quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Resenha: A sexta extinção - uma história não natural

 

A sexta extinção - uma história não natural


 * Maurício Novaes Souza

 

Título do livro:

A sexta extinção - uma história não natural

 

Referência bibliográfica:

- KOLBERT, E. A sexta extinção: uma história não natural. 1. ed. - Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015. 336 p.

 

A Autora:

Elizabeth Kolbert, a autora, desde 1999 é colaboradora da revista The New Yorker. Anteriormente, trabalhou no “The New York Times” e na “Times Magazine”. Foi premiada duas vezes com o “National Magazine Award” - uma delas pela aclamada série de reportagens "The Climate of Man". A sexta extinção, vencedor do Pulitzer de Não Ficção em 2015, é o seu terceiro livro publicado.

 

- Depoimentos:

Bill GatesCientistas revelam que houve cinco grandes extinções ao longo da história da Terra, e Elizabeth Kolbert mostra, de maneira bastante convincente, que a atividade humana está levando o planeta para a sexta.

Al Gore – Poderoso. Uma contribuição inestimável ao nosso conhecimento.

The New York Times – O novo e surpreendente livro de Kolbert é um modelo de jornalismo ao abordar teorias e hipóteses muito complexas de maneira acessível até para leitores mais leigos.

 

A TESE CENTRAL DO LIVRO:

Ao longo dos últimos quinhentos milhões de anos, o mundo passou por cinco extinções em massa violentas no planeta Terra, nas quais sua biodiversidade caiu de maneira abrupta. A mais conhecida foi a que eliminou os dinossauros, quando um asteroide colidiu com o planeta há 65 milhões de anos. Nos dias atuais, vem sendo monitorada a sexta extinção, possivelmente a mais devastadora da história da Terra, com um agravante - dessa vez, a causa não é um asteroide ou algo análogo: o homem, espécie surgida, aproximadamente, há apenas 200 mil anos, é a causa dessa catástrofe iminente.

Tal afirmação se baseia no fato de que nos últimos dois séculos o modelo de desenvolvimento: a) converteu mais de 50% da superfície da Terra via mudança de uso do solo, incluindo grande parte das florestas tropicais; b) expulsou espécies dos seus habitats naturais; c) alterou a composição da atmosfera devido às emissões de CO2 geradas pelas atividades antrópicas; d) aumentou a acidez dos oceanos e a temperatura média do planeta; e e) provocou impactos irreparáveis no ecossistema global.

Como consequência direta destes aspectos e impactos, mais de um quarto de todos os mamíferos da Terra está hoje em vias de extinção. O mesmo acontece com 40% dos anfíbios, um terço dos corais e dos tubarões, um quinto dos répteis e um sexto das aves. O desaparecimento dessas espécies em todo o mundo está destruindo o equilíbrio dos sistemas naturais e a diversidade animal, colocando em perigo a vida na terra e a sobrevivência da humanidade.

A partir dessa hipótese, Kolbert explica de que maneira o ser humano alterou a vida no planeta como absolutamente nenhuma espécie o fizera até os dias recentes. No início da evolução eram frágeis, não eram ágeis, nem fortes, nem férteis; contudo, possuíam uma engenhosidade única. Para provar tal realidade e a descoberta do conceito de extinção e evolução, Kolbert lança mão de uma lista de referências de trabalhos e de quantidade significativa de renomados cientistas das mais diversas áreas de pesquisa!

Foram mais de 300 livros e artigos científicos consultados, além de entrevistas com profissionais especialistas. Kolbert também viajou a diversos lugares do mundo para acompanhar pesquisadores em campo a fim de encontrar vestígios do ocorrido, ver de perto as ameaças à biodiversidade e conhecer estudos que estão sendo realizados para compreender as extinções em curso. Visitou habitat de espécies extintas ou ameaçadas, sítios arqueológicos, centros de pesquisas e museus na Alemanha, Austrália, Brasil (Amazônia), Escócia, Estados Unidos, França, Islândia, Itália, Panamá, Peru.

Kolbert apresenta dados das vidas e obras dos cientistas e pesquisadores que, nos últimos três séculos, descobriram o fenômeno da extinção e se dedicaram a entender suas causas e consequências. Com suas teorias, eles esclareceram questões relativas ao desenvolvimento e desaparecimento de espécies e as mudanças, lentas e, ou, repentinas (cronologicamente falando), na história da biodiversidade. Todas as teorias acabaram contribuindo para o que se sabe hoje sobre extinção, por mais que algumas tenham sido completamente contrárias umas às outras e seus proponentes, como George Cuvier e Charles Lyell, tenham sido fortes opositores.

O quadro retratado por Kolbert evidencia que o H. sapiens é o causador principal da sexta extinção: se esta é um assunto mórbido, a extinção em massa é um assunto muito mais ainda!

            “Séculos e séculos, e só agora as coisas acontecem”. (Jorge Luis Borges).

       Eleito um dos melhores livros do ano pelo “The New York Times”, o livro trata de temas complexos de forma simples e acessível: além de ser uma grande reportagem, é acessível, dinâmico e, principalmente, extremamente intrigante e preocupante. Pode ser indicado para estudiosos (apesar de não ser acadêmico), curiosos e leigos no assunto.

 

OS QUESTIONAMENTOS DO LIVRO:

De acordo com o E. O. Wilson, as longas viagens que Elizabeth Kolbert realizou durante a pesquisa para este livro, e o tratamento pormenorizado tanto dos fatos históricos como dos científicos, fazem de “A Sexta Extinção” uma contribuição valiosa para a compreensão das nossas circunstâncias atuais.

Esse mesmo autor cita que Kolbert apresenta ao leitor doze espécies — algumas desaparecidas, outras em vias de extinção. A partir desse ponto, chega à conclusão assustadora de que uma quantidade inigualável de animais está desaparecendo despercebidamente. Inclusive, já se utilizam uma nova expressão para substituir “Bioma”: “Antroma”, dada as tão drásticas alterações em nosso planeta – dos 130 milhões de quilômetros quadrados de terra no planeta, sem gelo, 70 milhões já foram convertidos em outras classes de uso do solo.

Ao mesmo tempo, a jornalista traça um panorama de como a extinção tem sido entendida pelo homem nos últimos séculos, desde os primeiros artigos sobre o tema, do naturalista francês Georges Cuvier, até os dias atuais. Com a redução da diversidade vegetal, por exemplo, o número de espécies animais decai. Os pássaros, por exemplo, passam a buscar abrigo em fragmentos florestais remanescentes, pelo fato de populações menores serem mais vulneráveis. Contudo, tem se verificado que a sua taxa de reprodução passa a cair, dificultando a recolonização ou tornando-a até impossível.

Ou seja, a diversidade tende a reforçar a si mesma. Haverá alteração em toda a cadeia trófica: para que ocorra um novo equilíbrio, com menos espécies, demorará muito mais tempo a acontecer (tal fenômeno é conhecido como “relaxamento”).

Kolbert mostra que a sexta extinção corre o risco de ser o legado final da humanidade e nos convida a repensar uma questão fundamental: Seria a espécie humana a invasora mais bem-sucedida na história biológica? O que significa ser humano?

 

- Alguns indícios alarmantes

Sapos, antes abundantes, passaram a aparecer mortos em enormes quantidades na região de El Valle, no Panamá, até desaparecem quase completamente. Milhões de morcegos foram encontrados mortos em cavernas nos Estados Unidos desde o inverno de 2010, acometidos por uma espécie de pó branco cuja presença se concentra no focinho desses animais. O súbito desaparecimento dessas espécies é resultado da introdução de novos organismos no ambiente, pela ação humana. O deslocamento de espécies nativas de um continente para o outro, por meio de viagens, exportações, transporte de cargas e outros meios, está provocando, em conjunto com o aquecimento global, a sexta extinção em massa da história da Terra.

Se houver qualquer risco para a trajetória humana, ele não reside tanto na sobrevivência de nossa própria espécie, mas na concretização da suprema ironia da evolução orgânica: no instante em que alcançou o conhecimento de si própria por meio da mente humana, a vida condenou suas mais maravilhosas criações? A autora sugere que sim!

 

O LIVRO TRATA:

A hipótese traçada por Kolbert é que o planeta enfrenta uma sexta extinção e o agente de destruição é a própria humanidade. Para tal consideração, pesquisou, investigou e comentou a história das extinções em massa. Começa com um desaparecimento que poderia parecer trivial: uma espécie comum de sapo nas encostas da Colômbia, antes abundantes, rareou e, de repente, desapareceu.

É sabido que a história da vida na Terra alterna intervalos longos de mudança maciça, por períodos de transformação catastrófica, lenta e pontuada. Normalmente, a mudança vem tão devagar que se mantém imperceptível. As espécies se adaptam aos ambientes mudando ao longo de inúmeras gerações, sendo extintas gradualmente. Contudo, uma mudança rápida e drástica do planeta, não é suficiente aos organismos para se adaptarem.

Por exemplo, a Terra mudou drasticamente há 66 milhões de anos, quando um asteroide de cerca de 10 km de diâmetro caiu próximo ao México, dizimando e eliminando grandes quantidades de vida, incluindo os dinossauros. Este foi o mais recente dos cinco “eventos de extinção em massa” ao longo dos últimos 500 milhões de anos.

Nos dias atuais, classes inteiras de anfíbios, aves, mamíferos e répteis estão em vias de aniquilação. Os recifes de coral, em todo o planeta, podem desaparecer até o final do século XXI, interferindo de forma decisiva no equilíbrio da natureza.

Cabe considerar que, durante os processos evolutivos, grupos inteiros de organismos outrora dominantes, podem desaparecer ou ser relegados a papéis secundários; ou seja, é como se houvesse uma troca de elenco no planeta, segundo Kolbert.

 

O LIVRO:

O livro é dividido em 13 capítulos que contam a história das últimas cinco grandes extinções em massa que aconteceram no planeta no passado. Também, revelam indícios do sexto episódio que pode estar em curso: Kolbert relata eventos relacionados às espécies ameaçadas de extinção, como a rã-dourada-do-panamá (Atelopus zeteki). Os relatos de ações deletérias do homem e os casos de extinção (ou risco) foram bem embasados.

Um dos legados da humanidade neste Antropoceno é a extinção de centenas de espécies de fauna e flora. Ao longo do trajeto, entende-se que a extinção é um fenômeno natural: o problema é que a humanidade está intensificando esse processo em milhares de vezes e tornando-a uma extinção em massa.

Cada capítulo do livro é dedicado à história de uma espécie já extinta, tais como: o arau-gigante (o "pinguim original" Pinguinus impennis) e o mastodonte-americano (Mammut americanum), que levou ao surgimento do conceito de extinção); ou que está em vias de ser, como a rã-dourada-do-panamá (Atelopus zeteki) ou o pequeno-morcego-marrom (Myotis lucifugus).

Essas histórias servem para fundamentar Kolbert a traçar um panorama da própria história evolutiva do planeta Terra e da humanidade, explicando conceitos relacionados à extinção de espécies, geologia, biologia, geografia, problemas ambientais como mudanças climáticas, desmatamento e espécies invasoras, entre outros.

Com base em meu trabalho de professor e pesquisador, para escrever esta resenha depois da leitura do livro, fiz uma rápida busca em uma foto do anfíbio comentado por Kolbert: a última atualização na “Wikipédia” colocou o verbo sobre essa espécie no passado: o sapo dourado!

Incilius periglenes, o sapo dourado, foi um pequeno sapo abundante em um vilarejo em uma região de alta altitude ao norte da cidade de Monteverde, na Costa Rica. Uma espécie particular de fungo, apelidada de Bd (Batrachyo­chy­trium dendrobatitis), foi o agente causador desse processo. Quase todos os anfíbios da região morreram vítimas do microrganismo - os poucos animais preservados hoje habitam uma espécie de “hotel”, totalmente isolado do restante da floresta, no qual esses sapos se encontram a salvo de ameaças - ainda que em sistemas totalmente artificiais.

A autora deixa subentendido que, não ob­stante a capacidade locomotora do fungo, sua distribuição pandêmica de­veu-se à “reorganização continental” – importação de rãs pelo homem de um continente para outro. O culpado desta extinção – como das outras citadas no livro – seria, portanto, o Homo sapiens.

A migração não-natural de espécies de um continente para o outro não é, contudo, a única culpada por essa realidade. A queima de combustíveis fósseis desde a revolução industrial elevou o nível de gás carbônico na atmosfera em 365 bilhões de toneladas, com dois efeitos caóticos para a biodiversidade. De um lado, temperaturas mais altas estão derretendo geleiras e calotas polares, além de inundar terras no nível do mar. Do outro, a dissolução de gás carbônico nos oceanos faz com que as águas marítimas fiquem cada vez menos alcalinas. Os primeiros ameaçados são as barreiras de corais; contudo, ao longo do tempo, mostra Kolbert ao visitar uma ilha perto de Ischia, na Itália, todo o oceano tende a ser afetado.

 

Os capítulos:

No capítulo 1, “Os molares do Mastodonte”, a autora faz uma con­ceituação fundamental. Cita os paleontólogos britânicos Anthony Hallam e Paul Wignall, diferencia para o leitor a “extinção massal” (em que “se perde uma parcela significativa da biota global em um espaço de tempo geologicamente insignificante”) e “extinção de fundo”, onde as taxas de extinção são calculadas em espécies-ano. A autora não confunde os casos específicos de extinção – ou risco de extinção – de cada capítulo, com extinção massal, e infere que estaríamos vivenciando a “sexta extinção”. No caso dos anfíbios a taxa de extinção seria até 45 mil vezes superior à taxa de fundo – cita o herpetologista americano Malcolm McCallum – situando essa classe como a mais ameaçada do mundo.

No capítulo 2, a autora aborda a história do desenvolvimento do conceito de extinção. Outrora vista como estática, Kolbert nos conta como os registros fósseis demonstraram que, na verdade, a biosfera é dinâmica: no passado, havia criaturas que, hoje em dia, já não existem — entre elas os mastodontes da América da era glacial.

O grande defensor desta visão é o naturalista francês Georges Cuvier, um anatomista talentoso e teatral, cuja visão da história da vida contemplava grandes catástrofes, seguidas por eventos de criação divina. Esta visão – o Catastrofismo – mantinha que, no decorrer destes eventos, as leis que regem o mundo natural alterar-se-iam de forma tão violenta e brusca, ao ponto de causar perdas de vida incomparáveis ao que se observava com os desastres naturais dos tempos de Cuvier.

No entanto, com o avanço do estudo da geologia, esta visão é suplantada pelo Uniformitarismo[1] de Charles Lyell. Este defende que “O Presente é a Chave para o Passado”; ou seja, que o mundo geológico foi moldado lenta e naturalmente pelos mesmos processos que se observam nos dias atuais, tais como: erosão, sedimentação e vulcanismo. Nesta visão, não há lugar para catástrofes sobrenaturais.

A obra de Lyell é a grande influência no pensamento de Charles Darwin: aplicando estes princípios geológicos à vida, desenvolve a Teoria da Seleção Natural. De acordo com esta visão, a extinção ocorre, mas lenta e gradualmente, a um ritmo até inferior à formação de novas espécies. Ironicamente, este desenvolvimento teórico acontece em paralelo com o desaparecimento geologicamente súbito do Arau-gigante: no Capítulo 3, Kolbert conta que foi caçado até à extinção pelo ser humano. 

No ca­pítulo 3, “O pinguim original”, didaticamente, conceitua o “catastrofismo”, cunhada por William Whewell em 1832, contrapondo-se ao “uniformitarismo” de Char­les Lyell. Relata a forma como Darwin, quando aos 22 anos e recém-formado em Cambridge, em uma viagem “casual” a bordo do Beagle em sua volta ao mundo, leu o livro “Princípios”, de Lyell. A partir dessa leitura associada à várias observações, desvendou questões obscuras para a ciência, que fundamentaram o clássico “A Origem das Espécies”.

Em um dos trechos do referido livro, Darwin escreveu:

Pode-se dizer que a seleção natural esquadrinha todos os dias e todas as horas, em todo mundo, todas as variações, mesmo as mais insignificantes, refeita o que é ruim, preserva e incorpora o que é bom e ocorre de maneira silenciosa e insensível, em todo momento e lugar nos quais a oportunidade se apresenta.

 

Dessa forma, a seleção natural eliminou a necessidade de qualquer tipo de milagres criadores. Como o tempo suficiente, “todas as variações, mesmo as mais insignificantes”, acumulam-se, e novas espécies podem surgir a partir das antigas. Dessa vez, Lyell não teve pressa para aplaudir a obra do pupilo. Aceitou a teoria de Darwin sobre “descendência com modificações”; contudo, arruinou a amizade entre ambos!

A teoria da seleção natural é baseada na crença de que cada nova variedade e, em última análise, cada nova espécie – é produzida e conservada por dispor de alguma vantagem sobre aquelas com as quais compete: a consequente extinção das formas menos favorecidas é uma decorrência quase inevitável.

Este pensamento gradualista se mantém até com a identificação de grandes discrepâncias nos registos  fósseis – milhares de espécies que desaparecem de uma camada geológica para a seguinte, como as amonites, que figuram no Capítulo 4. Estas discrepâncias são atribuídas a lacunas nos registos, devido à raridade do processo de fossilização. Quando finalmente se reconhece a realidade de extinções em massa entre eras geológicas, estas são, novamente, vistas como processos graduais, onde alterações ambientais favoreceram certas espécies em prol de outras e, ao longo de vastos períodos de tempo, levaram à reorganização da biosfera.

Este pensamento só se altera no século passado, revela Kolbert, com a descoberta por Luis e Walter Alvarez da camada de irídio na fronteira entre os estratos geológicos dos períodos Cretáceo e Paleogeno. É entre estes dois períodos que se observa o desaparecimento das amonites, dos pterossauros e da maioria dos dinossauros, há 66 milhões de anos. O irídio é pouco abundante na superfície terrestre: mas característico de vários asteroides do Sistema Solar. Ao ser identificado em rochas por todo o planeta, esta camada serve, então, como a primeira grande evidência para um impacto meteorítico, seguindo-se pela descoberta de uma enorme cratera no golfo do México, datada exatamente do mesmo período. Rapidamente dá-se uma revolução no consenso científico - a realidade de uma extinção catastrófica causada por um asteroide é reconhecida.

Este relato de como o nosso conhecimento científico progrediu: desde o não reconhecimento da possibilidade de extinção à proposição de grandes catástrofes para explicar espécies perdidas, passando por uma visão totalmente gradualista e, finalmente, a uma reconciliação entre estas duas.

No Capítulo V, a autora continua introduzindo o conceito do Antropoceno: “Bem-vindo ao Antropoceno” - a era geológica marcada pelo aparecimento do ser humano. Nesse capítulo, Kolbert cita Crutzen (2002), que aponta as várias mudanças de escala geológicas efetuadas pelo homem: a) a atividade humana transformou entre um terço e a metade da superfície terrestre do planeta; b) a maior parte dos principais rios foi represada ou desviada; c) as fábricas de fertilizantes produzem mais nitrogênio do que é gerado naturalmente por todos os ecossistemas terrestres; d) a atividade pesqueira retira mais de um terço da produção primária das águas litorâneas dos oceanos; e e) os seres humanos utilizam mais da metade do escoamento de água doce de fácil acesso.

Segundo Crutzen (2002), em seu livro “Geologia da espécie humana”, há ainda algo mais significativo: os seres humanos alteraram a composição da atmosfera. A combinação de queima de combustível fóssil e desmatamento, fez com que a concentração de dióxido de carbono no ar sofresse aumento de 40% nos últimos séculos; ao passo que a concentração de metano, um gás indutor do efeito estufa ainda mais potente, mas do que duplicou. Nesse artigo, o autor afirma: “por causa dessas emissões antropogênicas”, o clima global deve “se afastar significativamente do comportamento natural durante vários milênios no futuro”. A partir dessa citação, o termo “Antropoceno” passou a ser utilizado em diversas publicações científicas.

No Capítulo 6, “O mar ao nosso redor”, evidencia os males da modernidade aos oceanos. Mostra que desde o início da Revolução Industrial foram lançados à atmosfera, com a queima de combustíveis fósseis 365 bilhões de toneladas de carbono, que causam bruscas alterações na composição da atmosfera e na acidez dos oceanos. A cada ano, em torno de nove bilhões de toneladas vêm sendo adicionadas - um crescimento de 6% ao ano. O resultado? A atual concentração de dióxido de carbono na atmosfera, 400 ppm, é a maior dos últimos 800 milhões de ano.

A previsão para 2050 é que atinja 500 ppm, provocando um aumento de 1,9 a 3,8º C na temperatura média global. As consequências? Eventos extremos decorrentes da alteração drástica das correntes marítimas; acidificação dos oceanos e a destruição dos corais (constroem a arquitetura do ecossistema: se eles desaparecerem, todo o ecossistema desaparecerá); e o desaparecimento das geleiras restantes (inundação de ilhas rasas e cidades litorâneas e o derretimento da calota de gelo do Ártico).

Associada a essa questão, o aquecimento atual está ocorrendo pelo menos dez vezes mais rápido que no fim da última glaciação e todas as outras glaciações anteriores. Para sobreviver, os animais terão de migrar e se adaptarem 10 vezes mais rápido.

Nos trópicos os impactos serão drásticos com relação à perda de biodiversidade. Sabe-se que nessa localização há mais espécies porque o relógio evolutivo avança mais rápido. Da mesma forma que os agricultores brasileiros, por exemplo, podem produzir mais vezes por ano por estarmos em latitudes mais baixas, os organismos podem produzir mais gerações. Quanto maior o número de gerações, maiores são as chances de mutações genéticas. Quanto maiores as chances de mutações genética, maior a probabilidade de surgirem novas espécies. Ainda, quanto maiores as temperaturas, mais elevadas as taxas de mutações.

Entre outras teorias sobre a maior diversidade dos trópicos, diz que a maior concorrência impulsionou a especialização das espécies, e mais espécies especialistas conseguem coabitar a mesma quantidade de espaço. O 73º meridiano cruza a linha do equador na Colômbia, para cortar partes da Venezuela, do Peru e do Brasil. Por volta da latitude de 13º ao sul, ele passa a oeste de três lotes florestais de Silman, um dos pesquisadores que pesquisam nessa área. Nesses lotes, que totalizam 27 hectares, possui 1.035 espécies de árvores: aproximadamente 50 vezes mais do que em toda a floresta boreal do Canadá (essa floresta estende-se por mais de quatro milhões de quilômetros quadrados, representando um quarto de todas as florestas virgens do planeta).

Os últimos dois capítulos do livro se debruçam sobre espécies humanas — Homo neanderthalensis Homo sapiens – e sobre a tragédia de como a nossa própria espécie eliminou os nossos parentes mais próximos: “a sua má sorte fomos nós”; ou seja, o impacto negativo que a nossa espécie tem na biosfera é inegável.

No capítulo 9, “Ilhas em Terra Firme”, Kolbert revela que em plena Amazônia brasileira, encontra-se em andamento um dos maiores e mais importantes experimentos científicos do mundo: o Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais – PDBFF. Segundo Kolbert, uma parceria improvável entre pecuaristas e conservacionistas. As diversas reservas do projeto, chamadas “Ilhas amazônicas”, recebem ornitólogos, entomólogos, herpetólogos, ecólogos, entre outros especialistas de todo o mundo, a fim de estudarem seus respectivos grupos de interesse. Cabe considerar que é um dos projetos mais antigos ainda em andamento, sendo considerado o mais importante experimento ecológico já realizado.

Um dos resultados em observação: a destruição da floresta afeta a circulação atmosférica. Em grande escala, a destruição da floresta tropical pode alterar drasticamente o ciclo hidrológico.

- Começo das pesquisas: o mundo perdido

Em 1739, ossos gigantes - um fêmur de 1 metro de comprimento, uma presa enorme e dentes pesando mais de 4 kg cada - de um "suposto elefante americano" foram encontrados por um grupo de soldados em um pântano no vale do rio Ohio. Na época, a ciência não tinha a noção da extinção. Foram enviados ao “Cabinet du Roi”, do rei Luís XV, o futuro Museu de História Natural de Paris.

Em 1775, Cuvier começou a trabalhar no museu. Foi estudando aqueles ossos e comparando-os aos de outros espécimes que Cuvier primeiro se deparou com a ideia de que uma espécie pudesse se extinguir. No início, ele mesmo negava tal possibilidade, chegando a humilhar colegas que propusessem tal possibilidade. Depois de estudar quatro espécies extintas e declarar que poderia haver outras, o cientista passou a defender "a existência de um mundo anterior ao nosso", conseguindo estabelecer a extinção como um fato.

Em 1801, um esqueleto completo do mastodonte-americano foi apresentado ao público e, cinco anos depois, Cuvier deu nome à espécie em um ensaio publicado em Paris. Em 1812, publicou um compêndio de quatro volumes de seu trabalho com animais fósseis – dependendo de quem fizesse o cálculo, existia apenas um vertebrado extinto; no entanto, graças a seu empenho, eles passaram a ser 49.

Apesar de entender que "a história da vida era longa, mutável e repleta de criaturas fantásticas que não existiam mais", Cuvier não acreditava no conceito de evolução, chamado de transformismo. Contudo, seu colega no museu, Jean-Baptiste Lamarck, era defensor da ideia e opositor do entendimento de extinção defendido pelo outro cientista. Cuvier também disse que a Terra foi perturbada por "eventos terríveis" (catástrofes) e que muitas espécies deixaram de existir: Kolbert afirma que o naturalista estava corretíssimo em alguns de seus estudos.

A extinção do mastodonte, por exemplo, que ocorreu há 13 mil anos, “foi parte de uma onda de desaparecimentos que se tornou conhecida como extinção da megafauna”. Essa onda coincidiu com a propagação dos seres humanos modernos, sendo entendida como seu resultado. Nesse sentido, a crise que Cuvier identificou logo antes do limite da história registrada somos nós.

Outro opositor de Cuvier foi Charles Lyell, que refutava a visão da história da Terra por ele proposta, e defendia que a paisagem do planeta mudava muito lentamente, assim como as espécies, cuja extinção ocorreria num ritmo muito devagar. Curiosamente, os dois eram amigos e Lyell tinha permissão do outro para fazer moldes dos fósseis e levá-los para a Inglaterra, onde morava outro cientista defensor do conceito de evolução: Charles Darwin - futuro criador da própria teoria da evolução e seguidor de Lyell. Os dois cientistas, cada um na sua área de estudo (geologia e biologia) acreditavam que o presente era a chave para entender o passado.

A amizade seguiu até o ponto em que Lyell e Darwin também começaram a divergir, pois o primeiro não compreendia como uma espécie, ao longo de milhares de anos, poderia se transformar em outra. Com seus estudos sobre evolução das espécies, Darwin descobriu que surgimento e desaparecimento eram dois lados da mesma moeda: a extinção era causada pela seleção natural. Porém, Darwin também sabia do papel do ser humano no desaparecimento de espécies, pois ele mesmo presenciou isso durante sua viagem ao arquipélago de Galápagos.

Em seu livro "A origem das espécies", Darwin observou que os animais se tornam raros antes de serem extintos: "Sabemos que esse tem sido o processo dos eventos com aqueles animais que foram exterminados, seja localmente ou no mundo todo, por meio da ação humana". Apesar de não ter percebido a gravidade dessa ação, com essa frase Darwin lançou luz sobre uma extinção em massa que está sendo provocada pelo homem, ao contrário das Cinco Grandes Extinções anteriores: aconteceram nos períodos Ordoviciano, Devoni-ano, PermianoTriássico e Cretáceo, entre 450 e 50 milhões de anos atrás (causadas por glaciação, aquecimento global, mudança na química dos oceanos, impacto de asteroide, entre outros).

Ainda não se sabe se essa terá os mesmos impactos das anteriores, que dizimaram de 75% a 100% de várias espécies de microrganismos, animais e plantas; mas ela já recebeu o nome de Sexta Extinção. Segundo estudo publicado em 2017, cerca de um terço das 27 mil espécies analisadas teve declínio populacional e diminuição em distribuição geográfica; e 40% dos mamíferos estudados tiveram encolhimento superior a 80%.

 

- Agravantes da modernidade:

As ações humanas estão afetando as mais variadas espécies de flora e fauna, em todas as regiões planeta. Extinção não conhece fronteiras e se alastra pelos continentes e oceanos. Assim como também acontece com milhares de espécies, transportadas pelo planeta em diversas atividades humanas e se tornam espécies exóticas invasoras aonde chegam, contribuindo para a perda da biodiversidade local.

Por dia, estima-se que 10 mil espécies são transportadas de um lugar a outro no mundo na água dos tanques de lastro de navios, sem contar outras circunstâncias de deslocamento. As mudanças climáticas também figuram na lista de impactos da humanidade sobre outras espécies, especialmente nos oceanos. A caça, a pesca, desmatamento, as mudanças de classe de uso do solo são outras causas da redução da biodiversidade e da extinção de espécies que a humanidade está provocando.

 

Se há perigo na trajetória humana, este não tanto se encontrará na sobrevivência da nossa própria espécie, como no cumprimento da derradeira ironia da evolução orgânica: que no instante em que esta atingiu a compreensão de si mesma na mente do Homem, a vida condenou as suas mais belas criações (E. O. Wilson).

 

- Algumas boas notícias

Tem muitas pessoas na luta para preservar as espécies ameaçadas. Indo além dos dados trágicos e da história nefasta que se desenrola aos nossos olhos, Kolbert sabe contar histórias e mostra várias iniciativas que estão tentando resgatar animais e plantas do caminho do desaparecimento.

Como Kolbert diz no capítulo de agradecimento, uma jornalista precisa do auxílio de muitas pessoas para escrever um livro sobre extinção em massa. É quase como uma metáfora perversa da própria extinção: um conjunto de ações humanas está fazendo com que muitas espécies desapareçam do planeta. Por outro lado, a colaboração também pode salvar milhares de espécies enquanto há tempo. Neste livro tão relevante, entende-se o quão fundamental e complexo é o equilíbrio da teia da vida.

CONCLUSÕES:

Para escrever a história da sexta extinção em massa, Kolbert viajou para áreas remotas da terra para descrever processos e projetos de pesquisa que buscam quantificar o nível de devastação impetrado pela humanidade. Relatou também um tratado sobre a história da evolução e de como se desenvolveu o conhecimento humano sobre o desenvolver da vida na terra.

Ao longo do tempo foram datadas apenas cinco grandes extinções nos bilhões de anos de evolução da vida na Terra, entre elas a mais famosa – e recente – no fim do período Cretáceo, que encerrou a era em que os dinossauros dominaram o planeta.

Extinções em massa são eventos em que há uma profunda perda de biodiversidade, sendo extremamente raros – aconteceram apenas cinco vezes em alguns bilhões de anos. O que difere a sexta extinção das demais é que, desta vez, essa é uma história “não natural”, já que a ação humana estaria por trás do desaparecimento de uma gama enorme de espécies.

Diante de tantas evidências científicas sobre como os seres humanos estão mudando dramaticamente a atmosfera, os oceanos e a distribuição da biodiversidade pelo planeta, o livro não deixa muito espaço para o “contraditório”. O aquecimento do planeta, a acidificação dos oceanos, a redução do tamanho das florestas e outros dados sombrios que refletem a ação humana na terra são tratados como uma realidade inescapável.

Talvez o Antropoceno tenha começado com a revolução industrial ou com o crescimento da população após a Segunda Guerra Mundial. A espécie humana passou a controlar o planeta. Isso vem desencadeando uma cascata ecológica que transformou a paisagem. Será que algum dia o homem viveu em harmonia com a natureza? Não há evidências de que isso tenha acontecido!

Cabe lembrar que os Neandertais desapareceram cerca de 30 mil anos atrás, e os primeiros seres humanos chegaram à Europa, onde habitavam, há 40 mil anos: em 100 mil anos em que viveu na Europa, o impacto que provocou localmente, não foi maior do que o de qualquer outro grande vertebrado - o azar deles foram os H. sapiens.

Apesar do tema árido, Kolbert não deixa de abordá-lo com bom humor e, principalmente, sensibilidade. No último capítulo, a jornalista discorre que há pouco que se possam fazer para aplacar nossa consciência. Não adianta colocar a culpa do desaparecimento de espécies nos caçadores de grandes mamíferos na África ou nas grandes empresas do setor de petróleo: todos são responsáveis, todos fizeram a sua parte para tal situação.

Leitura imperdível e imprescindível. De acordo com Nilson Jaime, engenheiro agrônomo, mestre e doutor na mesma área, o livro da jornalista Elizabeth Kolbert, é consistente para denunciar as ações humanas deletérias ao ambiente e casos isolados de extinção, porém insuficiente para caracterizar mais uma extinção em massa. Será?

É impossível não perceber o paradoxo do trabalho: ao mesmo tempo em que apresenta o homem como o responsável pela sexta extinção em curso, podendo até mesmo ser uma de suas vítimas, mostra projetos e esforços despendidos pela raça humana para conhecer e entender os processos biodinâmicos da natureza e tentar salvar parte das espécies ameaçadas. Portanto, há esperança!

 


Referência bibliográfica para Citação:

- KOLBERT, E. A sexta extinção: uma história não natural. 1. ed. - Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015. 336 p.

 

* Maurício Novaes Souza é Engenheiro Agrônomo, Mestre em Recuperação de Áreas Degradadas, Economia e Gestão Ambiental e Doutor em Engenharia de Água e Solo pela Universidade Federal de Viçosa. Foi professor do IF SUDESTE DE MINAS campus Rio Pomba. Atualmente, Professor Titular do IFES campus de Alegre. E-mail: mauricios.novaes@ifes. edu.br

 

 



[1] Teoria atribuída a James Hutton (1726-1797), que defende que os diferentes aspectos geológicos podem ser interpretados segundo processos naturais semelhantes aos que se observam atualmente - "o presente é a chave do passado". A teoria uniformitarista se baseia na reprodução dos dados observáveis em fenômenos geológicos atuais para a interpretação da ocorrência destes fenômenos no passado.


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