitos das mudanças climáticas. Em estudo na revista "PNAS", os autores afirmam ter feito "estimativas conservadoras" para os custos ambientais de atividades humanas ligadas ao aquecimento global, destruição da camada de ozônio, expansão da agricultura, desmatamento, pesca predatória, danos a mangues e em outros ecossistemas aquáticos. Afirmam que o aquecimento global e o a destruição da camada de ozônio representam mais de 97% das perdas.


Historicamente percebe-se que a perturbação e a degradação do solo e da água, resultantes das atividades antrópicas, ocorrem desde tempos remotos, sendo que as causas que produziram tais distúrbios foram as mais variadas: a) o desmatamento e a pecuária, causaram problemas severos de erosão durante os períodos clássicos grego e romano; b) o modelo inca desmoronou por questões político-militares; c) o modelo agrícola dos sumérios esgotou-se devido à salinização dos solos decorrente da prática incorreta da irrigação; d) o modelo romano, pelo desprovimento de cuidados com as florestas e sua preocupação única com conquistas; e e) vários modelos ou sistemas agrícolas fracassaram ou foram destruídos por pressões provocadas pelo aumento da população.


Em tempos recentes, a demanda cada vez mais acentuada por terras férteis, planas e agricultáveis, tem reduzido de forma acentuada as formações vegetais, pressionando drasticamente os recursos naturais. A expansão demográfica atingiu grandes proporções nestas últimas décadas, como no período de 1990-1999, quando a população mundial passou de 5.250 para 5.947 bilhões de habitantes; ou seja, quase 700 milhões, em apenas uma década.


Dessa forma, já se percebe nos dias atuais que a situação social se tornou incontrolável. Os centros urbanos se agigantam e o desemprego e a violência são uma realidade em diversas cidades, de diversos países. Na verdade, a aceleração dos processos de degradação ambiental e social se acelerou a partir da Revolução Industrial, e se intensificou após a II Guerra Mundial. Esses problemas se tornam mais graves nos países subdesenvolvidos ou periféricos, onde a crise sócio-ambiental está diretamente associada ao esgotamento de sua base de recursos.


* Opulência e miséria


Perguntam-se de que forma, quando e quanto o Brasil poderá ser afetado. Segundo dados do IBGE (2006), cerca de 14 milhões de pessoas convivem com a fome em nosso país e mais de 72 milhões de brasileiros estão em situação de insegurança alimentar - ou seja, dois em cada cinco brasileiros não têm garantia de acesso à alimentação em quantidade, qualidade e regularidade suficiente.


Em recente reportagem da Rede Record (20/01/2008), programa Domingo Espetacular, apresentou sequencialmente cinco matérias, resumidas a seguir:

1) Iates no Brasil – A reportagem mostra centenas de iates na baía da Ilha Grande, RJ, com valores que variam entre 1 a 30 milhões de reais. Em um deles, um jovem e orgulhoso empresário apresenta à repórter os detalhes de sua embarcação. Tudo minuciosamente planejado. Talheres, ferramentas, recipientes para bebidas (todos imantados presos às paredes para evitar os riscos do balanço do mar); quartos, banheiros, jogos de cama, tapetes....tudo impecável. A comida - camarão, lagosta... - geralmente é pedida por rádio aos donos de restaurantes que fazem a entrega no iate do cliente. Uma jovem especialista em decoração de iates comenta que no ano anterior decorou mais de 50;

2) Catadores de lixo no CEASA – D. Mônica, uma senhora de aproximadamente 60 anos, com dois netos, cata restos da feira para sobreviver. D. Angélica, mãe de cinco filhos e marido desempregado, moradora de uma localidade que fica a 50 km do CEASA, faz esse percurso duas vezes por semana, catando lixo e sobras de feira, também para sobreviver. Estima-se que aproximadamente 20 a 40% das 5.000 toneladas comercializadas diariamente são lançadas ao lixo, não sendo reaproveitadas;


3) Seca no Piauí e no semi-árido nordestino – Não existe água sequer para o consumo humano. As criações morrem de sede e fome. Aqueles que podem, e quando podem, usam sua aposentadoria para comprar uma “carrada” de água (5.000 litros), por R$30,00. Outros se servem de açudes que estão praticamente secos, e compartilham a água com animais: água totalmente contaminada e indevida para o consumo humano. As plantações estão totalmente perdidas, e a população reza;


4) Enchentes na grande São Paulo e no litoral paulista – nas áreas urbanas, a população pobre da periferia perdeu todos os seus já limitados pertences: em São José dos Campos foi terrível a situação; em Peruíbe também. Nas áreas rurais, os produtores perderam suas culturas por excesso de chuva;


5) Saudade da minha gente – nessa última matéria do referido bloco, o “seu” Astério, um senhor de aproximadamente 80 anos, conta que criou a neta Rosemeire. Saiu de Canavieira, Bahia, ainda moça, e havia 18 anos que não recebia notícias dela. A equipe da Record a localizou em Osasco, SP. Tem 34 anos, casada com 4 filhos e marido desempregado. Ela, sabendo do avô, chora, conta saudades e as dificuldades familiares: falta de dinheiro e alimentos (os filhos choram), desemprego, barraco alugado... Fala da humilhação pela qual os filhos têm passado. Lembra que ela e a família passaram quatro dias se alimentando de arroz gelado, único alimento ali disponível. Perguntada sobre a possibilidade de voltar para casa, disse que gostaria imensamente. Tal desejo foi facilitado pela emissora: ela, filhos e marido reencontram o avô e o restante da família.


O que se verifica de forma clara nessas matérias é que esses cenários representam a degradação social e ambiental: a riqueza e a pobreza; a opulência e a miséria. Considere-se que estamos comentando sobre casos de um país rico em recursos naturais como o Brasil. Dessa forma, percebe-se que apesar do “progresso”, da maior conscientização das pessoas e da pesquisa ter evoluído significativamente nos últimos tempos, os problemas sociais e ambientais vêm se agravando de forma considerável. Esse fato se deve, em grande parte, à ausência de princípios éticos e ao individualismo de atitudes que o modelo de desenvolvimento e produção gerou.


Na verdade, os governos, as comunidades e os indivíduos não têm efetivamente adotado uma postura proativa. O mercado exige que o homem continue interagindo com o ambiente à sua volta, modificando-o e transformando-o de acordo com suas necessidades - uma nítida visão antropocêntrica. Os resultados dessas ações são facilmente perceptíveis ao longo de toda a biosfera. Os reflexos, geralmente desastrosos, podem ser facilmente observados diariamente nos noticiários, jornais e “sites”, como nessa reportagem agora discutida. Talvez essa seja a origem de tais questões nos anos mais recentes: a Revolução Industrial criou o modelo de capitalismo atual, cujos processos de produção consideravam como pólos excludentes o homem e a natureza, com a concepção desta como fonte ilimitada de recursos à sua disposição.


Contudo, com o contínuo aumento da população, alterações dos hábitos de consumo e com a evolução da ciência, fica evidente que o nosso planeta é um sistema econômico fechado em relação aos seus materiais constituintes. Na medida em que a sociedade amadurece, redobra a consciência de que os seus recursos são finitos e se tornam cada vez mais escassos. Em todo sistema produtivo, para a manutenção dos sistemas vitais, ocorre o aumento da produção de energia. Caso o sistema se torne deturpado ou desordenado como resultado de um estresse, natural ou antrópico, aumenta a entropia do sistema, ou seja, passa a existir uma maior “desordem”. Dessa forma, cria-se um obstáculo físico ou uma limitação para um sistema fechado e sustentável.


* Perspectivas


Recentemente, em um artigo de minha autoria sobre o Perfil que deveria ter o profissional hoje formado pelas universidades, faculdades e centros técnicos e tecnológicos, questionei se os profissionais atuais, de todas as áreas, estão efetivamente recebendo informações suficientes sobre educação e gestão ambiental. Na verdade, pode-se observar que, apesar dos problemas ambientais provenientes do enorme descuido humano, as soluções já existem. É necessário antes de tudo, cuidado e atitude.


Segundo Leonardo Boff, o que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, de preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro. Contudo, a simples palavra cuidado, na prática, tem sido de difícil entendimento e aplicação.


Na verdade, as pessoas têm apresentado um comportamento extremamente individualista. São necessárias iniciativas individuais com cobrança direta aos governantes para que propostas concretas de políticas públicas sejam implementadas. Contudo, os governos, de todos os países, estão cada vez mais envolvidos com seus macroproblemas, fazendo com que o movimento para o Desenvolvimento Sustentável fique enfraquecido por esta crise globalizada.


O grande desafio para se atingir o Desenvolvimento Sustentável, que é atualmente o grande desafio do ser humano, consiste em aprender a combinar trabalho com cuidado. Leonardo Boff comentou em uma entrevista recente que esses conceitos não se opõem, mas se compõem. Limitam-se mutuamente e ao mesmo tempo se complementam. Juntos constituem a integralidade da experiência humana: por um lado, ligada à materialidade e, por outro, à espiritualidade. O equívoco consiste em opor uma dimensão à outra e não vê-las como comportamento do único e mesmo ser humano.


Essas questões nos fornecem uma idéia do que significam os dias em que vivemos. Os conceitos ecológicos e toda a sua dimensão, como também os seus princípios, precisam ser melhores entendidos e aplicados. Darão suporte às tomadas de decisões que poderão auxiliar nas profundas mudanças pela qual o Planeta deverá passar. O momento é de evitar e reduzir os impactos ambientais e a perda da biodiversidade. Essas atitudes devem ser praticadas como se fossem uma religião.


Precisamos compreender que a humanidade não é o centro da vida no planeta. Vivemos sob uma ética utilitária e antropocêntrica onde tudo no mundo existe para o homem dispor. Ela predomina há séculos, sendo a responsável pela recusa da diversidade cultural, racial e natural. Entre os princípios do Desenvolvimento Sustentável, prega-se a ética ecológica. A nova ética proposta é ecocêntrica, deseja o equilíbrio da comunidade da Terra com a natureza, visa harmonia, respeito e reverência. Ética significa a ilimitada responsabilidade por tudo que existe e vive. Comportamento ético, portanto, é a responsabilidade com o mundo, fundamentado na solidariedade, na alteridade, nas diferenças e na compaixão com o outro.


É sabido que a humanidade herdou um acúmulo de 3,8 bilhões de anos de capital natural. Nas últimas três décadas se consumiu um terço dos recursos da Terra, ou seja, de sua riqueza natural. Qualquer componente que é extinto compromete todo o universo. Mantendo-se os padrões atuais de uso e degradação, muito pouco há de restar até o fim do século XXI. Contudo, há de se considerar, que o homem com a sua inteligência e sua habilidade, possui também capacidade suficiente para solucionar os problemas que ele mesmo criou, gerando soluções, propondo modelos e aplicando novos conceitos, onde devem ser consideradas uma melhor distribuição de renda e a redução da enorme iniqüidade sócio-ambiental.

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