* Maurício Novaes Souza
No dia 9 de janeiro deste 2017, morreu o sociólogo polonês Zygmunt Bauman! Anos atrás, comecei a
perceber que não entendia bem o que estava acontecendo com a moçada atual, particularmente
uma boa parte de meus alunos - seus artigos e livros me auxiliaram muito a
entender as mudanças de comportamento que ocorriam, em todo o mundo!!! Em
suas obras, Bauman cunha o termo “modernidade líquida” para tratar da fluidez
das relações em nosso mundo contemporâneo. Para ele, o conceito de modernidade
líquida se refere ao conjunto de relações e dinâmicas que se apresentam em nosso meio contemporâneo e que se diferenciam das
que se estabeleceram no que ele chama de “modernidade sólida” pela sua fluidez
e volatilidade. A ideia se baseia na construção do conceito sócio-histórico de
modernidade, que atravessa um enorme período da história humana e da mesma
forma marca mudanças no pensamento e nas relações entre seres humanos e
instituições sociais. A fluidez
dos líquidos é comparada às dinâmicas sociais contemporâneas.
De
fato, podemos dizer que é a época em que vivemos que caracteriza a modernidade
líquida, que segundo Siqueira, “é o conjunto de relações e instituições, além
de sua lógica de operações, que se impõe e que dão base para a
contemporaneidade”. Vivemos uma época de liquidez, de fluidez, de volatilidade,
de incerteza e insegurança. É nesta época que toda a fixidez e todos os referenciais
morais da época anterior, denominada pelo autor como modernidade sólida, são retiradas
de palco para dar espaço à lógica do agora, do consumo, do gozo e da
artificialidade. Antes de Bauman criar o conceito de modernidade
líquida, já Marx e Engels caracterizavam a modernidade como o processo
histórico que derretia todas as instituições de outras épocas, como a família,
a comunidade tradicional e a religião.
De acordo com Rodrigues, em Sociologia, o período
que se seguiu ao fim da Segunda
Guerra Mundial foi palco de mudanças rápidas e profundas de
inúmeras características nas nossas relações sociais, instituições dos Estados,
construções culturais e várias outras configurações do mundo social que se
construiu durante o período que se denominou de “moderno”.
Para alguns estudiosos das disciplinas que se dedicam ao estudo desses
fenômenos, essas mudanças foram tão significativas que eles acreditam que é
preciso falar agora da superação ou
do fim do período moderno, ou da
pós-modernidade, por assim dizer. Essa transição teria ocorrido em
função da quebra de certos paradigmas que seriam pilares de sustentação da
Modernidade de um ponto de vista sócio-histórico. Esses pilares seriam as narrativas
e ideologias fundadoras de explicações sobre o mundo social moderno que
fundamentavam ações e perspectivas que agora já não mais se sustentam.
Para Rodrigues, entre os teóricos que tratam da
modernidade tardia, ou da pós-modernidade, Bauman é
uma referência absoluta. Sua obra trata de uma série de mudanças que se
estabeleceu nas últimas décadas e que exerceu, e ainda exerce, grande
influência sobre o mundo social contemporâneo. Entre elas, a globalização foi uma das
maiores forças de transformação da paisagem social moderna. A aproximação, ou o
“encurtamento das distâncias”,
transformou as relações humanas de várias formas. As mudanças que se iniciaram
com o renascimento, quando os ideais
racionalistas começavam a ganhar força diante do pensamento tradicional,
ampliaram-se no decorrer do tempo, tornando-se ponto de ruptura com as formas
anteriores de organização social. Diante disso, os paradigmas constituídos nos
períodos pré-modernos lentamente se
dissolveram e deram lugar a novas formas de manutenção do mundo social. A
religiosidade, por exemplo, deixou seu lugar de única provedora legítima de
preceitos morais, responsáveis em grande parte pela mediação das ações dos
sujeitos da época, e foi substituída pela formalização racional das leis civis
e da ética. Esse mesmo processo de racionalização foi,
em grande parte, responsável pela maioria das mudanças que se instauraram no
período moderno. Esse é o momento que Bauman se refere como “modernidade sólida”, pois ainda
há fixidez nas relações sociais entre sujeitos e instituições sociais. A
construção do sentimento de nacionalismo, por exemplo, é um dos pontos que
Bauman diz servir como ponto de apoio da formação da identidade do sujeito na
modernidade sólida.
Outra mudança profunda foi desempenhada pelo ideal
do progresso baseado no pensamento racional e na ciência, que se tornaram
motores dos avanços tecnológicos que se estabeleceram no período e que, por sua
vez, mudaram toda a organização com a qual se relacionavam. O trabalho, por exemplo, que antes
se baseava no processo de aprendizagem por imitação
ou tradição passada de pais para filhos, agora se estabelecia de forma
especializada e formal nas escolas técnicas em razão do progressivo aumento da complexidade das
tarefas laborais relativas às indústrias e suas máquinas. Esses
exemplos servem para demonstrar que, enquanto os moldes tradicionais foram,
sim, descontruídos, eles foram também reconstruídos com
outras configurações no momento inicial do período moderno, mantendo sua forma
“sólida” e seu papel de ordenação do mundo social.
Quando se chega à modernidade líquida, toda estrutura social montada em
torno da relativa fixidez moderna dilui-se. Para Bauman, as
relações transformam-se, tornam-se voláteis na
medida em que os parâmetros concretos de “classificação”
se dissolvem. Trata-se da individualização do
mundo, em que o sujeito agora se encontra “livre”, em certos pontos, para ser o
que conseguir ser mediante suas próprias forças. A liquidez a que Bauman se
refere é justamente essa inconstância e incerteza que a falta de pontos de
referência socialmente estabelecidos e generalizadores gera.
São esses padrões, códigos e
regras a que podíamos nos conformar, que podíamos selecionar como pontos
estáveis de orientação e pelos quais podíamos nos deixar depois guiar, que
estão cada vez mais em falta. Isso não quer dizer que nossos contemporâneos
sejam livres para construir seu modo de vida a partir do zero e segundo sua
vontade, ou que não sejam mais dependentes da sociedade para obter as plantas e
os materiais de construção. Mas quer dizer que estamos passando de uma era de
'grupos de referência' predeterminados a uma outra de 'comparação universal',
em que o destino dos trabalhos de autoconstrução individual (…) não está dado
de antemão, e tende a sofrer numerosa e profundas mudanças antes que esses
trabalhos alcancem seu único fim genuíno: o fim da vida do indivíduo. (BAUMAN,
2001)
O que acontece hoje é, então, uma repetição do que
aconteceu antes na passagem do mundo pré-moderno para o moderno. O
“derretimento” dos parâmetros sociais modernos é obra das mesmas forças de
desconstrução dos paradigmas das sociedades tradicionais anteriores às
sociedades modernas. Todavia, não há uma reconstrução de parâmetros “sólidos”.
Estes permanecem em sua forma fluida, podendo tomar a forma que as forças
sociais e individuais, em momentos específicos, determinarem.
Para Siqueira,
citando Tiago de Oliveira Fragoso, quando não se valorizam ou se desconhecem
referências, a vida passa a ser entendida como projeto individual. E quais são
esses referenciais? A classe, a religião, a família, a nacionalidade, a
ideologia política. Todos eles foram solapados por uma crescente tendência ao
consumo, à transformação das relações sociais em mercadoria, portanto, da própria
identidade em mercadoria. Isso pode ser visto principalmente no “processo de
desregulamentação política, social e econômica que se manifesta na expansão
livre dos mercados mundiais, no desengajamento coletivo e esvaziamento do
espaço público.
Fragoso
complementa, “na modernidade líquida os indivíduos não possuem mais padrões de
referência, nem códigos sociais e culturais que lhes possibilitassem, ao mesmo
tempo, construir sua vida e se inserir dentro das condições de classe e
cidadão. Chega-se no entender de Bauman a era da comparabilidade universal,
onde os indivíduos não possuem mais lugares pré-estabelecidos no mundo onde
poderiam se situar, mas devem lutar livremente por sua própria conta e risco
para se inserir numa sociedade cada vez mais seletiva econômica e socialmente”.
Nas relações
pessoais, as conexões predominam. Conexão é o termo que Bauman usa para descrever
as relações frágeis. A interpretação desta palavra envolve a noção de que, em
uma conexão, a vantagem não está só em ter várias conexões, mas, principalmente
em conseguir desconectar sem grandes perdas ou custos. A relação frágil tem
como pressuposto a transformação dos humanos em mercadorias que podem ser
consumidas e jogadas no lixo a qualquer momento – a qualquer momento nós (os
humanos) podemos ser excluídos. A
conexão é frágil porque o sujeito líquido lida com um mundo de consumo e
opções, mas esse mundo nunca é objetivo e frio, ele ainda causa frustrações e,
como já dito, insegurança. O sujeito líquido não tem mais referenciais de ação:
toda a autoridade de referência é colocada em si e é sua responsabilidade
construir ou escolher normas a serem seguidas – tudo se passa como se tudo
fosse uma questão de escolher a melhor opção, com melhores vantagens e, de
preferência, nenhuma desvantagem.
Dessa forma, temos o sujeito líquido, aquele em que
inúmeras identidades se manifestam em momentos diferentes. Muito difícil
entender nossos alunos atualmente. Para o aluno, também é complexo entender a
sociedade atual e seguir o modelo de ensino estabelecido. Um professor que se
identifica como um sujeito líquido, por exemplo, agirá de uma forma diante da
sua sala de aula e, em meio a uma torcida organizada de seu time, de forma bem
diferente. Os dois são parâmetros de identificação distintos, que muitas vezes
podem ser conflitantes, mas que constituem a construção indenitárias de um
mesmo sujeito. Vivemos tempos de transição e de enorme complexidade.
Referência:
BAUMAN,
Zygmunt. Modernidade
Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed 2001.
RODRIGUES,
L. O. Sociologia. Disponível em: http://mundoeducacao.bol.uol.com.br /sociologia/modernidade-liquida.htm.
Acesso em: 12 jan. 2017.
SIQUEIRA, V. Modernidade
Líquida, o que é este conceito novo proposto por Zygmunt Bauman? Disponível
em: http://colunastortas.com.br/2013/07/22/modernidade-liquida-o-que-e.
Acesso em: 22 jan. 2017.
* Engenheiro Agrônomo, Mestre em Recuperação de Áreas
Degradadas e Gestão Ambiental e Doutor em Engenharia de Água e Solo pela
Universidade Federal de Viçosa. Foi professor do IF SEMG campus Rio Pomba.
Atualmente, IFES campus de Alegre. E-mail: mauriciosnovaes@yahoo.com.br.
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