terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A economia e os limites do crescimento



* Por Maurício Novaes Souza


Nos últimos dois anos, a preocupação está voltada para a crise financeira americana, que trouxe reflexos na economia de todos os países do Planeta. Contudo, a questão ambiental, que deveria ser a prioridade posto ser a fonte de todos os recursos utilizados nos processos produtivos, vem sendo relegada ao segundo plano. Na prática, o antigo discurso da necessidade de crescimento econômico para a geração de emprego e renda acaba prevalecendo. Ou seja, continua vigorando a visão imediatista, de curtíssimo prazo, cujos resultados finais são conhecidos e previsíveis. De fato, a economia global está perdendo mais dinheiro com a destruição dos recursos naturais do que com a atual crise financeira global, segundo conclusões de um estudo financiado pela União Européia.

Segundo dados dessa pesquisa, intitulada “A Economia dos Ecossistemas e Biodiversidade”, calcula-se que os desperdícios anuais, apenas com o desmatamento, variam de US$ 2 trilhões a US$ 5 trilhões. O número inclui o valor de vários serviços oferecidos pelas florestas, como água limpa e a absorção do dióxido de carbono. O estudo foi discutido durante várias sessões do Congresso Mundial de Conservação, realizado em Barcelona. De acordo com o coordenador do relatório, Pava Sukhdev, o custo resultante da degradação da natureza ultrapassa o dos mercados financeiros globais. Cabe ainda uma consideração sobre os custos ambientais: pelo fato de serem contínuos, seus reflexos no longo prazo serão ainda maiores e de difícil quantificação.

Na verdade, os economistas desconhecem ou simplesmente desconsideram os serviços ambientais prestados pela natureza. Tais serviços ou funções, como o armazenamento de água e a regulação do ciclo de carbono, entre outros, cria condição para um meio ambiente saudável, oferecendo não só água e ar limpos, chuvas, produtividade oceânica, solo fértil e elasticidade das bacias fluviais, como também certas funções menos valorizadas, mas imprescindíveis para a manutenção da sustentabilidade, tais como: a) o processamento de resíduos (naturais e industriais); b) a proteção contra os extremos do clima; e c) a regeneração atmosférica. Por estas questões, o homem em suas atividades produtivas deve sempre considerar que os ecossistemas são sistemas abertos e integrados por todos os organismos vivos, inclusive ele próprio, e os elementos não viventes de um setor ambiental definido no tempo e no espaço, cujas propriedades globais de funcionamento (fluxo de energia e ciclagem da matéria) e auto-regulação (controle) derivam das relações entre todos os seus componentes, tanto pertencentes aos sistemas naturais, quanto aos criados ou modificados pelo Homem.

De fato, o desconhecimento dos profissionais da área econômica sobre conceitos básicos de ecologia e de economia dos recursos naturais e renováveis, os impedem de perceber que existem limites ao crescimento. Sabe-se que qualquer atividade antrópica é capaz de gerar algum tipo de impacto. O homem, na ânsia de sucesso e maximização de suas atividades, força o ambiente a realizar um esforço amplificador a fim de produzir um determinado resultado desejado; contudo, os ecossistemas têm sua capacidade de suporte e de regeneração que dependerá da sua resistência e da sua resiliência. Ocorrido um estresse, caso seja ultrapassado o seu limite, podem-se criar efeitos secundários que acabam reduzindo o ritmo e as chances de sucesso que uma determinada atividade vinha alcançando. Como consequência, ocorre que depois de uma expansão inicial, o crescimento se torna uniforme e com o tempo pode ficar tão lento que a espiral de reforço pode se inverter. Percebe-se então, que o importante é não forçar o crescimento, mas sim conhecer o ambiente e conviver dentro da possibilidade e dos fatores que o limitam.

Contudo, não é assim que o modelo de desenvolvimento vem se comportando. É comum se observar que no início das atividades os eventos vão bem. Dessa forma, a tendência do modelo atual é repetir o que estamos fazendo até atingirmos um ponto onde os resultados positivos cessam. Nesse ponto, as tentativas de mudança se tornam inúteis. Nessas situações que limitam o crescimento, a alternativa correta está em se buscar uma situação que trouxesse novo equilíbrio e não estimular a situação que gerou a condição de estresse. Dessa forma, para modificar o comportamento do sistema, é necessário identificar e alterar o fator limitante. No entanto, essa é uma ação contínua, pois quando eliminamos uma fonte de limitação, o crescimento acaba encontrando outra (num fenômeno parecido com a transferência de “gargalos”).

Considere-se a situação dos ecossistemas aquáticos. De fato, a qualidade das águas de praticamente todos os rios do Brasil e de todo o mundo piorou nos últimos anos. Esse fato, que é o resultado do modelo de desenvolvimento atual e que afeta drasticamente as populações, foi um dos temas discutidos no Fórum Social, em Belém, Brasil. Nesse encontro se estabeleceram metas para a elaboração de um novo modelo de desenvolvimento e crescimento econômico, com a pretensão de apresentar respostas para escassez do recurso provocada pelo crescimento da população, o desperdício, o consumo excessivo e o aumento da necessidade de energia. Tal encontro reuniu um número de participantes jamais vistos - 28.000 (vinte e oito mil) pessoas de mais de 180 (cento e oitenta) países. O Fórum analisou os problemas da escassez de água, o risco de conflito por enfrentamentos entre países por recursos hídricos e a melhor maneira de proporcionar água limpa à população mundial. Segundo Loïc Fauchon, presidente do Conselho Mundial da Água, o comportamento humano com relação ao uso deste recurso é cada vez mais irrefletido e inconsequente. Aumentar indefinidamente a demanda por água, nos diais atuais, além de colocar em perigo o meio natural, torna-se cada vez mais caro o seu tratamento e distribuição em um contexto de evolução do clima e crise financeira.

Tal análise se justifica pelo fato de que a economia e o meio ambiente estão passando por uma crise sem precedentes. Para agravar ainda mais a situação, a atual crise econômica mundial tem trazido como solução, por parte dos principais economistas e governantes mundiais, o estímulo ao consumo – situação ainda mais ameaçadora às atuais situações ambientais. Esse modelo visa, efetivamente, a geração de lucros imediatos, não considerando os limites do crescimento; portanto, socialmente e ambientalmente não é sustentável. Do ponto de vista social, é sabido que os 20% (vinte por cento) da população mais rica utilizam ¾ dos recursos naturais, trazendo o esgotamento e, ou, a degradação dos recursos naturais. Do ponto de vista ambiental, considerando a Pegada ecológica (índice que expressa a área produtiva necessária para sustentar o consumo de recursos e assimilação de resíduos de uma dada população) mostra que há 1,8 hectare de área disponível para cada habitante, dentro do padrão que se pode considerar sustentável. No entanto, o consumo global atual apresenta uma média de consumo relativo a 2,2 hectares por habitante. Ou seja, o ambiente está sendo usado além de sua capacidade de suporte e de reposição.

Analisando os EUA, verifica-se que o seu padrão de consumo é de 9,6 hectares por habitante, sendo que sua capacidade é de apenas 4,7 hectares por habitante. Pergunta-se, então, de onde eles retiram esses recursos para manter consumo tão elevado? A resposta está na exploração de outros países que tem uma capacidade produtiva de recursos naturais superior, como o Brasil. Se todos os habitantes tivessem o mesmo padrão de consumo dos EUA, seriam necessários 6 planetas iguais a Terra para atender à tal demanda... e continuam estimulando o consumo como forma de saírem da atual crise financeira. A continuar dessa forma, as gerações futuras não terão onde e nem como produzir para se sustentarem.

Além da questão da água, grandes problemas ambientais e sociais estimularam os representantes dos 160 países que se encontraram no Fórum Social Mundial em Belém. Foram discutidos temas associados à crise financeira, ao aquecimento global, às doenças associadas à ausência de saneamento ambiental, entre outras. Esses encontros representam o início da mobilização da população mundial, embora saibamos que ainda há muito que se fazer. O Tratado de Quito é um exemplo da inconsequente irresponsabilidade dos países que têm elevada produção e liberação de gases poluentes e de efeito estufa, que não o ratificam e não o adotam.

Na verdade, o modelo de produção e consumo são os responsáveis pelas agressões cometidas sobre os diversos ecossistemas, responsáveis pela evolução do clima, que vem se somar às mudanças globais, responsáveis das tensões que reduzem a disponibilidade da água doce, indispensáveis para a sobrevivência da humanidade. A previsão é de que a população mundial, atualmente superior a 6,7 bilhões de habitantes, possa chegar a nove bilhões até meados deste século, o que aumentará consideravelmente a demanda de recursos hídricos, a 64 bilhões de metros cúbicos por ano, segundo dados da ONU.

Segundo a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE), o número de pessoas com graves problemas para conseguir água chegará a 3,9 bilhões em 2030, ou seja, metade da população mundial. Os cálculos da OCDE não incluem o impacto da mudança climática, que pode já estar afetando as coordenadas da água, mudando a quantidade e a distribuição das chuvas e nevascas. Considere-se ainda que quase 2,5 bilhões de pessoas não têm acesso ao saneamento básico, o que contraria as Metas de Desenvolvimento do Milênio da ONU. Sabe-se que as principais causas da crise relacionada à água são a irrigação sem planos de manejo, as falhas na distribuição urbana e a contaminação dos rios pelas atividades urbano-industriais e agropecuárias.

No dia 07 de abril, foi comemorado o Dia Mundial da Saúde. Tal data foi criada em 1948 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em função da preocupação de seus integrantes em manter o bom estado de saúde das pessoas do mundo, bem como alertar sobre os principais problemas que podem atingir a população. Segundo a OMS, ter saúde é garantir a condição de bem-estar das pessoas, envolvendo os aspectos físicos, mentais e sociais em harmonia. Sabe-se que a alimentação e saneamento são formas de prevenir doenças. Contudo, nos dias atuais, percebe-se que o crescimento urbano e industrial nem sempre significa desenvolvimento humano: particularmente nos países em industrialização, vem acompanhado de desigualdade de acesso aos itens básicos necessários a uma sobrevivência digna, tais como à educação, à alimentação e à saúde. A falta do saneamento nas cidades, em níveis mínimos que assegurem o bem-estar das populações, tem gerado um quadro de degradação do meio ambiente urbano sem precedentes, sendo os recursos hídricos um dos primeiros elementos integrantes da base de recursos naturais a sofrer tais efeitos. Infelizmente, o que se observa nas periferias das grandes cidades é uma total desinformação sobre higiene, aumento das doenças veiculadas pela água, lixões a céu aberto, entre outros. Os governos ainda não vêm realizando um trabalho preventivo, o que melhoraria a saúde da população e diminuiriam os gastos com a saúde pública.

Como consequência desse modelo econômico, o mundo está enfrentando intensas transformações globais, sem precedentes, incluindo aumento da população, migração, urbanização, mudanças climáticas, desertificação, seca, alteração do uso e degradação do solo, crises econômicas e alimentares. Caso continuemos a agir dessa forma, não respeitando os limites do crescimento, pouco restará para as gerações futuras. Como bem lembra Leonardo Boff, caso não se cuide do planeta a partir de uma visão sistêmica e holística, poderá submetê-lo à destruição de suas partes e inviabilizar a própria vida. Há inúmeras evidências que existem limites para o crescimento econômico, considerando que os recursos naturais são escassos.

Apesar das inúmeras iniciativas governamentais e organizacionais, os efeitos efetivos ainda são discretos. Deve-se refletir sobre a necessidade urgente de abandono às concepções anacrônicas ligadas à produção e ao consumo, adotando a sustentabilidade sócio-ambiental nas ações públicas e privadas, em todos os níveis, do local ao global. É preciso que sejam conhecidos e respeitados os limites do crescimento. Essas deverão ser as propostas de um novo modelo guiado pelos princípios do “Desenvolvimento Sustentável”. Contudo, o seu sucesso dependerá da participação e esforço de cada um dos habitantes de nosso planeta, posto que o somatório das atitudes individuais trará soluções sustentáveis para os problemas relativos às questões sociais e ambientais; mas é imprescindível que a economia entenda que o crescimento deve ter limites.


* Engenheiro Agrônomo, Mestre em Recuperação de Áreas Degradadas, Economia e Gestão Ambiental, e Doutor em Engenharia de Água e Solo. É professor do IF Sudeste MG campus Rio Pomba e Diretor-Geral do IF Sudeste MG campus São João del-Rei. E-mail: mauricios.novaes@ifsudestemg.edu.br.

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