Maurício Antônio
Lopes, Presidente da Embrapa
Crescimento econômico e dinâmica
populacional serão importantes motores de transformação da sociedade nas
próximas décadas. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que a
população mundial deverá atingir cerca de 9,8 bilhões até 2050, crescimento que
será acompanhado por evolução da renda e da demanda por alimentos. Em
função das mudanças demográficas, teremos uma população urbana, mais idosa,
mais rica e mais exigente, demandando mais frutas, legumes, proteína animal,
além de alimentos mais elaborados e sofisticados. Essa realidade
pressionará os setores agroalimentar e agroindustrial e poderá elevar os riscos
relacionados à poluição, esgotamento do solo, da água e da biodiversidade, além
de intensificar estresses devido às mudanças climáticas globais.
Outra preocupação crescente se refere
ao tipo de unidades produtivas e de agricultores que serão necessários para a
garantia da segurança alimentar e nutricional das populações no futuro. Afinal,
sem agricultores e sem fazendas não há sistema alimentar. Assim, uma ação
central em qualquer estratégia de desenvolvimento é a busca de condições que
viabilizem econômica, social e ambientalmente a produção de alimentos,
proporcionando renda e condições de vida dignas aos agricultores, aos
trabalhadores do campo e suas famílias, além de proteção aos recursos naturais.
Essa discussão ocorre em meio a um grande debate, energizado por certo viés
ideológico, que antagoniza pequenos agricultores e a agricultura de maior
escala na discussão dos modelos de produção de alimentos mais adequado para o
futuro.
Para melhor contextualizar essa
discussão, é preciso examinar os números levantados pela Organização das Nações
Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), em 2016, sobre os agricultores
no mundo. O estudo cobriu 167 países, que representam 96% da população
mundial, 97% da população ativa na agricultura e 90% das terras agrícolas,
mostrando existirem cerca de 570 milhões de propriedades rurais em todo o
globo. A Ásia concentra 74% delas, sendo que a China responde por 35% e a
Índia 24%. Nove por cento são concentrados na África Subsaariana, e 7% na
Europa e Ásia Central. Fazendas na América Latina e Caribe representam 4%
e apenas 3% estão localizadas no Oriente Médio e no Norte da África. 13%
das fazendas estão em países de baixa renda e 4% nos países mais ricos, ficando
os países em desenvolvimento de renda mediana com 83% de todas as propriedades
rurais do globo.
A FAO estudou também uma amostra de
111 países e territórios com um total de cerca de 460 milhões de propriedades
rurais e concluiu que 72% delas têm menos de um hectare, 12% tem entre 1 e 2
hectares, 10% entre 2 e 5 hectares. Apenas 6% das fazendas do mundo são
maiores que 5 hectares. Com o crescimento populacional, a tendência é de
fragmentação ainda maior das unidades produtivas nos países mais pobres.
Durante a última década, na África, o tamanho médio das propriedades foi
reduzido de 2,4 para 2,1 hectares, e de 2,2 para 1,1 hectares na Índia, entre
1970 e 2011. Reduções no tamanho das propriedades impedem os agricultores
de viver de maneira digna, ampliando a migração para as cidades. Some-se
a isso o fato de que cresce em todo o mundo o número de agricultores ativos com
mais de 60 anos de idade, grande parte sem perspectiva de sucessão, já que os
filhos buscam outras profissões.
Estudos da FAO também revelam que o
progresso e o crescimento da renda provocam a redução no número de
agricultores e o aumento no tamanho das propriedades. As maiores, com uma
superfície superior a 5 hectares, cobrem 27% das terras em países de baixa renda,
43% nos países de renda média alta, e 97% em países de alta renda. Países
desenvolvidos, grandes produtores e exportadores de alimentos, como Estados
Unidos e Holanda, por exemplo, têm menos de 1% da força de trabalho no
campo. Ainda assim, cerca de 14% da economia holandesa e 5,5% da
gigantesca economia americana resultam da produção agrícola.
Portanto, a dura realidade que se
apresenta no horizonte de 2050 não poderá ser enfrentada a partir de um estéril
embate entre pequenos e grandes produtores. Ambos são essenciais, uma vez
que dobrar a produção de alimentos em prazo tão curto exigirá a modelagem de
uma agricultura cada vez mais diversificada e especializada. O mundo
precisará investir na intensificação do uso das terras já destinadas à
produção, além de expansão prudente de área, com rigoroso balizamento na
sustentabilidade. A agricultura comercial de maior escala seguirá se
ampliando com o avanço do progresso econômico, especialmente para prover
produtos de grande demanda como soja, milho, carnes, açúcar, fibras, dentre
outros.
Os pequenos produtores continuarão
sendo uma maioria muito importante para o futuro da segurança alimentar, mas
sua viabilidade dependerá de apoio e políticas públicas relacionadas à
propriedade da terra e à sucessão, ao acesso a conhecimento, tecnologia e
financiamento, além de mercados amigáveis à lógica da inclusão produtiva.
A produção se tornará mais diversa e especializada para ganhar a preferência de
consumidores cada vez mais exigentes. Hortaliças, frutas, cafés e
produtos especiais ligados à moderna gastronomia já sustentam modelos mais
sofisticados e rentáveis de pequena produção em muitos países, e certamente se
expandirão no futuro.
O Brasil, neste momento, realiza um
novo Censo Agropecuário para levantamento de informações sobre o seu setor
agropecuário. Esse retrato atual do mundo rural brasileiro, a ser apontado em
2018, nos permitirá traçar um perfil detalhado da produção e dos nossos
agricultores, base para projetarmos o futuro que queremos para as múltiplas
agriculturas que povoam nosso imenso e diverso país.
Fonte: Jornal Correio
Braziliense. Edição de Domingo, 14 de janeiro de 2018