sábado, 30 de novembro de 2019

Família Kern - A AGROECOLOGIA E O FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR

ALINE MARCHIORI CRESPO
CLEBER CÁSSIO FERREIRA
DALILA DA COSTA GONÇALVES
FERNANDA PEREIRA SOARES CARIAS
INGRID GABRIELLA DA HORA CARRIÇO
                                        MÁRCIO FANTTINI POLESE


Trabalho apresentado à disciplina de Agroecologia do Programa de Pós-graduação em Agroecologia do Instituto Federal do Espírito Santo, Campus de Alegre - IFES/Alegre, como requisito parcial para avaliação.


Orientador: Prof. Dr. Maurício Novaes Souza

INTRODUÇÃO

A “Revolução Verde” teve início a partir da década de 1950 nos Estados Unidos e na Europa, e nas décadas seguintes espalhou-se em outros países. Trata-se de um pacote tecnológico que tornou a agricultura dependente do uso intensivo de insumos externos e industriais, mecanização, biotecnologias como sementes geneticamente modificadas (híbridos e transgênicos) e ao monocultivo, trazendo algumas consequências para a saúde humana, e para o meio ambiente (MILLER, 2008).
As estratégias do agronegócio resultaram num processo de modernização tecnológica que garantiria a diminuição nos custos de produção e aumentos estrondosos de produtividade, como forma de suprir a demanda por alimentos no mundo. Entretanto, o que notoriamente vem se observando são destruições em todos os níveis, como os desequilíbrios naturais, através da extração excessiva dos recursos naturais, degradação do solo, poluição de rios e lagos; um aumento expressivo do êxodo rural devido à substituição da mão de obra pela mecanização; e a continuidade da fome no mundo. Segundo Cavalcanti (2003), o tipo de desenvolvimento que o mundo experimentou nos últimos 200 anos, especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, é insustentável.
Em meio às preocupações ambientais e opondo-se ao uso abusivo dos insumos agrícolas, a partir da década de 1980, a corrente agroecológica começou a ser mais difundida,  vem sendo estudados diversos sistemas de produção alternativos, empregados em diferentes condições ambientais, apresentando resultados satisfatórios do ponto de vista ecológico, agronômico, econômico e social. Segundo Altieri, (1998)  as estratégias de desenvolvimento devem incorporar não somente dimensões tecnológicas, mas também questões sociais e econômicas, o desenvolvimento tecnológico deve ser de fato culturalmente sensível, socialmente justo e economicamente viável.
Foi realizado um estudo de caso com agricultores de uma comunidade de alemães, no oeste de Santa Catarina, na vizinhança do rio Uruguai, município de São Carlos, conhecidos como a família Kern. Representados pela mãe Zuleica, Waldemir o pai, Davi, o filho de 17 anos e Luiza, a filha de 11 anos, que vivem em um sítio de apenas 6,5 hectares.
Com uma produção diversificada, conseguem ser praticamente autossuficientes, não fazem utilização de nenhum tipo de agroquímico, realizam o reaproveitamento de resíduos vegetais para adubação e cobertura morta nas culturas. Os filhos jovens permanecem na atividade, garantindo a sucessão familiar no meio rural. Este trabalho tem por principal objetivo sistematizar experiências vivenciadas pela família Kern dentro de uma perspectiva agroecológica.

REVISÃO DE LITERATURA
Desenvolvimento sustentável
O agronegócio é uma das principais atividades econômicas do Brasil, sendo considerado um dos líderes mundiais na produção e exportação de alimentos e fibras, este resultado advém da combinação de fatores, que desde a década de 80 vem sendo aprimoradas graças às inovações tecnológicas, extensão territorial cultivável e qualidade dos produtos, sem contar o clima tropical favorável a vários cultivos (CONCEIÇÃO E CONCEIÇÃO, 2014; MAPA, 2015).
Em 2018, mesmo em meio á crise econômica mundial, o agronegócio brasileiro contribuiu com 21% do PIB o que comprova sua efetiva participação na balança comercial, entretanto, o mercado consumidor vem passando por lentas mudanças e uma delas refere-se à procura por produtos mais saudáveis, aliado a isso a preocupação com os impactos ambientais resultados, e ou pelo seu mau uso, destaque para o uso intensivo e desordenado de insumos artificiais e da mecanização (SCHULTZ e NASCIMENTO, 2001).
Segundo Assis (2003) a preocupação ambiental tem despertado muitas discussões a respeito dos padrões de desenvolvimento sustentável e suas implicações econômicas, sociais, ambientais e culturais. O desenvolvimento sustentável visa à harmonia e a racionalidade entre o homem, natureza e os seres humanos (MOREIRA, 2003), seu principal objetivo é promover a qualidade de vida dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas, através da incorporação de atividades produtivas. O desenvolvimento sustentável deve ser “uma conseqüência do desenvolvimento social, econômico e da preservação ambiental “(BARBOSA, 2004).
Segundo Sachs (2004), para o desenvolvimento ser considerado sustentável ele deve ser socialmente includente, ambientalmente sustentável e economicamente sustentado no tempo.  Muitos autores  (Barbieri, 1997; Buarque, 1991; Daly, 1996; Sachs, 2000, 1993) já concluíram sobre a real e urgente necessidade da humanidade estabelecer seus limites de produção e principalmente de consumo. De acordo com a Global Footprint Network, no dia primeiro de agosto de 2018 a humanidade atingiu seu Earth Overshoot Day (dia de sobrecarga na terra) dia em que o consumo de recursos naturais, ultrapassou a capacidade de regeneração dos ecossistemas, a sobrecarga da terra tem sido assinalada cada vez mais cedo, o que é preocupante.

Agroecologia
Em oposição ao sistema de produção convencional advindo com a revolução verde, a agroecologia se apresenta como uma ciência integrada a princípios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos, e vem se consolidando como uma importante atividade produtiva, incluindo seus estudos que se iniciaram na década de 70 (CANUTO,1998; GLIESSMAN, 2005). Segundo Altieri, (1998) a agroecologia é uma forma de produção agrícola que vem sendo valorizada pelo mercado por utilizar técnicas alternativas de produção e resgatar alguns elementos da agricultura tradicional que foram sendo perdidos ao longo dos anos, na agroecologia a produção deriva do equilíbrio entre plantas, solo, nutrientes, luz solar, umidade e outros organismos, é acima de tudo um estilo de vida. Ela “valoriza o conhecimento local e empírico dos agricultores, a socialização desse conhecimento e sua aplicação ao objetivo comum da sustentabilidade” (GLIESSMAN, 2005, p. 54).
No sistema agroecológico técnicas como adubação verde e orgânica, reciclagem de nutrientes, rotação de culturas, policultivos, manejo integrado e biológico de pragas e doenças, conservação do solo e da água buscam minimizar os efeitos agressivos sobre o ambiente natural (COSTA NETO, 1999; VEIGA, 1994), “por um lado a agroecologia é o estudo de processos econômicos e de agroecossistemas, por outro, é um agente para as mudanças sociais e ecológicas complexas” (GLIESSMAN, 2005, p.56).

Agricultura familiar
Segundo Wanderley (1999), entende-se por agricultura familiar aquela propriedade em que a família ao mesmo tempo em que é proprietária dos meios de produção, assume o trabalho na unidade de produção. Desse modo, a agricultura familiar apresenta uma tríade relação entre a terra, o trabalho e a família, como unidade de produção agrícola onde propriedade e trabalho estão intimamente ligados à família.
A agricultura familiar tem papel fundamental para a alimentação do povo brasileiro, constitui a base econômica de milhares de municípios brasileiros,  a diversificação de produção é um dos pontos primordiais para o sucesso, e o seu crescimento está ligado diretamente, à possibilidade de o agricultor conseguir aumentar a sua produtividade, a sua dispersão geográfica também é uma característica positiva pois ela aproxima os produtores dos consumidores, privilegiando, principalmente, as comunidades mais distantes das grandes cidades e, por consequência, dos grandes centros de distribuição, entretanto a agricultura familiar enfrenta grandes desafios na comercialização e organização de sua produção. No Brasil os agricultores familiares são de fato “pequenos” agricultores, com pequenas porções de terras, que dispõem de poucos conhecimentos técnicos, recursos financeiros insuficientes para garantir a sustentabilidade econômica deste setor. A produção agroecológica pode ser um modelo de produção destes agricultores a continuarem a produzir com qualidade e ambientalmente correto.
Para que a agricultura familiar tenha êxito é preciso intensificar a assistência técnica, crédito rural e políticas públicas, como PNAE (Programa Nacional Alimentação Escolar), PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), feiras municipais da agricultura familiar, Crédito Rural através do PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento Agricultura Familiar), são políticas de incentivo a produção familiar, o agricultor entrega sua produção direto ao consumidor final.
Dados do Censo Agropecuário (IBGE, 2006) estimam que a Agricultura Familiar, com apenas 24,3% da área agrícola, seria responsável pela produção de quase 70% dos alimentos consumidos no país, sendo portanto de grande representatividade dentro do contexto do agronegócio, e do PIB, porém Hoffmann (2014) considera praticamente impossível avaliar, com precisão razoável, qual é a parcela da matéria-prima usada na produção dos alimentos consumidos no Brasil que se origina verdadeiramente da produção da agricultura familiar, segundo ele seria necessário analisar, pormenorizadamente, os canais de comercialização de todos os alimentos e das respectivas matérias-primas, sendo portando considerado um dado que não corresponde a realidade, entretanto ele aponta que a agricultura familiar tem se mostrado expressiva para embasar um conjunto de estratégias voltadas a promover a qualidade de vida no campo, Do Carmo (1998) aponta a agricultura familiar como "lócus ideal da agricultura sustentável.

Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (PAIS)

Em 1999, idealizado pelo agrônomo senegalês Aly Ndiaye, para atender pequenos produtores do munícipio de Petrópolis (estado do RJ), como objetivo principal a preservação do meio ambiente, priorizando um sistema agrícola integrado, suas unidades são definidas em áreas de produção integrada, com a exploração vegetal aliada à criação de animais, sua sustentabilidade depende, prioritariamente, de um bom manejo.
O PAIS baseia-se em instrumentos, técnicas e processos de baixo custo para a implantação de hortas em formato de mandalas, irrigadas por gotejamento, no centro da horta é instalado um galinheiro que produzirá o esterco utilizado como adubo para as plantas, e a sobra do plantio servirá de alimento para as aves. Para fortalecer e ampliar as ações de segurança alimentar nas regiões brasileiras que possuem os mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano - IDH, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS, tem aplicado o Projeto PAIS em vários munícipios do país (MDS, 2010).
O PAIS significa mais alimento, trabalho e renda no campo, incentiva o associativismo dos produtores e aponta novos canais de comercialização dos produtos, permitindo boas colheitas imediatas e futuras (BRITO, 2009).

Sistema de Produção - Modelo Mandala
O modelo MANDALA é de Desenvolvimento Holístico e Sistêmico Ambiental (DHSA). Promovendo a importância da dignidade humana por meio da disponibilização do conhecimento e organização de ambientes coexistentes de forma holística e sistêmica, praticando ações funcionais (CUNHA et al; 2008).

O Sistema Mandala consiste no consórcio da produção agrícola que é bastante desenvolvido em pequenas comunidades rurais, seu principal objetivo está ligado à diversificação das atividades agrícolas, tendo como finalidade a melhoria no padrão alimentar humano e elevar a renda com adoção de tecnologia apropriada de baixo custo de produção (ABREU et al; 2010).

A Mandala é uma estrutura consorciada de plantas e animais que garantem a subsistência familiar, porém, pode favorecer a produção de excedentes e também a inserção da família em empreendimentos sociais que consistem num método participativo para o planejamento e a organização da produção, que se caracteriza em círculos concêntricos para promover a melhoria da qualidade de vida, da produtividade econômica e das condições ambientais do campo e das cidades a partir de unidades rurais de produção familiar (ABREU et al, 2010).

A produção de alimentos nesse modelo é diversificada: leguminosas, hortaliças, frutas, etc. (MESIANO; DIAS, 2008). Em relação à produção e manejo, nesse sistema são criados animais de pequeno porte (Por exemplo: peixes, patos, galinhas), que complementa a dieta dos produtores, já que esses animais são fontes de carne e ovos (proteínas), mas também servem como fontes de adubo (fezes) e ajudam no controle de insetos invasores (controle biológico) (ABREU et al; 2010).

Agricultura Orgânica
O termo agricultura orgânica é utilizado de forma generalizada nos principais países do mundo. Mencionado em documentos oficiais de organismos internacionais (ONU, UNCTAD, FAO), é também encontrado na legislação brasileira, desde a Instrução Normativa Nº 7, 17/05/1999 (Brasil, 1999), consolidando-se com a Lei 10.831, de 23/12/2003 (Brasil, 2003). Para uma melhor compreensão do que é agricultura orgânica é necessário situar como este termo foi forjado e as transformações que vem passando ao longo do tempo. Na verdade, é necessário avaliar as transformações que ocorreram no setor agrícola paralelamente à interpretação da história da evolução econômica de uma forma geral. As relações entre o universo amplo e a agricultura são básicas para compreender como se concluiu o conceito atual.

Para alguns produtores e consumidores também, a agricultura orgânica é ficção de naturalistas inconsequentes, já para outros ela é uma revolução, a exemplo do que foi a Revolução Verde. Ainda há posições intermediárias, ressaltando que o processo de transformação sustentável deverá ser paralelo à agricultura moderna (BEZERRA e VEIGA, 2000). Tudo mostra que existe um desafiador caminho a ser conquistado na melhora da produtividade e da lucratividade da produção orgânica. Para Freitas (2002) a agricultura orgânica pode reduzir custos e ser comparada, tão rentável quanto o sistema químico convencional. Para que esse desafio possa ser enfrentado, é essencial que as características daqueles que atualmente empreendem a agricultura orgânica sejam compreendidas. Só assim poderão decidir se são desejáveis e necessários estímulos para a consolidação deste tipo de agricultura no Brasil.

Permacultura
A Permacultura, apesar de ser frequentemente apresentada como uma das correntes da agroecologia, pode ser compreendida como uma ciência em construção, semelhante a Agroecologia, visto que apresenta toda uma epistemologia própria, seus métodos são replicáveis e é composta por processos que englobam diversas áreas do saber (JACINTHO, 2007). O movimento permacultural desenvolveu-se na Austrália a partir da ideia da criação de agroecossistemas sustentáveis por meio da simulação dos ecossistemas naturais, priorizando as culturas perenes como elementos centrais (KHATOUNIAN, 2001).
Mollison (1999) aponta a construção do espaço permacultural, abordando os princípios do design, onde a permacultura não é vista como a paisagem em si, nem mesmo as habilidades de cultivo orgânico e agricultura sustentável, é mais que isso, objetiva-se planejar e estabelecer, manejar e aperfeiçoar esses e todos os outros componentes, famílias e comunidades rumo a um futuro sustentável (HOLMGREN, 2013). Como resultado direto da implantação de métodos permaculturais almeja-se “a integração harmônica entre pessoas e paisagem, provendo sua comida, energia, habitações e outros materiais e não matérias”. (MOLLISON, 1999).
Um outro aspecto fundamental, baseado em um dos princípios do funcionamento ecológico do planeta, o qual no planejamento permacultural é muito observado, se refere à interação entre cada elemento do sistema que se está planejando (ou manejando). Mollison (1999) afirma que mais importante do que a definição dos elementos (tipos de cultura, atividades produtivas, edificações, fontes de água e energia, entre outros), que comporão ou compõem um determinado agroecossistema projetado, é a definição de suas interconexões, de modo que os resíduos ou excedentes de um sejam reaproveitados por outros, fechando, assim, alguns ciclos internos ao agroecossistema (JACINTHO, 2007).
Nas palavras de David Holmgren, um dos fundadores da permacultura, Um bom design depende de uma relação harmoniosa e livre entre as pessoas e a natureza, na qual a observação cuidadosa e a interação racional provêm a inspiração, o repertório e os padrões para o design”. (HOLMGREN, 2002, p.13.) Como resultado desta “observação”, o autor afirma que, enquanto a agricultura tradicional é intensiva em trabalho humano e a industrial em energia fóssil, o design permacultural é intensivo em informação e planejamento.

METODOLOGIA
O vídeo foi apresentado pelo programa Globo Rural, mostrando o modo agroecológico sustentável e independente de viver da família Kern, sem depender quase nada dos comércios locais. Descendentes de alemães, composta por quatro pessoas, mãe, pai, filho e filha em uma propriedade de 6,5 hectares localizada na zona rural oeste de Santa Catarina, no município de São Carlos. A família possui uma renda de R$ 2.500,00, obtida com a venda dos queijos, hortaliças, plantas medicinais, pães e o leite produzidos na propriedade. São praticamente autossuficientes na alimentação, só fazendo compras de materiais que não produzem, com pouco gasto em mercado de aproximadamente 60,00/mês. São produzidos na propriedade, o leite, o queijo, a manteiga, a ricota, os pães, os ovos, a carne, gordura de porco, as hortaliças, feijão, arroz, milho, entre outros.
Através de um movimento de mulheres camponesas da comunidade, as mesmas fazem encontros promovendo a troca de sementes crioulas e troca de conhecimentos de geração em geração,  preservando a cultura, o conhecimento tradicional e as sementes, promovendo sua continuidade ao longo dos anos, para que toda a comunidade tenha diversidade de alimentos produzidos e autossuficiência alimentar.
Possuem assistência técnica de órgãos do governo como a Epagri, que os auxiliam nos cultivos, como na implantação e manutenção da horta mandala e o horto de plantas medicinais Vida e Saúde, que são utilizados como unidade demonstrativa para a comunidade local.
A família Ker ainda possui os filhos que são dois artistas que tocam músicas para contribuir na arrecadação da família em eventos regionais, além de ser um excelente pintor e estudantes.
Cabe destacar também, que toda a produção agropecuária da propriedade é com ausência de agrotóxicos e adubos químicos, adotando-se práticas agroecológicas sustentáveis na produção dos alimentos.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
Neste estudo de caso evidenciou-se a utilização de técnicas agroecológicas como ferramenta de suporte aos sistemas produtivos numa abordagem de Permacultura, integrando os aspectos agronômicos, ecológicos, socioeconômicos e de qualidade de vida, voltados ao uso sustentável dos agroecossistemas. Os agricultores/as integrantes das família Kern praticam sábias maneiras de organização e solidariedade intra e intergeracional que alimentam relações de interações e responsabilidade mútua, configurando-se em um processo de coevolução e transformação pessoal. Tais práticas são espontâneas e partilhadas apenas entre os envolvidos, expressas no contexto familiar e para a comunidade como um todo, ressaltando-se assim, a importância dos saberes tradicionais, construídos historicamente pelos camponeses. As práticas agroecológicas adotadas, demonstram que a agricultura familiar caracteriza-se como uma importante ferramenta para a promoção de um desenvolvimento rural mais democrático, menos agressivo ao meio ambiente e às pessoas, capaz de promover a inclusão social, a autonomia por meio da autogestão e proporcionar melhores condições de vida ao trabalhador rural.
Os sistema produtivo da propriedade é compreendido de maneira holística, no que tange a organização do componentes envolvidos e suas interações. Os componentes locais como, solo, água, as plantas, e os animais, estão interconectados entre si por meio da ação dos componentes abstratos, como a coevolução, a associação, a flexibilidade e o fluxo de energia,  sendo estes componentes, diretamente associados ao tempo de preparo da área para o cultivo, aos ciclos ecológicos e a ética, caracterizando-se como um ciclo totalmente fechado de produção. A base dos princípios agrícolas adotados no sistema corresponde a permacultura, sendo este, planejado de maneira que o próprio sistema possa prover a energia necessária para a manutenção, estimulando a diversidade e uma maior produção de alimentos, garantindo assim, a soberania e a segurança alimentar dessa família, tornando-os praticamente autossuficientes.
A aplicação dos princípios e conceitos de ecologia nas técnicas de manejo dos recursos naturais, tais como: nenhuma dependência de insumos químicos comerciais; uso de recursos renováveis localmente acessíveis; utilização de tecnologias sociais e de baixo custo que causam impactos benéficos aos meio ambiente local; aceitação e adaptação às condições locais de clima, solo,  e vegetação; manutenção a longo prazo da capacidade produtiva;  preservação da diversidade biológica; utilização e conservação de sementes crioulas; recuperação e preservação de nascentes; entre outras, evidencia que o modelo  de produção agrícola familiar condiz com os preceitos básicos de sustentabilidade, satisfazendo as necessidades da geração presente sem comprometer as gerações futuras, promovendo assim, uma transformação gradual e progressiva na economia e na sociedade, aumentando a capacidade produtiva, e permitindo igual acesso de oportunidade à todos, onde as potencialidades econômicas, sociais e culturais estejam de acordo com as dimensões ambiental, ética e política.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desta maneira, pode-se perceber que o modelo permacultural contribuiu para mostrar que é possível fortalecer de maneira processual a autonomia dos agricultores/as de base familiar, considerando o conhecimento tradicional e apresentando alternativas de uso sustentável da terra a partir de práticas agroecológicas, preocupando-se com o redesenho dos agroecossistemas, onde, se valoriza os recursos locais e uma produção que não visa quantidade e valores elevados nos produtos, mas sim, a qualidade de vida e toda a história envolvida, corroborando para uma agricultura cada vez mais respeitosa aos limites da natureza.
Conclui-se que a Agricultura familiar possui força necessária para a produção do Desenvolvimento Rural Sustentável, principalmente se houver socialização de conhecimentos e saberes agroecológicos entre os agricultores, pesquisadores, estudantes, extensionistas, políticos e técnicos, e a participação ativa dos governos federais, estaduais e municipais.

BIBLIOGRAFIA
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quarta-feira, 8 de maio de 2019

ESTUDO DE CASO - SÍTIO DO MATO, BA: desigualdade social, cultural e econômica



ALEX JUSTINO ZACARIAS
GEIZA CORRÊA LOUBACK JANUÁRIO
NÁGILA SCARPI NESPOLI
RAFAEL DE ALMEIDA
STEPHAN LOPES CARVALHO
VANESSA SESSA DIAN
VINÍCIUS RODRIGUES FERREIRA

Artigo apresentado à Disciplina de Agroecologia do Programa de Pós-graduação stricto sensu Mestrado Profissional em Agroecologia do Instituto Federal do Espírito, como requisito parcial de avaliação
Orientador: Prof. Dr. Maurício Novaes Souza

Alegre, Espírito Santo
2019

RESUMO

A necessidade em produzir alimentos para atender a cadeia do agronegócio e o crescimento populacional desenfreado, tornou o Brasil um país com alta potencialidade para atender essas necessidades, devido sua grande extensão territorial (8.515.767,049 km²) e uma área com potencial agrícola de 350,2 milhões de hectares. No contraponto, ainda persiste a desigualdade no campo, mostrando a realidade e a fragilidade de um país que produz em alta escala, mas ignora as questões sociais no campo, deixando na linha da pobreza muitos brasileiros que vivem na zona rural e depende da agricultura para sua sobrevivência. O sítio do Mato, BA, mostra a realidade da desigualdade social, cultural e econômica que persiste, para pequenos sitiantes, em diversos lugarejos do nosso extenso e diverso país. A partir do exposto, este estudo teve como objetivo analisar a realidade dos moradores do município de Sítio do Mato – BA, relacioná-los com os princípios da Ecologia, Agroecologia e Sustentabilidade, mostrando alternativas viáveis para a melhoria da qualidade de vida e da fixação do homem no campo.

Palavras-chave: Agricultura familiar, Desenvolvi­mento rural, Pobreza rural.

ABSTRACT
             The need to produce food to meet the agribusiness chain and unrestrained population 
growth has made Brazil a country with high potential to meet these needs, due to its large 
territorial extension of 8,515,767,049 km² and an area with agricultural potential of 350.2 million
 hectares. In contrast, inequality still persists in the countryside, showing the reality and fragility
 of a country that produces on a high scale, but ignores social issues in the countryside,
 leaving many Brazilians living in the countryside and their survival. The site of Mato, shows
 the reality of the social, cultural and economic inequality that persists, in small farms in several
 places of our extensive and diverse country. Based on the above, this study aimed to analyze
 the reality of the inhabitants of the municipality of Sítio do Mato - BA, to relate them to the 
principles of Ecology, Agroecology and Sustainability, showing viable alternatives for improving
quality of life and man in the field.



Keywords: Family agriculture, Rural development, Rural poverty.



INTRODUÇÃO
O fenômeno do desenvolvimento é compreendido com uma evolução que engloba o bem-estar social dos indivíduos. Leva em consideração as condições monetárias, educacionais, saúde, moradia, saneamento básico, dentre outros fatores. Quanto melhor forem esses critérios, maior será o desenvolvimento econômico e social de uma sociedade em específico. Para isso, um dos fatores a serem combatidos visando um maior desenvolvimento, é a pobreza (PEREIRA et al., 2018).
O conceito de pobreza por ser fundamentado em três perspectivas: subsistência, necessidades básicas e privação relativa. Subsistência quando relacionada a sobrevivência pela falta de alimentos para manter as condições vitais. Necessidades básicas referentes a privação de consumo de bens essenciais como vestuários, residência, saneamento básico, acesso a instituições de saúde e educação. Privação relativa quando o indivíduo não detém de recursos e condições de vida para inserir-se ao meio social ou ao padrão de vida do restante da comunidade (PEREIRA et al., 2018).
Esses fatos podem estar aliados à falta de políticas públicas que não abrangem esta parcela da população, por inúmeros motivos. No entanto, há programas do governo que focam em famílias que estão em condições de baixa renda. Dentre os programas de combate à pobreza, podemos citar o Bolsa Família que prevê uma parcela de renda transferida sem contrapartida, e o projeto Fome Zero. Este último, engloba a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SOUZA, 2018).
No meio rural, a pobreza possui estreita relação com uma grande desigualdade, decorrente das transformações do processo de modernização da agricultura. Isso resultou em uma alta concentração de terra nas mãos de poucas pessoas, na distribuição de renda desigual, no aumento do êxodo rural e no aumento da exploração de força de trabalho nas propriedades menores (PALMEIRA, 1989).
Apesar do Brasil se destacar como uma das maiores potências agrícolas mundiais, é no campo, região provedora de tal riqueza, onde ainda são encontradas inúmeras pessoas vivendo em condições de miséria e de pobreza extrema. Segundo o último censo agropecuário (CENSO, 2018), esses moradores, com rendas mensais que não ultrapassam R$ 70,00 por pessoa, representam 8,5% da população brasileira, inclusive os moradores “Sítio do Mato - BA”. São moradores da zona rural, sobrevivendo do cultivo de forma rudimentar, seus alimentos, sem equipamento e implementos agrícolas e sem acesso à tecnologia, consequentemente ficando às margens do desenvolvimento e inserido na linha da pobreza rural.
Dentro deste contexto, os moradores do município de Sítio do Mato, BA, são pequenos sitiantes, analfabetos ou com pouco estudo, que criam animais ou cultivam alimentos de forma rudimentar. Para garantir o consumo familiar, plantam milho, feijão e mandioca, sem equipamentos e ou implementos agrícolas, ausentes de tecnologias. Além disto, ainda são desprovidos de conhecimentos e suporte técnico. Fato que contribui para uma produção em baixa quantidade e qualidade de alimentos, que ainda corre o risco de ser perdida pelo período sem chuvas (Documentário apresentado no Globo Rural, 2013).
Dentro deste contexto, os moradores do município de Sítio do Mato, emancipado do município de Bom Jesus da Lapa em 1989, região norte da Bahia, zona rural conhecida como Pageú, apesar das dificuldades vivenciadas, alguns avanços e melhorias são vistos entre os moradores na localidade, como a aquisição de cisternas para o armazenamento de água da Família, que contribui na renda mensal dessas famílias. Apesar de toda dificuldade relacionada ao fornecimento de água, inclusive o baixo índice pluviométrico, a frequência das crianças na escola e o auxílio ofertado pelo programa Bolsa Família, é notória a esperança de dias melhores: é a certeza que a transformação virá por meio da educação dos filhos, mesmo com toda a dificuldade.
A partir do exposto, este estudo teve como objetivo analisar a realidade dos moradores do município de Sítio do Mato, BA, relacioná-los com os princípios da Ecologia, Agroecologia e Sustentabilidade, mostrando alternativas viáveis para melhoria na qualidade de vida e da fixação do homem no campo.

Ø  CONCEITOS E DEFINIÇÕES

·         AGROECOLOGIA
A agroecologia é vista com características de natureza multidisciplinar, cujos ensinamentos pretendem contribuir na construção de estilos de agricultura de base ecológica e na elaboração de estratégias de desenvolvimento rural, os ideais da sustentabilidade numa perspectiva multidimensional (EMBRAPA, 2006).
A agroecologia é a ciência ou a disciplina científica que apresenta uma série de princípios, conceitos e metodologias para estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas, com o propósito de permitir a implantação e o desenvolvimento de estilos de agricultura com maiores níveis de sustentabilidade. A agroecologia surge como alternativa para uma agricultura sustentável, de inserção e compromisso com o bem estar do homem do campo, assumindo um caráter de produção com manejos que impactam minimamente o ambiente utilizado para o cultivo, configurando-se como um modelo de agricultura conservacionista (ALTIERI, 2001).

·         AGRICULTURA CONVENCIONAL
É o modelo de agricultura praticado ao longo das décadas mais recentes, que utiliza um conjunto de práticas e técnicas realizadas a partir do marco histórico chamado Revolução Verde, cuja finalidade evidenciava a expansão da produção agrícola para atender a demanda da população; a agricultura  convencional é praticada com base nos meios necessários para o aumento de produção que podemos destacar da seguinte forma: manejo do solo com o uso de máquinas e implementos agrícolas, que revolvem o solo e prejudica sua estrutura e sua diversidade de macro e microrganismos, utilização de agroquímicos como alternativas para o controle de pragas e doenças, e a visão produtivistas sem limites (CAPORAL, 2004).

Ø  MATERIAIS E MÉTODOS
O presente trabalho teve início na disciplina de Agroecologia, ministrada pelo Programa de Pós-Graduação em Agroecologia no Instituto Federal do Espírito Santo – Campus Alegre, no mês de março de 2019, com base no documentário “Sítio do Mato – BA”, apresentado em veículo televisivo nacional e disponível na plataforma de compartilhamento de vídeos YouTube, publicado em 2013. Durante o seu desenvolvimento, foi realizado um estudo de caso por meio do documentário citado. Tal caso foi analisado juntamente com os Princípios da Ecologia, sendo eles: interdependência, sustentabilidade, ciclos ecológicos, fluxos de energia, associações, flexibilidade, diversidade e coevolução (ODUM, 1988).
De maneira geral, o documentário aborda a vivência de moradores do município de Sítio do Mato – BA, que sobrevivem em condições abaixo da linha da pobreza no meio rural, mesmo com o apoio mensal do Programa Bolsa Família. O vídeo também mostra algumas melhorias vivenciadas pelos moradores, como a chegada de cisternas para o armazenamento de água das chuvas, por exemplo. Mas apesar desse benefício, as famílias do Sítio do Mato ainda calejam com péssimas condições de saúde básica (falta de saneamento básico), água salobra que, na maioria das vezes, está contaminada e limitações para realizar plantios, mesmo com espaço disponível.
Na análise empreendida nesta pesquisa, o conceito de ecossistema foi analisado como signo material e como possibilidade de discussão sobre possíveis sentidos associados aos princípios de ecologia. Dessa forma, partiu-se de uma análise dessa estrutura.

Ø  RESULTADOS E DISCUSSÃO
Como pode-se observar, a família mora em uma casa simples, composta por 11 membros: o casal, filhos e netos.  A renda da família vem do Programa do Governo Federal “Bolsa Família” no valor de R$134,00, somado às diárias de trabalho realizadas fora do sítio, chegando à renda mensal de R$600,00, o que dá R$54,00/pessoa. Esses valores são insuficientes para que a família possa ter uma qualidade de vida mínima, que garanta sua segurança alimentar e nutricional, fixação dos filhos no campo, investimento em melhorias dentro da propriedade e na produção agrícola.
Durante a reportagem, pode-se notar a falta de assistência técnica e extensão rural, não só para a família, e sim para toda a região pertencente ao município de Sítio do Mato. Observa-se o abandono dos órgãos e entidades públicas, do governo e da própria sociedade. Os benefícios trazidos por programas, tais como: Bolsa Família, Programa de Saúde da Família, implantação de cisternas, transporte escolar, acesso à energia elétrica, não são garantias para que a família saia da condição em que se encontra.   É notório que existe uma questão sociocultural muito típica desta região do Brasil, famílias grandes vivendo em sub condição e que lutam para sobreviver com a realidade que possuem. Tal condição vem passando de geração a geração, e parece não ter fim. No entanto, a educação é vista, pela família, como o único instrumento transformador, que os filhos estão tendo oportunidade de estudar - mas ainda não é a garantia de melhorias.
A falta de orientações técnicas e ao acesso às tecnologias agrícolas inviabilizam a sustentabilidade produtiva.  As condições climáticas e pedológicas do local são fatores limitantes para o desenvolvimento da agricultura no local, mas existem alternativas para que se consiga produzir nessas condições. No entanto para quem está vivendo naquelas condições, sem nenhuma orientação técnica e acesso a insumos de qualidade, não é possível mudar, resta a saída vender a sua mão de obra para sobreviver.
Segue a análise regional, sob o ponto de vista que considera os “Princípios da Ecologia”, segundo ODUM (1988).

·         INTERDEPENDÊNCIA
A Família do Sítio do Mato vende sua mão de obra para garantir a renda da família; desta forma, as atividades da propriedade, que já são comprometidas por diversos fatores, ficam ainda mais limitadas. Não possuem acesso a insumos agrícolas e nem incentivos aos modernos fatores de produção (irrigação, por exemplo). A família é totalmente dependente de rendas externas, não provenientes da propriedade onde moram.
Nessa condição, quando observa-se essa família em questão, vemos que existe a interdependência a esse modelo cruel de produção, onde meramente busca-se a sobrevivência: promovem degradação ambiental, que retroalimenta a degradação socioambiental.

·         SUSTENTABILIDADE
Deve-se respeitar os seus limites do ecossistema, ou estarão comprometidos os recursos naturais para as futuras gerações. A sustentabilidade de uma espécie é um processo que deve ser adquirido ao longo do tempo, contemplando as bases limitadas dos recursos. A natureza fornece os bens e serviços que os humanos necessitam. A natureza viverá sem os humanos, porém os humanos, não viverão sem a natureza.
No caso da família do Sítio do Mato, é notório a falta de sustentabilidade dentro do ambiente em que vivem, o que corrobora para a falta de estabilidade social, cultural, ambiental e econômico. A implantação de cisternas realizada por intermédio de programas do Governo Federal, é um fator que contribuiu para melhorar as condições da família. No entanto, é preciso buscar alternativas para que a realidade deste local seja transformada, gerando renda e qualidade de vida para os membros da família.
Os Sistemas Agroflorestais (SAF’s) vem se mostrando como uma alternativa viável e possível, para ser utilizada naquele local. Estes sistemas devem atender três princípios básicos de sustentabilidade, ou seja, devem ser economicamente viáveis, ambientalmente equilibrados e socialmente justos. Assim, as principais razões para o produtor introduzir árvores em sua propriedade são: ser rentável, permitir a diversificação de renda e geração de empregos, ter finalidades protetoras e valor estético, contribuir para o bem estar animal, e fornecer resíduos ao solo (EMBRAPA Floresta).
A região onde está localizado o Sítio do Mato, é propícia para o desenvolvimento das seguintes culturas: Banana, Cacau, Mandioca, Mamão, Eucalipto, Gliricídia, Braquiária, algumas olerícolas, após o sistema já instalado. No entanto, é preciso orientar, capacitar e fornecer condições técnicas para que a família possa implantar o sistema dentro das propriedades. A implantação do SAF seria uma opção para melhorar a alimentação da família, fixação da mão de obra no sistema, e como geração de renda a venda alternativa do excedente para programas como Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), garantindo renda para a família.
A implantação de um sistema de produção como SAF, é uma oportunidade para que a família do Sítio do Mato, possa estabelecer uma relação mais harmônica com o meio ambiente, garantir que sua propriedade venha ser sustentável dentro dos princípios Agroecologia que compreende a garantia social, ambiental e econômica.

·         CICLOS ECOLÓGICOS
A agricultura tradicional simplifica os agroecossistemas, a decomposição é alterada, uma vez que a planta é colhida, e a fertilidade é mantida, não pela reciclagem, mas por fertilizantes, dependendo de uma contínua intervenção humana. No caso da Família do Sítio do Mato, o fato de não haver diversidade de culturas, ocorre a redução na ciclagem de nutrientes e também a ação de microrganismos. Consequentemente, de acordo com Altieri (1989), o estoque de carbono é alterado, afetando todo o ciclo biogeoquímico da propriedade.
Na família estudada, os ciclos ecológicos (água, carbono, oxigênio, entre outros) são seriamente afetados: a falta de cobertura vegetacional afeta o equilíbrio dos ecossistemas e contribui para o desequilíbrio ambiental do local.

·         FLUXOS DE ENERGIA
Em ecologia, o fluxo de energia é definido como transformação da energia solar em energia química a partir de processos fotossintetizantes e acumulados nos organismos vivos. Essa energia, além de retida no corpo do organismo, parte é perdida para o meio. Por exemplo, as gramíneas sintetizam sua energia proveniente do sol. Essa energia é acumulada em sua estrutura e parte é eliminada para o meio pelo processo de transpiração. O gado se alimenta desta planta e acumula em seu organismo a energia da planta e assim sucessivamente.
Diante dessa definição, o caso da família do Sítio do Mato tem seu fluxo de energia precarizado ao comparar-se com outras famílias e pela quantidade de pessoas que precisam se alimentar. Tudo o que plantam acabam perdendo devido à seca ou a insalubridade da água (quando essa é usada para molhar as mudas). Carecem de tecnologias, apoio do Governo para auto sustentar. Mesmo não passando fome, a família exibe a pouca diversidade em suas refeições. Comem apenas 3 tipos de alimentos, quando há três.
Ao saber que a maioria dos brasileiros consome uma diversidade de alimentos, e que o Brasil tem capacidade para tal produção, em quantidade e qualidade, não é confortável notar que há famílias sem acesso à essa diversidade para sobreviver.

·         ASSOCIAÇÃO
O associativismo é uma forma de organização que visa fortalecer grupos de pessoas associadas por meio de ações coletivas e de formas democráticas. É uma organização social, onde compartilhar objetivos, buscando soluções próprias, trazem para si a responsabilidade e, vivenciando os resultados alcançados, fortalecem a autoestima, a autoconfiança e o senso de comunidade.
Percebe-se que alguns dos serviços de auxílio fornecidos pelo do governo e do estado ainda são precários. Existe a visita de agentes de saúde, que são ligados ao Programa Nacional de Acompanhamento Familiar, seus filhos têm acesso ao transporte escolar, mas ainda falta a merenda na escola, que é um direito adquirido por lei. Em relação ao funcionamento da propriedade rural, como uma atividade agrícola eficiente, deveriam ter acesso aos programa de extensão rural efetivo e ativo, que auxiliaria os produtores no manejo das culturas, acesso aos programas para obtenção de sementes de qualidade, alternativas para diversificação das atividades na propriedades, acesso às linhas de crédito rural e as tecnologias que facilitaria o dia a dia local.
Saneamento básico ainda não faz parte da realidade local. Nas casas não existem banheiros internos, não possuem rede de esgoto, e nem coleta de resíduos sólidos (lixo). A água que atende a família não possui tratamento, é garantida pelas cisternas instaladas na casa. O posto de saúde conta com médico e agentes de saúde da família.

·         FLEXIBILIDADE
Os pais entendem a importância da educação adquirida por intermédio das escolas para seus filhos, mesmo demonstrando baixo grau de instrução. Eles, juntamente com os filhos maiores, chegam a trabalhar fora da propriedade para garantir a renda mensal da família. Enxergam a formação acadêmica como um meio dos filhos saírem daquela condição de pobreza, para que as demais gerações não se submetam a viver na precariedade. Entretanto, se não acontecer uma mudança que interfira em todo contexto da família, a educação será um paliativo e talvez não seja um instrumento transformador para a família. Mas o fato de reconhecerem a educação como transformadora, é um passo para realização do sonho de uma vida melhor.

·         DIVERSIDADE
Vivendo em condições de extrema pobreza, a falta de renda é preocupante. A falta de trabalho e de condições para produzir e viver na zona rural, levam os moradores a terem que buscar alternativas fora da propriedade, realizando serviços em outras propriedades da região. Outro meio de renda encontrado para sobrevivência dessa família são os programas de rendas regulares, como o “Bolsa Família”, que servem como complemento de receita mensal e são destinados para garantir a essas famílias o direito à alimentação e o acesso à educação e à saúde.

·         COEVOLUÇÃO
A coevolução é um estado evolutivo entre duas espécies que mantém suas relações ecológicas em um meio, mas não trocam genes entre si. De acordo com Ehrlich e Raven (1964), a coevolução estuda as interações entre animais e plantas podendo incluir competição, predação, mutualismo ou outras maneiras de protocooperação. No caso da família que vive no Sítio do Mato, podemos analisar sua coevolução na interação com os animais e plantas ao redor da casa.
A família, da melhor maneira possível, tenta alimentar os animais (vacas e galinhas) para que esses possam se desenvolver e assim, produzir leite e ovos, servindo de alimento para a família. E os animais dependem da família para sobreviver, pois não há comida disponível no meio em que vivem. Há dependência alimentar - tanto por parte da família, quanto a parte dos animais. O ser humano não teria sua evolução sem a interação com seu meio. Toda adaptação do ser humano é baseada na sua vivência com outras espécies.
Ø  CORRELAÇÃO ENTRE FAMÍLA KERN E FAMÍLIA DO SÍTIO DO MATO
O Brasil possui regiões com características diferenciadas, onde as condições climáticas, geológicas, fauna e flora, que confere a cada região sua diversidade ambiental e agrícola.
Analisando as duas situações, que foi mostrada nos vídeos durante a aula de Agroecologia, é muito forte a questão social, econômica, ambiental de cada família. Em ambas, onde encontram-se todos os pontos chaves da sustentabilidade, é notório a qualidade de vida e o pertencimento cultural social e ambiental, demonstrado em todas as atividades realizadas pela família, deste a produção de uma muda até a atividade de lazer da família. Na família Kern, agricultores familiares do interior de Santa Catarina, observa-se os princípios agroecológicos, atitudes que garantem a perpetuação das atividades pelos filhos que fazem parte da rotina na propriedade.  A educação dos filhos é importante e concreta, pois possuem um nível cultural e intelectual diferenciado. As atividades em família fazem parte da rotina da família. A renda vem da produção da propriedade, que recebe orientações técnicas de profissionais capacitados, tem acesso à tecnologia que contribui para a eficiência produtiva dentro da propriedade.
Fazendo uma correlação da Família Kern e a Família do Sítio do Mato, é nítido as diferenças em amplos aspectos. No entanto, deve-se considerar as regiões onde estão localizadas cada família. Mas o que mais chama a atenção são as condições em que vive cada família, e as oportunidades que chegaram para cada uma delas. Um ponto em comum entre ambas é o sonho da educação dos filhos; porém, para a família do Sítio do Mato, ainda é muito longe da realidade da Família Kern, pois além de terem uma renda familiar que garanta sua estabilidade financeira e qualidade de vida; os valores culturais estão presente em todas as atividades da família.
De fato, as oportunidades que chegaram para cada família são distintas, e a relação que estabeleceram com suas rotinas traçaram os caminhos de cada uma das famílias. Oportunidades, senso de pertencimento cultural, educação, acesso a tecnologias e orientação técnica especializada, relação de interação com meio ambiente respeitando o ecossistema fizeram diferença para que a família Kern obtivesse sucesso em suas atividades na propriedade.
A família do Sítio do Mato talvez nunca chega às condições da família Kern, mas poderá melhorar sua condição de vida. Provavelmente seus filhos saíram para trabalhar e morar na cidade, e com isso dificulte ainda mais a situação da propriedade da família. Mas o que chama a atenção é a esperança em dias melhores, dias de fartura no campo, e isso é possível. A Agroecologia é uma alternativa para a família do Sítio do Mato, mas é preciso que a família receba orientação e acompanhamento de técnicos. Assim a família poderá contemplar uma mudança gradual na realidade difícil que vivem.

Ø  CONSIDERAÇÕES FINAIS
            É fundamental o equilíbrio da biosfera: os ecossistemas interagem entre si mantendo a ciclagem de materiais e a sustentação da vida. Se um pequeno sistema é interrompido, o resultado é decisivo para a extinção de um sistema bem maior, em escala de biodiversidade.
Sabe-se que o meio ambiente está empobrecido de recursos, devido à atividade humana. O homem consegue viver em todos os variados ecossistemas, por adaptar o ambiente às suas condições, mas vem interferindo no equilíbrio de forma direta ou indireta nos Biossistemas, que compõem a Biosfera. As consequências são sentidas de formas catastróficas: essas formas geram desordem natural e faz criar no ambiente uma variação que pode gerar em outra área um efeito catastrófico.
O desequilíbrio social observado na família do Sítio do Mato pode ser entendido como um indicador de desequilíbrio ambiental que se reflete também em uma desordem econômica.
A presença de alguns programas do governo não tira as famílias da lista de miseráveis no Brasil. A família tem orgulho do acesso à educação que seus filhos estão tendo, e anseiam melhorias na qualidade de vida, advindas da educação.
É preciso que exista uma atuação sistêmica de órgãos governamentais e não governamentais, para que ocorra a transformação desta família e que tenham alternativas para que possam viver com dignidade dentro de sua propriedade, evitando que seus filhos façam parte da estatística do êxodo rural brasileiro, e que garantam a sustentabilidade e dignidade.
Ø  REFERÊNCIAS

ALTIERI, Miguel. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. Terceira Edição – Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2001.

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