*Maurício
Novaes Souza
A expressão “Utopia Regressiva” vem sendo muito empregada nos
meios políticos. Nesse artigo vou usá-la para fazer um paralelo entre os
modelos agropecuários existentes em nosso país, onde o novo e o antigo vêm se
confrontando, comprometendo a transição para o Desenvolvimento Sustentável –
nesse modelo, a ausência de imaginação é um modo de impedir novas construções! De
acordo com Freitas Neto, no Jornal da Unicamp, na história das culturas e povos
do ocidente, o domínio do tempo atual apresenta questões e cobranças imediatas
que estão em diálogo com o passado e com o futuro. Hoje, há sentimentos controversos:
desejos de mudança, recuperação de elos com o passado e, paradoxalmente, uma
aparente e incômoda ausência de projetos ou de manifestações utópicas.
Em
“A Utopia”
(1516), de Thomas More, são identificadas questões em um período de transições
entre dois mundos: o antigo, com suas mazelas; e o novo, com suas virtudes. A
utopia é herdeira da viagem – não apenas como um ato, mas como uma metáfora dos
caminhos a serem seguidos para se chegar a um ponto ideal. Este ponto ideal é
outro aspecto marcante do discurso utópico: nele, realidade e ilusão se fundem.
O utópico, desse modo, não é o impossível, mas apenas – como indica a
etimologia - o que ainda não é. Na América, a junção de aspectos religiosos
legados pelo cristianismo, o passado ligado às comunidades indígenas e o
ideário socialista, durante muito tempo, fez com que a agricultura fosse uma
atividade econômica de subsistência - sem espaço nos dias atuais.
Em artigo recente em “O Estado de São Paulo”, Xico
Graziano comenta que missões
estrangeiras desembarcam no Brasil para conhecer nosso modelo de agricultura
tropical: plantio direto na palha, com até três safras na mesma área/ano,
integração lavoura-pecuária, silvicultura, fruticultura, genética animal de ponta,
onde se busca produtividade com qualidade e, recentemente, responsabilidade
socioambiental. Embora admirada e temida pelos concorrentes externos, muitos
enxergam a agropecuária nacional como se o campo ainda fosse dominado pelos
latifundiários: visão incorreta! Segundo Graziano, essa surpreendente e
reiterada dissintonia entre a realidade e sua interpretação o motivou, juntamente
com Zander Navarro, a publicar o livro Novo Mundo Rural, onde defendem a
necessidade de se adotarem novas perspectivas, conceitos e teorias, para a
correta compreensão da dinâmica atual de nossa agropecuária.
De
fato, uma nova situação produtiva passou a dominar o campo, desde a
estabilização da moeda a partir do Plano Real. De essencialmente rural, o
Brasil transformou-se numa nação urbanizada. Sua agricultura, antes na base da
“enxada”, tornou-se altamente produtiva. Surgiu o competitivo e agressivo agronegócio
- embora tão marcantes sejam as modificações tecnológicas e socioeconômicas,
alguns observadores da agricultura brasileira – pesquisadores, agentes sociais
ou políticos – continuam a tratá-la como se permanecessem adormecidos no tempo.
Qual a razão dessa atitude? A força do paradigma gerado pelo tradicionalismo e o
medo do novo. A modernização capitalista do campo, alavancada pela globalização
e ancorada nas novas tecnologias, superou o dilema histórico – é verdade que
não se alterou a estrutura concentrada da propriedade da terra. Por outro lado,
pode-se afirmar que foi extremamente progressista, por ter provocado uma
mudança impressionante, em termos econômicos e tecnológicos, elevando
fortemente a produtividade no campo. Existem, claro, setores marginalizados do
processo, o que é muito ruim. De qualquer forma, o tempo não recua.
Independentemente de julgamentos de valor, ou mesmo de avaliações éticas: quem
permanecer apegado aos raciocínios antigos, mais confunde do que compreende o
nosso desenvolvimento agrário e seus desafios futuros. O olhar de muitos sobre
a economia agrária ainda continua apegado às memórias do passado. Contudo, o
futuro dos milhões de pequenos agricultores passa pelo apoio governamental,
aliado ao desenvolvimento tecnológico e à sua integração aos mercados de
consumo. Ou seja, um olhar para o futuro, longe da utopia regressiva e
saudosista. Os processos de degradação ambiental e de exclusão social dos
pequenos agricultores se aceleram simultaneamente à consolidação da agricultura
de larga escala. Na visão de Graziano, para que os pequenos no campo vençam, é preciso
capitalizá-los.
Afinal, o Desenvolvimento Sustentável é uma alternativa ou uma utopia? A proposta de
compromisso com a preservação do meio ambiente para as atuais e futuras
gerações como indissociável do conceito de desenvolvimento, e que preconiza ser
indispensável à erradicação da pobreza e a inserção social, é a que mais de
perto determinou o que se entende hoje como sustentabilidade, sem reduzir a
importância dos demais princípios – essa é a lógica, não utópica, e também
moderna, da AGROECOLOGIA - ciência
que estabelece as bases para a construção de estilos de agriculturas
sustentáveis e de estratégias de desenvolvimento rural sustentável.
Nessa era
de extremos, apesar de a população da Terra ter atingido sete bilhões de
habitantes, nunca existiu tanta fartura e disponibilidade de meios. Falta
melhor distribui-los! Além disso, a riqueza acumulada seria suficiente para
garantir a todos satisfatórias condições de qualidade de vida. Diante desses
números, a superação de alguns desafios é essencial. De acordo com Torelly, são
eles: 1) restabelecer as relações entre economia e ecologia; 2) controlar o
crescimento populacional; 3) controlar o crescimento econômico e incentivar a
distribuição de renda; 4) aumentar o consumo de alimentos dos países pobres e
emergentes; 5) universalizar e baratear as inovações tecnológicas. Além do
rápido declínio dos recursos renováveis e não renováveis, e de desastres
ecológicos em grande escala, corremos um elevado risco de conflitos
multinacionais.
* Engenheiro Agrônomo, Mestre em
Recuperação de Áreas Degradadas e Gestão Ambiental e Doutor em Engenharia de
Água e Solo pela Universidade Federal de Viçosa. Foi professor do IF Sudeste de
Minas campus Rio Pomba. Atualmente, IFES campus de Alegre.
E-mail: mauricios.novaes@ifes.edu.br.