* Maurício Novaes Souza
O imaginário neoliberal, presente de forma crescente em todo o mundo,
reafirma a noção de que os recursos naturais são meramente matéria-prima para a
indústria. O consumo descomedido não está só presente em grandes escalas
industriais, mas também nos hábitos individuais, afetando direta e
indiretamente os ecossistemas. A conservação ambiental vem sendo relegada ao
segundo plano; na prática, o antigo discurso da necessidade de crescimento
econômico para a geração de emprego e renda prevalecem. Continua vigorando a
visão imediatista, cujos resultados finais são conhecidos e previsíveis: a
economia global está perdendo muito dinheiro com a destruição dos recursos
naturais!!!
Um caso emblemático ocorreu no dia 5 de novembro de 2015, quando uma das
barragens de rejeito da mineradora SAMARCO (controlada pela Vale e BHP
Biliton), rompeu-se! Cerca de 32 milhões de m³ de minério de ferro altamente
contaminante (equivalente a 20.000 piscinas olímpicas de rejeitos), invadiram
rios e municípios, degradando os rios - 700 km de curso de água foram afetados,
principalmente o Rio Doce. De acordo com um comunicado da Organização das
Nações Unidas (ONU), um ano depois da tragédia, as medidas tomadas pela empresa
podem ser assim classificadas: “São simplesmente insuficientes para lidar com
as massivas dimensões dos custos humanos e ambientais decorrentes desse
colapso, que tem sido caracterizado como o pior desastre socioambiental da
história do país”.
É assustador o
descaso dessa e de tantas outras empresas, posto que as leis que tratam do meio
ambiente no Brasil estão entre as mais completas e avançadas do mundo. Até
meados dos anos da década de 1990, a legislação cuidava separadamente dos bens
ambientais de forma não relacionada. Com a aprovação da Lei de Crimes
Ambientais (Lei Nº 9.605 de 13 de fevereiro de 1998), a sociedade
brasileira, os órgãos ambientais e o Ministério Público passaram a contar com
um mecanismo para punição aos infratores do meio ambiente. Em seu Capítulo I,
nas Disposições Gerais, diz:
Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes
previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua
culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de
órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa
jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua
prática, quando podia agir para evitá-la.
Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa,
civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração
seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu
órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Como se pode
observar nos dois artigos citados, a Lei de Crimes Ambientais reordenou a
legislação ambiental brasileira no que se refere às infrações e punições. Uma
das maiores inovações foi apontar que a responsabilidade das pessoas jurídicas
não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras da infração. No entanto,
mais do que os avanços representados pela lei, o Brasil carece de mecanismos de
fiscalização e apuração dos crimes. Ou seja, o Brasil possui um conjunto de
leis ambientais consideradas excelentes, mas que nem sempre são adequadamente
aplicadas, por inexistirem recursos e capacidades técnicas para executar a lei
plenamente em todas as unidades federativas.
O IBAMA e os
órgãos estaduais de meio ambiente atuam na fiscalização e na concessão de
licença ambiental antes da instalação de qualquer empreendimento ou atividade
que possa causar poluição e degradação. O IBAMA atua principalmente no
licenciamento de grandes projetos de infraestrutura que envolvam impactos em
mais de um estado e nas atividades do setor de petróleo e gás; já os Estados
cuidam dos licenciamentos de menor porte. Contudo, dadas as dimensões de nosso País,
a difícil acessibilidade e o reduzido número de agentes dos referidos órgãos, a
fiscalização é muito deficiente. O desmatamento amazônico, por exemplo, voltou
a subir nos últimos dois anos.
No caso da
SAMARCO, o Ministério Público Federal apontou 22 pessoas das empresas
responsáveis pela barragem. Eles responderão por crimes de inundação, lesão
corporal, desabamento e crimes ambientais, além de homicídio qualificado com
dolo eventual (quando se assume o risco de matar). Entretanto, ainda são
necessárias medidas preventivas que impeçam que tais eventos ocorram. O
Relatório de Segurança de Barragens 2015 apontou que das 17.359 barragens
cadastradas na Agência Nacional de Águas (ANA), apenas 4% foram fiscalizadas. Segundo
o órgão, as 43 unidades fiscalizadoras não dão conta de atender toda a
estrutura. A barragem de Fundão, vinculada ao desastre de Mariana, tinha sido
classificada como categoria de baixo risco e alto dano potencial associado pelo
Departamento de Produção Mineral (DNPM), vinculado ao Ministério de Minas e
Energia. O Relatório do Tribunal de Contas da União, de setembro de 2016,
confirma que o DNPM não foi capaz de fazer a Samarco cumprir os padrões exigidos
pela Política Nacional de Segurança de Barragens, a Lei 12.334/2010.
Para agravar ainda mais a situação, enquanto o desastre de Mariana (MG)
avançava pelo país, o projeto do senador Romero Jucá (PMDB-RR), de flexibilizar a concessão de
licença ambiental para grandes
obras no país, foi aprovado. A licença, que era dada em um tempo médio de 5
anos, passou a ter o prazo de 180 dias, diminuindo a burocracia e também a
segurança das obras. Por pressão, as obras de mineração ficaram fora do
documento, mas os sistemas aeroviários, viário, hidroviário, ferroviário, de
portos, instalações portuárias, telecomunicações e energia ainda se beneficiam.
A lei já não era severa em relação às causas ambientais. Segundo relatórios do IBAMA,
de cada 100 reais de multas que o órgão aplica aos que infringiram regras
ambientais, desde 2011, menos de três reais entram nos caixas do Governo
Federal - um documento do
próprio órgão, de 2017, traz um panorama das autuações feitas entre 2005 e 2010
- o porcentual médio de multas pagas no período foi de 0,75%. As empresas encontram subterfúgio em diversos recursos judiciais e a
lentidão do maquinário jurídico para finalizar os processos proporciona que a
maioria saia impune.
Apesar das inúmeras iniciativas governamentais
e organizacionais, os efeitos efetivos da legislação ambiental ainda são discretos:
a impunidade persiste. A corrupção e tantos desmandos dos últimos governos
demonstram enorme incompetência e incapacidade de resolver as demandas legais
pertinentes à legislação brasileira. Agrava essa realidade, o aperto orçamentário: o Ministério do Meio
Ambiente perdeu 43% da sua verba para despesas discricionárias. O
fato é que se faz necessária a ampliação da consciência
ambiental em nível nacional. É um imperativo da necessidade de construção de uma nova perspectiva de desenvolvimento. Os
problemas econômicos, sociais e ambientais continuam como desafios políticos e
sociais a ser resolvidos para a construção desta nova sociedade, na qual se possam oportunizar novas demandas em busca do
desenvolvimento sustentável de nosso país.
* Engenheiro Agrônomo, Mestre em Recuperação de
Áreas Degradadas e Gestão Ambiental e Doutor em Engenharia de Água e Solo pela Universidade
Federal de Viçosa. Foi professor do IF Sudeste de Minas campus Rio Pomba.
Atualmente, IFES campus de Alegre. E-mail: mauriciosnovaes@yahoo.com.br.