terça-feira, 27 de novembro de 2018

Resenha - Agroecologia: uma ciência do campo da complexidade


Francisco Roberto Caporal; José Antônio Costabeber; Gervásio Paulus (Org.). 

Agroecologia: uma ciência do campo da complexidade. Brasília: 2009. 111p.

Mestranda: Cristina Tessarole

Orientador: Maurício Novaes

RESUMO

Os autores descrevem o livro utilizando vivências do extensionismo e suas teses de mestrado e doutorado, a complexidade da agroecologia como novo paradigma. Neste sentido, abordam o papel estratégico que pode assumir a Agroecologia em favor da busca de soberania e segurança alimentar. Outro ponto que vale ressaltar é a agroecologia vista como uma ciência com perspectiva epistemológica desafiadora, que inclui, para desespero de alguns professores, pesquisadores e extensionistas, a necessidade de integração entre saberes populares e conhecimentos técnico-científicos. É chegada a uma convicção pelos autores que dizem que Agroecologia é uma ciência que exige um enfoque holístico e uma abordagem sistêmica. As relações indissociáveis entre sociedade/indivíduo/ natureza/economia/cultura/política a partir de um enfoque multidisciplinar, ou mesmo transdisciplinar e, logo, fugindo do paradigma da simplificação, é o que se espera desse novo paradigma. Neste sentido, textos foram escritos para estimular reflexões em torno do potencial da Agroecologia como um novo paradigma de ciência para a sustentabilidade, na perspectiva do “pensar complexo”, para abandonar o individualismo consumista e irresponsável das gerações atuais, antes que, todos juntos, continuemos caminhando para o abismo da insustentabilidade.

Agroecologia: uma nova ciência para apoiar a transição a agriculturas mais sustentáveis

Caporal aponta o legado da Revolução Verde, comentando os impactos ambientais causados e o uso indiscriminado dos recursos naturais que, caso continuem, acarretará no declínio da população que segue rumo a insustentabilidade. O autor salienta a necessidade e de se pensar na transição da agricultura de base agroecológica baseada nos princípios de agroecologia, abordando aspectos sociais e ambientais, apoiados pela pesquisa, ensino e extensão rural afirmando a indissociabilidade do tema.
O autor busca ao longo do artigo evidenciar dois pontos importantes: a) diz que a partir das bases epistemológicas da Agroecologia, pode-se afirmar que teremos tantas agriculturas quantos forem os diferentes agroecossistemas e sistemas culturais das pessoas que as praticam; e b) resgatar uma postura mais ética e mais humanista nas práticas agrícolas e nas estratégias de desenvolvimento.
Outro aspecto importante, o autor ressalta que o objetivo da agroecologia não é resolver o problema mundial das ações antrópicas, mas sim orientar e mostrar as possibilidades que é possível desenvolver uma agricultura que agrida menos o ambiente e que garanta, as gerações futuras, os recursos que usufruímos de forma racional.
Para iniciar o autor tentar desmistificar alguns conceitos que vem da academia no que se refere a Agroecologia, sendo abordada como um tipo de agricultura e não como uma ciência. Esta perspectiva se dá quando o autor mostra o que não é agroecologia, que é confundido como uma forma de agricultura e não como uma ciência. Caporal apresenta os equívocos referentes ao uso do termo e conceito da agroecologia, sendo esta tratada mais como um modelo a ser seguido, quando na verdade se trata de um novo modelo de vida, uma ciência.
Em outro ponto, traz a Agroecologia com base no que a Epistemologia apresenta, onde o autor aborda que mais do que simplesmente tratar sobre o manejo ecologicamente responsável dos recursos naturais, constitui-se em um campo do conhecimento científico que, partindo de um enfoque holístico e de uma abordagem sistêmica, pretende contribuir para que as sociedades possam redirecionar o curso alterado da coevolução social e ecológica, nas suas mais diferentes inter-relações e mútua influência. Aponta, neste sentido, o equívoco de pensar agroecologia separando o conhecimento cientifico do saber popular. É importante ressaltar que a Agroecologia busca integrar os saberes históricos dos agricultores com os conhecimentos de diferentes ciências, permitindo, tanto a compreensão, análise e crítica do atual modelo do desenvolvimento e de agricultura, como o estabelecimento de novas estratégias para o desenvolvimento rural e novos desenhos de agriculturas mais sustentáveis, a partir de uma abordagem transdisciplinar, holística.
Como afirmam Sevilla Guzmán e Ottmann (2004), os elementos centrais da Agroecologia podem ser agrupados em três dimensões: a) ecológica e técnico-agronômica; b) socioeconômica e cultural; e c) sócio-política. Estas dimensões não são isoladas. Na realidade, elas se entrecruzam, influem uma à outra, de modo que estudá-las, entendê-las e propor alternativas supõe, necessariamente, uma abordagem inter, multi e transdisciplinar. Espera-se, portanto, que a Agroecologia seja abordada de forma que seja capaz de unir os conhecimentos de diferentes disciplinas científicas, com os saberes tradicionais.
Em outro ponto, apresenta a discussão sobre uma nova revolução, que pode ser chamada de revolução paradigmática, onde as mudanças ocorrem no setor social e cultural, baseado nos problemas e na necessidade de ecologização, tratando de uma mudança na forma de pensar e, assim, poder agir, trazendo ameaças aos paradigmas convencionais.
De uma forma geral, a Agroecologia é entendida como um enfoque científico destinado a apoiar a transição dos atuais modelos de desenvolvimento rural e de agricultura convencionais para estilos de desenvolvimento rural e de agriculturas mais sustentáveis (Caporal e Costabeber, 2000a; 2000b; 2001; 2002a; 2002b). Segundo Miguel Altieri, a Agroecologia constitui um enfoque teórico e metodológico que, lançando mão de diversas disciplinas científicas, pretende estudar a atividade agrária sob uma perspectiva ecológica.
Por fim, o autor conclui dizendo que a agroecologia requer mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais e que, o redesenho do agroecossistema, requer o elo entre o saber popular e o conhecimento cientifico, exigindo entre outros, a mudança de pensamento.

O capítulo 4 aborda os conceitos de agricultura sustentável no ponto de vista de alguns autores, tais como Altieri e Gleissman, diferentes do conceito de Agroecologia, ou seja, a agricultura sustentável utiliza princípios da Agroecologia. Neste sentido, os autores concluem que é necessário  enfatizar  que  a  prática da  agricultura  envolve  um  processo  social,  integrado  a sistemas econômicos, e que, portanto, qualquer enfoque baseado simplesmente na tecnologia ou na mudança da base técnica  da  agricultura  pode  implicar  no  surgimento de  novas  relações  sociais,  novo  tipo  de  relação  dos homens com o meio ambiente e, entre outros, em maior  ou  menor  grau  de  autonomia  e  capacidade  de exercer  a  cidadania.
O capítulo 5 mostra alguns elementos de uma Agroecologia aplicada, onde utiliza o termo “ecoartificialização” que vem sendo praticado pela agricultura de base ecológica, que geralmente seguem receitas e ainda utiliza pacotes de produtos, mesmo que ambientalmente mais adequados, para atender uma legislação. Este capítulo reafirma a importância de uma reforma agrária e principalmente do profissional que irá disseminar os princípios de agroecologia, levando em consideração todos os aspectos já mencionados:  social, econômico, ecológico, político, cultural e ético. Neste sentido, quando se trabalha com um enfoque de Agroecologia, deve-se partir não da lógica cartesiana da simplificação, mas da lógica da natureza que se expressa no ecossistema que será transformado em um agroecossistema. Os autores ainda apontam que é necessário um redesenho dos agroecossistemas e garantir a maior diversidade possível.
Interessante ressaltar que os autores utilizam o termo plantas espontâneas para referir ao termo ervas daninhas utilizadas pelos autores mais tradicionais, que em seus sistemas são indesejáveis e o uso de herbicidas é constante e considerado normal. Porém, pode-se perceber com a citação desses autores, que essas plantas podem trazer benefícios para o sistema. O que também é abordado é a teoria da trofobiose e as relações do uso de herbicidas, que funcionam como receitas prontas para eliminar os sintomas - na agroecologia o foco é evitar que esses sintomas ocorram.
Segurança alimentar e nutricional é o que foi discutido no capítulo 6, onde introduziu-se o problema de fome e desnutrição mundial, anda em via de mão única, a atender a demanda mercadológica, o que prioriza a monocultura e os produtos mais rentáveis. O conceito de segurança alimentar é discutido afirmando a importância da agroecologia neste contexto. Sendo assim, para alcançar o que se propõe este conceito, requerem-se mudanças fundamentais nos “pacotes  tecnológicos”, nos desenhos  e  projetos  de  pesquisa  agropecuária  e  nas ações  de  extensão  rural,  sem  falar  na  necessidade  de uma  radical  mudança  no  perfil  dos  itens  de  custeio  dos financiados  pelo  crédito  rural,  que  hoje  estão concentrados  no  pagamento  de  fertilizantes  químicos  de síntese e agrotóxicos.
O que se sabem é que a Revolução Verde veio para acabar com a  fome e acabou por  piorar a situação, o que pode ser observado no trecho: Pelo contrário, o que vimos, além  do  aumento  da  fome,  foi  uma  permanente, crescente e continuada destruição dos diferentes biomas, o  aumento  das  áreas  em  processo  de  desertificação  (e dos  programas  hipócritas  para  reduzi-la),  bem  como  o aumento  da  erosão dos solos,  a  perda  e  exportação  da fertilidade e da água (a valores que não estão embutidos nos  custos  de  produção  do  empresário  individual  e  que não aparecem nas contas do PIB). Vimos crescer também a contaminação dos aquíferos, dos rios, dos mares e, pior, dos alimentos. Os autores finalizam abordando as alternativas e a necessidade imediata de estratégias voltadas aos princípios de agroecologia para combater a fome com alimento saudável e de qualidade.
Para finalizar, o que se deve destacar é o fato da agroecologia não ser um modelo de produção, mas sim uma ciência que irá fornecer bases cientificas na busca por uma agricultura mais sustentável, abordando aspectos de cuidado com o solo, aproveitamento dos insumos internos, valorização do potencial endógeno e principalmente observar as possibilidades e necessidades do produtor, utilizando o saber cientifico somado ao saber popular e relacionando os aspectos sociais, ambientais e econômicos, além de fatores culturais, éticos e políticos, a fim de se buscar um maior equilíbrio e o redesenho do agroecossistema, firmando o holismo e a multidisciplinaridade. Destacam que a mudança é possível e precisa ser realizada o mais breve, garantindo a sustentabilidade dos recursos para atender a crescente e desordenada demanda da população e os resquícios deixados pela Revolução Verde.

Matriz disciplinar ou o novo paradigma para o desenvolvimento rural sustentável
Como já mencionado no primeiro capítulo deste livro, a agroecologia é entendida como um novo paradigma e vem ganhando destaque como matriz disciplinar, sendo totalizadora, integradora e holística, gerando subsídios para o desenvolvimento rural sustentável.
No segundo parágrafo já evidencia a agroecologia que reconhece e se nutre dos saberes, conhecimentos e experiências dos agricultores(as), dos povos indígenas, dos povos da floresta, dos pescadores(as), das comunidades quilombolas, bem como dos demais atores sociais envolvidos em processos de desenvolvimento rural, incorporando o potencial endógeno, isto é, presente no “local”. Fortalece a ligação e necessidade do elo entre os aspectos já citados: ecológicos, econômicos, sociais, políticos, éticos e culturais, apoiando-se do saber popular atrelado ao saber científico. Reafirma que a agroecologia não é puramente prática, ou seja, não é um modelo a ser implantado e sim uma ciência que aborda diversos saberes valorizando o potencial endógeno e a biodiversidade.
Expressando a importância dos mais diversos fatores, a ética na agroecologia é outro ponto importante, mesmo sendo filosófico, tem um papel importante no sucesso do desenvolvimento rural sustentável, no sentido de uma nova relação com o outro, significando que a ética ambiental tem que ter uma solidariedade inter e intrageracional. Neste sentido, ética é a “reflexão sobre as atitudes e ações apropriadas com respeito aos seres e processos com relevância, onde a relevância tem que ver com o fato de que estes seres e processos têm importância em si mesmos” (HEYD,  2003), sendo necessária e  indissociável dos outros fatores a serem analisados e incluídos na perspectiva para a Agroecologia. Outro ponto importante diz respeito a ética no sentido de respeito as mais diversas manifestações e forma de vida, pois existe necessidade de desenvolver estratégias de manutenção da biodiversidade natural dos distintos ecossistemas terrestres e aquáticos.
A agroecologia, como matriz disciplinar integradora, é abordada como novo paradigma e o afastamento da visão cartesiana onde a mesma articula conhecimentos de diferentes ciências, assim como o saber popular, permitindo tanto a compreensão, análise e crítica do atual modelo do desenvolvimento e de agricultura industrial, como o desenho de novas estratégias para o desenvolvimento rural e de estilos de agriculturas sustentáveis, desde uma abordagem transdisciplinar e holística.
Este capitulo traz a abordagem agroecológica proposta por Guzmán Casado et al. (2000), agrupando os elementos centrais da Agroecologia em três dimensões:
a) ecológica e técnico-agronômica;
b) socioeconômica e cultural; e 
c)  sócio-política.
Estas dimensões não são isoladas, como já dito anteriormente ao logo deste livro, deve ser interligada. Neste sentido, como matriz disciplinar integradora, tem a necessidade de criar um novo enfoque paradigmático, capaz de unir os saberes populares com os conhecimentos criados por diferentes disciplinas científicas, de modo a dar conta da totalidade dos problemas e não do tratamento isolado de suas partes.
Vale ressaltar a resistência por parte da alguns membros da academia que não concordam com esse novo paradigma, sendo portanto, necessário cada vez mais pesquisas e estudos a fim de afirmar a importância desta nova ciência para o desenvolvimento rural sustentável e a segurança alimentar. Neste sentido, os autores utilizam uma imagem na página 78 para mostrar as contribuições de outras ciências a agroecologia mostrando que tudo está e necessita estar interligado.
Na página 79 os autores trazem uma abordagem da contribuição da física para a agroecologia, como a Lei da Termodinâmica e Lei da Entropia, descrito no trecho a seguir: A agricultura convencional é altamente dependente de energias e materiais “de fora” do seu  agroecossistema, e  esta  dependência  é  tanto  maior quanto mais simplificado for o desenho do sistema produtivo, como é o caso dos grandes monocultivos de grãos ou de laranja, mamona, beterraba e cana-de-açúcar, por exemplo Para viabilizar a agricultura industrial são necessárias  quantidades  crescentes  de  combustíveis  fósseis,  fertilizantes químicos de síntese, agrotóxicos e outros inputs cuja mobilidade ou fabricação geram desordem ou entropia a partir da sua  dispersão, ao  mesmo  tempo  em  que causam  impactos  no  entorno  ou  em  ecossistemas  distantes, que passam a  subsidiar  a  necessária  tentativa  de ordem do agroecossistema artificial da agricultura industrial. Podemos perceber então a dependência obrigatória de insumos externos e a desvalorização do potencial endógeno.
Sobre a Economia Ecológica e a Ecologia Política, os autores mostram que ambos estão preocupados a distribuição dos recursos e não na ecologia a disposição da economia, mas o contrário. Outro ponto a destacar é o cálculo das externalidades negativas, que segundo os autores não são contabilizados no agronegócio. Também abordam os conceitos de mochila e pegada ecológica mostrando a dependência de recursos externos e as externalidades que não são consideradas pelos produtores. Neste sentido, a economia ecológica se difere da economia convencional por tratar a mesma como sendo um ciclo aberto, com externalidades negativas, o que a agroecologia poderá diminuir.
A agroecologia pode ser entendida como uma aproximação da agronomia e ecologia, no meio acadêmico, onde estuda e classifica os sistemas agrícolas desde uma perspectiva ecológica, de modo a orientar o desenho ou o redesenho de agroecossistemas em bases mais sustentáveis. Desta forma, a ecologia pode contribuir com os ensinamentos das relações existentes na natureza que podem beneficiar as produções, colheitas e plantas.
As contribuições da biologia são inegáveis, pois tudo envolve a vida, a vida da planta, a vida dos organismos, a vida das pessoas, impossível pensar em agroecologia sem abordar conceitos biológicos importantes. Neste sentido, como trás o texto, a Agroecologia busca na Biologia muitos dos elementos necessários para o estabelecimento de sistemas de produção mais sustentáveis. Citando exemplos como a relação entre patógenos e hospedeiro e meio ambiente.
Outra abordagem importante trazida pelos autores é o fato de a educação e a comunicação baseada no diálogo é essencial para o desenvolvimento da Agroecologia como ciência, contextualizando com a fala importante de Paulo Freire que diz que “a comunicação verdadeira não nos parece estar na exclusiva transferência ou transmissão do conhecimento de um sujeito a outro, mas na sua coparticipação no ato de compreender a significação do significado. Esta é a comunicação que se faz criticamente”. As contribuições da História, Antropologia e da Sociologia se mostram complementares e necessárias, desbancando a herança cartesiana da separação das ciências exatas, humanas e naturais, onde a agricultura surgiu como uma necessidade de produção dentro de padrões culturais e sociais distintos, como os índios, os povos incas, maias e astecas que conviviam em harmonia coma natureza.
Este livro nos trouxe ampla abordagem da agroecologia como uma ciência, na busca de um novo paradigma, que não pode ser trabalhada de forma sistêmica, ou separada e nem pode se esperar receitas prontas, pois a agroecologia trabalha com as possibilidades observando todos os fatores, sociais, econômicos, ecológicos, culturais, políticos e éticos e que tudo está intimamente interligado, a valorização do potencial endógeno e a independência de insumos externos, além de proporcionar maior diversidade e manutenção do equilíbrio harmônico do ambiente, buscando superar conceitos do sistema cartesiano e da herança degradante da Revolução Verde.
Mesmo apresentada diversas áreas e conhecimentos sobre a agroecologia, o tema realmente é complexo e requer mais estudos e principalmente a perseverança e paciência de seus praticantes. Além disso, o saber popular e saber científico devem estar atrelados, o que possibilita uma maior compreensão e maior tratamento ao meio ambiente, neste sentido, buscando a sustentabilidade na produção rural e a soberania alimentar garantindo a autossustentabilidade e a possibilidade de uso dos recursos para as gerações futuras.

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