Francisco
Roberto Caporal; José Antônio Costabeber; Gervásio Paulus (Org.).
Agroecologia: uma ciência do campo da
complexidade. Brasília: 2009. 111p.
Mestranda: Cristina Tessarole
Orientador: Maurício Novaes
RESUMO
Os
autores descrevem o livro utilizando vivências do extensionismo e suas teses de
mestrado e doutorado, a complexidade da agroecologia como novo paradigma. Neste
sentido, abordam o papel estratégico que pode assumir a Agroecologia em favor
da busca de soberania e segurança alimentar. Outro ponto que vale ressaltar é a
agroecologia vista como uma ciência com perspectiva epistemológica desafiadora,
que inclui, para desespero de alguns professores, pesquisadores e
extensionistas, a necessidade de integração entre saberes populares e conhecimentos
técnico-científicos. É chegada a uma convicção pelos autores que dizem que
Agroecologia é uma ciência que exige um enfoque holístico e uma abordagem
sistêmica. As relações indissociáveis entre sociedade/indivíduo/ natureza/economia/cultura/política
a partir de um enfoque multidisciplinar, ou mesmo transdisciplinar e, logo,
fugindo do paradigma da simplificação, é o que se espera desse novo paradigma.
Neste sentido, textos foram escritos para estimular reflexões em torno do potencial
da Agroecologia como um novo paradigma de ciência para a sustentabilidade, na
perspectiva do “pensar complexo”, para abandonar o individualismo consumista e
irresponsável das gerações atuais, antes que, todos juntos, continuemos
caminhando para o abismo da insustentabilidade.
Agroecologia:
uma nova ciência para apoiar a transição a agriculturas mais sustentáveis
Caporal
aponta o legado da Revolução Verde, comentando os impactos ambientais causados
e o uso indiscriminado dos recursos naturais que, caso continuem, acarretará no
declínio da população que segue rumo a insustentabilidade. O autor salienta a
necessidade e de se pensar na transição da agricultura de base agroecológica
baseada nos princípios de agroecologia, abordando aspectos sociais e ambientais,
apoiados pela pesquisa, ensino e extensão rural afirmando a indissociabilidade
do tema.
O
autor busca ao longo do artigo evidenciar dois pontos importantes: a) diz que a
partir das bases epistemológicas da Agroecologia, pode-se afirmar que teremos
tantas agriculturas quantos forem os diferentes agroecossistemas e sistemas
culturais das pessoas que as praticam; e b) resgatar uma postura mais ética e
mais humanista nas práticas agrícolas e nas estratégias de desenvolvimento.
Outro
aspecto importante, o autor ressalta que o objetivo da agroecologia não é
resolver o problema mundial das ações antrópicas, mas sim orientar e mostrar as
possibilidades que é possível desenvolver uma agricultura que agrida menos o
ambiente e que garanta, as gerações futuras, os recursos que usufruímos de
forma racional.
Para
iniciar o autor tentar desmistificar alguns conceitos que vem da academia no
que se refere a Agroecologia, sendo abordada como um tipo de agricultura e não
como uma ciência. Esta perspectiva se dá quando o autor mostra o que não é
agroecologia, que é confundido como uma forma de agricultura e não como uma
ciência. Caporal apresenta os equívocos referentes ao uso do termo e conceito
da agroecologia, sendo esta tratada mais como um modelo a ser seguido, quando
na verdade se trata de um novo modelo de vida, uma ciência.
Em
outro ponto, traz a Agroecologia com base no que a Epistemologia apresenta,
onde o autor aborda que mais do que simplesmente tratar sobre o manejo
ecologicamente responsável dos recursos naturais, constitui-se em um campo do
conhecimento científico que, partindo de um enfoque holístico e de uma
abordagem sistêmica, pretende contribuir para que as sociedades possam
redirecionar o curso alterado da coevolução social e ecológica, nas suas mais
diferentes inter-relações e mútua influência. Aponta, neste sentido, o equívoco
de pensar agroecologia separando o conhecimento cientifico do saber popular. É importante
ressaltar que a Agroecologia busca integrar os saberes históricos dos
agricultores com os conhecimentos de diferentes ciências, permitindo, tanto a
compreensão, análise e crítica do atual modelo do desenvolvimento e de
agricultura, como o estabelecimento de novas estratégias para o desenvolvimento
rural e novos desenhos de agriculturas mais sustentáveis, a partir de uma
abordagem transdisciplinar, holística.
Como
afirmam Sevilla Guzmán e Ottmann (2004), os elementos centrais da Agroecologia
podem ser agrupados em três dimensões: a) ecológica e técnico-agronômica; b)
socioeconômica e cultural; e c) sócio-política. Estas dimensões não são
isoladas. Na realidade, elas se entrecruzam, influem uma à outra, de modo que
estudá-las, entendê-las e propor alternativas supõe, necessariamente, uma
abordagem inter, multi e transdisciplinar. Espera-se, portanto, que a
Agroecologia seja abordada de forma que seja capaz de unir os conhecimentos de
diferentes disciplinas científicas, com os saberes tradicionais.
Em
outro ponto, apresenta a discussão sobre uma nova revolução, que pode ser
chamada de revolução paradigmática, onde as mudanças ocorrem no setor social e
cultural, baseado nos problemas e na necessidade de ecologização, tratando de
uma mudança na forma de pensar e, assim, poder agir, trazendo ameaças aos
paradigmas convencionais.
De
uma forma geral, a Agroecologia é entendida como um enfoque científico
destinado a apoiar a transição dos atuais modelos de desenvolvimento rural e de
agricultura convencionais para estilos de desenvolvimento rural e de
agriculturas mais sustentáveis (Caporal e Costabeber, 2000a; 2000b; 2001;
2002a; 2002b). Segundo Miguel Altieri, a Agroecologia constitui um enfoque
teórico e metodológico que, lançando mão de diversas disciplinas científicas,
pretende estudar a atividade agrária sob uma perspectiva ecológica.
Por
fim, o autor conclui dizendo que a agroecologia requer mudanças políticas,
econômicas, sociais e culturais e que, o redesenho do agroecossistema, requer o
elo entre o saber popular e o conhecimento cientifico, exigindo entre outros, a
mudança de pensamento.
O
capítulo 4 aborda os conceitos de agricultura sustentável no ponto de vista de
alguns autores, tais como Altieri e Gleissman, diferentes do conceito de
Agroecologia, ou seja, a agricultura sustentável utiliza princípios da
Agroecologia. Neste sentido, os autores concluem que é necessário enfatizar
que a prática da
agricultura envolve um
processo social, integrado
a sistemas econômicos, e que, portanto, qualquer enfoque baseado
simplesmente na tecnologia ou na mudança da base técnica da
agricultura pode implicar
no surgimento de novas
relações sociais, novo
tipo de relação
dos homens com o meio ambiente e, entre outros, em maior ou
menor grau de
autonomia e capacidade
de exercer a cidadania.
O
capítulo 5 mostra alguns elementos de uma Agroecologia aplicada, onde utiliza o
termo “ecoartificialização” que vem sendo praticado pela agricultura de base
ecológica, que geralmente seguem receitas e ainda utiliza pacotes de produtos,
mesmo que ambientalmente mais adequados, para atender uma legislação. Este
capítulo reafirma a importância de uma reforma agrária e principalmente do
profissional que irá disseminar os princípios de agroecologia, levando em
consideração todos os aspectos já mencionados:
social, econômico, ecológico, político, cultural e ético. Neste sentido,
quando se trabalha com um enfoque de Agroecologia, deve-se partir não da lógica
cartesiana da simplificação, mas da lógica da natureza que se expressa no
ecossistema que será transformado em um agroecossistema. Os autores ainda
apontam que é necessário um redesenho dos agroecossistemas e garantir a maior
diversidade possível.
Interessante
ressaltar que os autores utilizam o termo plantas espontâneas para referir ao
termo ervas daninhas utilizadas pelos autores mais tradicionais, que em seus
sistemas são indesejáveis e o uso de herbicidas é constante e considerado
normal. Porém, pode-se perceber com a citação desses autores, que essas plantas
podem trazer benefícios para o sistema. O que também é abordado é a teoria da
trofobiose e as relações do uso de herbicidas, que funcionam como receitas
prontas para eliminar os sintomas - na agroecologia o foco é evitar que esses
sintomas ocorram.
Segurança
alimentar e nutricional é o que foi discutido no capítulo 6, onde introduziu-se
o problema de fome e desnutrição mundial, anda em via de mão única, a atender a
demanda mercadológica, o que prioriza a monocultura e os produtos mais
rentáveis. O conceito de segurança alimentar é discutido afirmando a
importância da agroecologia neste contexto. Sendo assim, para alcançar o que se
propõe este conceito, requerem-se mudanças fundamentais nos “pacotes tecnológicos”, nos desenhos e
projetos de pesquisa
agropecuária e nas ações
de extensão rural,
sem falar na
necessidade de uma radical
mudança no perfil
dos itens de
custeio dos financiados pelo
crédito rural, que hoje estão concentrados no
pagamento de fertilizantes
químicos de síntese e
agrotóxicos.
O
que se sabem é que a Revolução Verde veio para acabar com a fome e acabou por piorar a situação, o que pode ser observado
no trecho: Pelo contrário, o que vimos, além
do aumento da
fome, foi uma
permanente, crescente e continuada destruição dos diferentes biomas,
o aumento das
áreas em processo
de desertificação (e dos
programas hipócritas para
reduzi-la), bem como o
aumento da erosão dos solos, a
perda e exportação
da fertilidade e da água (a valores que não estão embutidos nos custos
de produção do empresário individual
e que não aparecem nas contas do
PIB). Vimos crescer também a contaminação dos aquíferos, dos rios, dos mares e,
pior, dos alimentos. Os autores finalizam abordando as alternativas e a
necessidade imediata de estratégias voltadas aos princípios de agroecologia
para combater a fome com alimento saudável e de qualidade.
Para
finalizar, o que se deve destacar é o fato da agroecologia não ser um modelo de
produção, mas sim uma ciência que irá fornecer bases cientificas na busca por
uma agricultura mais sustentável, abordando aspectos de cuidado com o solo,
aproveitamento dos insumos internos, valorização do potencial endógeno e
principalmente observar as possibilidades e necessidades do produtor,
utilizando o saber cientifico somado ao saber popular e relacionando os
aspectos sociais, ambientais e econômicos, além de fatores culturais, éticos e
políticos, a fim de se buscar um maior equilíbrio e o redesenho do
agroecossistema, firmando o holismo e a multidisciplinaridade. Destacam que a
mudança é possível e precisa ser realizada o mais breve, garantindo a
sustentabilidade dos recursos para atender a crescente e desordenada demanda da
população e os resquícios deixados pela Revolução Verde.
Matriz
disciplinar ou o novo paradigma para o desenvolvimento rural sustentável
Como
já mencionado no primeiro capítulo deste livro, a agroecologia é entendida como
um novo paradigma e vem ganhando destaque como matriz disciplinar, sendo
totalizadora, integradora e holística, gerando subsídios para o desenvolvimento
rural sustentável.
No
segundo parágrafo já evidencia a agroecologia que reconhece e se nutre dos saberes,
conhecimentos e experiências dos agricultores(as), dos povos indígenas, dos
povos da floresta, dos pescadores(as), das comunidades quilombolas, bem como dos
demais atores sociais envolvidos em processos de desenvolvimento rural,
incorporando o potencial endógeno, isto é, presente no “local”. Fortalece a
ligação e necessidade do elo entre os aspectos já citados: ecológicos,
econômicos, sociais, políticos, éticos e culturais, apoiando-se do saber
popular atrelado ao saber científico. Reafirma que a agroecologia não é
puramente prática, ou seja, não é um modelo a ser implantado e sim uma ciência
que aborda diversos saberes valorizando o potencial endógeno e a
biodiversidade.
Expressando
a importância dos mais diversos fatores, a ética na agroecologia é outro ponto
importante, mesmo sendo filosófico, tem um papel importante no sucesso do
desenvolvimento rural sustentável, no sentido de uma nova relação com o outro,
significando que a ética ambiental tem que ter uma solidariedade inter e
intrageracional. Neste sentido, ética é a “reflexão sobre as atitudes e ações
apropriadas com respeito aos seres e processos com relevância, onde a
relevância tem que ver com o fato de que estes seres e processos têm
importância em si mesmos” (HEYD, 2003),
sendo necessária e indissociável dos
outros fatores a serem analisados e incluídos na perspectiva para a
Agroecologia. Outro ponto importante diz respeito a ética no sentido de
respeito as mais diversas manifestações e forma de vida, pois existe
necessidade de desenvolver estratégias de manutenção da biodiversidade natural
dos distintos ecossistemas terrestres e aquáticos.
A
agroecologia, como matriz disciplinar integradora, é abordada como novo
paradigma e o afastamento da visão cartesiana onde a mesma articula
conhecimentos de diferentes ciências, assim como o saber popular, permitindo
tanto a compreensão, análise e crítica do atual modelo do desenvolvimento e de
agricultura industrial, como o desenho de novas estratégias para o desenvolvimento
rural e de estilos de agriculturas sustentáveis, desde uma abordagem
transdisciplinar e holística.
Este
capitulo traz a abordagem agroecológica proposta por Guzmán Casado et al.
(2000), agrupando os elementos centrais da Agroecologia em três dimensões:
a)
ecológica e técnico-agronômica;
b)
socioeconômica e cultural; e
c) sócio-política.
Estas
dimensões não são isoladas, como já dito anteriormente ao logo deste livro,
deve ser interligada. Neste sentido, como matriz disciplinar integradora, tem a
necessidade de criar um novo enfoque paradigmático, capaz de unir os saberes
populares com os conhecimentos criados por diferentes disciplinas científicas,
de modo a dar conta da totalidade dos problemas e não do tratamento isolado de
suas partes.
Vale
ressaltar a resistência por parte da alguns membros da academia que não
concordam com esse novo paradigma, sendo portanto, necessário cada vez mais
pesquisas e estudos a fim de afirmar a importância desta nova ciência para o
desenvolvimento rural sustentável e a segurança alimentar. Neste sentido, os
autores utilizam uma imagem na página 78 para mostrar as contribuições de
outras ciências a agroecologia mostrando que tudo está e necessita estar
interligado.
Na
página 79 os autores trazem uma abordagem da contribuição da física para a
agroecologia, como a Lei da Termodinâmica e Lei da Entropia, descrito no trecho
a seguir: A agricultura convencional é altamente dependente de energias e
materiais “de fora” do seu
agroecossistema, e esta dependência
é tanto maior quanto mais simplificado for o desenho
do sistema produtivo, como é o caso dos grandes monocultivos de grãos ou de
laranja, mamona, beterraba e cana-de-açúcar, por exemplo Para viabilizar a
agricultura industrial são necessárias
quantidades crescentes de
combustíveis fósseis, fertilizantes químicos de síntese,
agrotóxicos e outros inputs cuja
mobilidade ou fabricação geram desordem ou entropia a partir da sua dispersão, ao
mesmo tempo em que
causam impactos no
entorno ou em
ecossistemas distantes, que
passam a subsidiar a
necessária tentativa de ordem do agroecossistema artificial da
agricultura industrial. Podemos perceber então a dependência obrigatória de
insumos externos e a desvalorização do potencial endógeno.
Sobre
a Economia Ecológica e a Ecologia Política, os autores mostram que ambos estão
preocupados a distribuição dos recursos e não na ecologia a disposição da
economia, mas o contrário. Outro ponto a destacar é o cálculo das
externalidades negativas, que segundo os autores não são contabilizados no
agronegócio. Também abordam os conceitos de mochila e pegada ecológica
mostrando a dependência de recursos externos e as externalidades que não são
consideradas pelos produtores. Neste sentido, a economia ecológica se difere da
economia convencional por tratar a mesma como sendo um ciclo aberto, com
externalidades negativas, o que a agroecologia poderá diminuir.
A
agroecologia pode ser entendida como uma aproximação da agronomia e ecologia,
no meio acadêmico, onde estuda e classifica os sistemas agrícolas desde uma perspectiva
ecológica, de modo a orientar o desenho ou o redesenho de agroecossistemas em
bases mais sustentáveis. Desta forma, a ecologia pode contribuir com os
ensinamentos das relações existentes na natureza que podem beneficiar as produções,
colheitas e plantas.
As
contribuições da biologia são inegáveis, pois tudo envolve a vida, a vida da
planta, a vida dos organismos, a vida das pessoas, impossível pensar em
agroecologia sem abordar conceitos biológicos importantes. Neste sentido, como
trás o texto, a Agroecologia busca na Biologia muitos dos elementos necessários
para o estabelecimento de sistemas de produção mais sustentáveis. Citando
exemplos como a relação entre patógenos e hospedeiro e meio ambiente.
Outra
abordagem importante trazida pelos autores é o fato de a educação e a
comunicação baseada no diálogo é essencial para o desenvolvimento da
Agroecologia como ciência, contextualizando com a fala importante de Paulo
Freire que diz que “a comunicação verdadeira não nos parece estar na exclusiva
transferência ou transmissão do conhecimento de um sujeito a outro, mas na sua
coparticipação no ato de compreender a significação do significado. Esta é a
comunicação que se faz criticamente”. As contribuições da História,
Antropologia e da Sociologia se mostram complementares e necessárias,
desbancando a herança cartesiana da separação das ciências exatas, humanas e
naturais, onde a agricultura surgiu como uma necessidade de produção dentro de
padrões culturais e sociais distintos, como os índios, os povos incas, maias e
astecas que conviviam em harmonia coma natureza.
Este
livro nos trouxe ampla abordagem da agroecologia como uma ciência, na busca de
um novo paradigma, que não pode ser trabalhada de forma sistêmica, ou separada
e nem pode se esperar receitas prontas, pois a agroecologia trabalha com as
possibilidades observando todos os fatores, sociais, econômicos, ecológicos,
culturais, políticos e éticos e que tudo está intimamente interligado, a
valorização do potencial endógeno e a independência de insumos externos, além
de proporcionar maior diversidade e manutenção do equilíbrio harmônico do
ambiente, buscando superar conceitos do sistema cartesiano e da herança
degradante da Revolução Verde.
Mesmo
apresentada diversas áreas e conhecimentos sobre a agroecologia, o tema
realmente é complexo e requer mais estudos e principalmente a perseverança e
paciência de seus praticantes. Além disso, o saber popular e saber científico
devem estar atrelados, o que possibilita uma maior compreensão e maior
tratamento ao meio ambiente, neste sentido, buscando a sustentabilidade na
produção rural e a soberania alimentar garantindo a autossustentabilidade e a
possibilidade de uso dos recursos para as gerações futuras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário