*por Maurício Novaes Souza
A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) define “lixo” como todo e qualquer resíduo sólido que tenha sido produzido pela atividade humana e que não seja reaproveitado. O lixo que produzimos pode ser classificado de acordo com a fonte que o originou. Essa classificação é usada para calcular o volume de lixo gerado e serve como base para seu gerenciamento, definindo quem é responsável pelo tratamento e destino final dos resíduos. É dividido em lixo comercial, domiciliar, público, industrial, serviços de saúde, sistema de transporte, entulhos da construção civil, agrícola e eletrônico. Pergunta: para onde vai o lixo que produzimos no cotidiano na cidade onde moramos? Existem diferentes destinos do lixo: lixão, aterro controlado, aterro sanitário, incineração, compostagem e a reciclagem.
O Ministério das Cidades divulgou os números mais recentes do manejo de resíduos sólidos urbanos no Brasil, referentes a 2007. Com base em dados de 306 municípios, que representam 55% da população urbana, o levantamento mostra que a cobertura média de coleta de lixo nas cidades pesquisadas é de 90%. Já a coleta seletiva só chega a 56,9% dos municípios da amostra, que inclui todas as capitais e cidades com mais de 500 mil habitantes. Cerca de 64% do lixo coletado vão para aterros sanitários, 26,6% são levados para aterros controlados e 9,5% dos resíduos ainda vão para os lixões. Dos 587 aterros catalogados, 46% não têm qualquer tipo de licença ambiental.
Um dos itens de particular preocupação na composição do lixo é o plástico, com diversos registros demonstrando sua dominância dentre os resíduos sólidos presentes, inclusive, nos ambientes marinho e costeiro. Os “plastic pellets” são grânulos de plásticos que correspondem à forma principal com que as resinas plásticas são produzidas e comercializadas e estão entre os resíduos mais abundantes em praias no mundo. Eles são pequenos e geralmente imperceptíveis na areia da praia, mas pode causar sérios danos à fauna marinha, como contaminação química, que podem causar disfunções fisiológicas ou alterações hormonais nos animais que os ingerem. Estima-se uma quantidade de cerca de 2,4 bilhões de pellets para os 7,5 km de praia da Enseada de Santos. Mas de onde vêm esses pellets? Segundo dados da literatura, podem ser perdidos nas atividades de produção, transporte e uso, para o ambiente estuarino/marinho ou para os sistemas de drenagem urbana e, na sequência, para os rios, os quais acabam desaguando no mar.
E a questão das sacolas plásticas? Quantas você usou ontem? E durante toda a semana? Se o cálculo se estender pelo ano todo, os números começam a assustar. Segundo uma estimativa divulgada pelo Ministério do Meio Ambiente, a cada hora, são consumidas cerca de 1,5 milhão de sacolas plásticas no Brasil. Ao final de um dia essa conta chega a 36 milhões. Anualmente são descartadas inadequadamente 500 bilhões de sacolas em todo o mundo. Esse material, além de poluente, pode causar outros impactos ambientais, como entupir bueiros e provocar enchentes.
Considerando que o lixo é um problema com um impacto social e ambiental muito negativo, há quem considere que um meio de lidar com este problema é utilizar o plástico biodegradável. À primeira vista pode parecer aceitável, mas será realmente melhor para o ambiente? Inicialmente, o que significa biodegradabilidade? Quer dizer a capacidade de um material ser degradado sob a ação de elementos vivos. O que significa plástico biodegradável? É plástico que pode ser degradado por microorganismos (bactérias ou fungos) na água, dióxido de carbono (CO2) e algum material biológico.
Contudo, há de se considerar, que o plástico biodegradável requer condições específicas para poder degradar-se corretamente (microorganismos, temperatura e umidade) e, se não houver um grande cuidado em manejá-lo, pode tornar-se para o ambiente pior do que o plástico convencional. Quando o plástico biodegradável é lançado numa lixeira, o que em todo o caso deve ser sempre evitado, produz gases com efeito de estufa ao degradar-se. É importante reconhecer que o plástico biodegradável não é necessariamente produzido por material biológico, ou seja, por plantas. Vários plásticos biodegradáveis são igualmente produzidos a partir do petróleo como os convencionais. Então, pode-se afirmar que o uso do plástico biodegradável é bom? Por princípio, o plástico tem valor pela sua capacidade de criar produtos resistentes e duráveis. A biodegradabilidade deve, pois, ser encarada como uma funcionalidade adicional, quando a sua aplicação exige uma forma barata de destruição do produto, depois de ter cumprido a sua função.
A capacidade de ser biodegradável é uma propriedade material que depende muito das circunstâncias do ambiente biológico (o corpo humano é diferente do solo). Considerando isto, poder-se-ia dizer que fazer um produto, como um saco de plástico compostável, não faz muito sentido porque esta capacidade de se biodegradar não resolve a questão do lixo. A biodegradação não é, portanto, resultado de uma simples ação de microorganismos, porque as condições nas quais eles atuam estão relacionadas com todas as características do meio.
Se considerarmos a problemática da eliminação dos resíduos sólidos, a simples perda das propriedades de um material, sem redução de sua massa, não possui grande interesse. A perda de massa deve ser quase total. Existem diferentes possibilidades de degradação dos polímeros:
a) Fotodegradação - nesse fenômeno, o fator determinante da degradação é a ação da luz e, mais particularmente, dos raios ultravioletas. As aplicações mais conhecidas são os filmes agrícolas fotodegradáveis para recobrimento do terreno em culturas rasteiras. O problema, nesses casos, é que somente a parte exposta à luz se degrada, ou seja, a parte enterrada fica intacta ou fracionada, tornando difícil sua extração ao final da colheita. Por outro lado, isso acaba sendo somente uma foto-fragmentação onde as macromoléculas não foram transformadas, mas sim cortadas pela fragilização dos aditivos. O resultado é um pó do plástico que estará presente em quantidade quase idêntica à massa de filme utilizada e essa se mistura ao solo cultivado ano após ano. Não há inconveniente para o meio ambiente, pois esse processo de eliminação é assimilado; no entanto, não há qualquer vantagem ambiental; e
b) Quimiodegradação - somente esse modo de degradação é susceptível de modificar a estrutura física do material e de transformá-la em substâncias assimiláveis pelo meio natural. A maior parte do tempo, ele consiste em uma oxidação, uma digestão ou uma hidrólise, mais ou menos complexa.
Entretanto, nos dias atuais, há várias pesquisas em andamento. Um estudo do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP produziu plástico biodegradável a partir do amido de mandioca, obtendo os chamados amidos termoplásticos (TPS). O estudo, realizado pela química Eliangela Teixeira, também mostrou a viabilidade do uso de resíduos da industrialização do amido para produzir termoplástico reforçado com fibras celulósicas. Os plásticos com amido poderão ser aplicados principalmente na indústria de embalagens. De acordo com a química, os amidos termoplásticos apresentam um grande potencial de aplicações, especialmente no setor de embalagens, contribuindo para melhorar o gerenciamento do lixo e reduzindo o impacto ambiental dos plásticos não-biodegradáveis. O material também pode ser adotado na confecção de tubetes de plantio para o setor agrícola. Outra linha de pesquisa do estudo dessa pesquisadora foi direcionada à obtenção de nanofibras de celulose a partir das microfibras contidas no resíduo, para aumentar a resistência dos amidos termoplásticos.
Deve-se ter cuidado com os falsos biodegradáveis, parcialmente degradáveis ou fragmentáveis; eles não apresentam, a não ser em raras exceções, função outra que não seja a exploração publicitária pseudo-ecológica. O cúmulo da exploração abusiva das pretendidas qualidades ecológicas se encontra em certas aplicações dos polímeros hidrossolúveis. Fora de seus usos específicos, é injustificada sua aplicação. Algumas vezes, eles são apresentados como tendo a propriedade de "desaparecer" na água sendo, assim, qualificados como biodegradáveis.
Há quem afirme que os processos de reutilização do plástico normal são incontestavelmente mais ecológicos que os da biodegradação. Já o composto obtido após a biodegradação teria uma qualidade muito ruim como fertilizante em razão da ausência dos oligoelementos e dos compostos de nitrogênio que encontramos normalmente nas biomassas. Já os materiais plásticos normais possuem múltiplos modos de valorização: reuso, reutilização, reciclagens mecânica, química e valorização energética. A re-introdução dos resíduos plásticos no ciclo de fabricação de um produto ou de uma energia permite obter redução dos recursos naturais não renováveis muito superiores a qualquer coleta de metano proveniente da degradação dos biodegradáveis. Mesmo levando em consideração os conceitos do Desenvolvimento Sustentável, os processos de reutilização do plástico normal são incontestavelmente mais ecológicos que os da biodegradação.
Por último, considere-se que o lixo é fundamentalmente um problema de comportamento irresponsável, e que deve ser tratado mais pela mudança de atitudes das pessoas do que propriamente pela alteração dos produtos. A criação de produtos biodegradáveis pode, de fato, piorar o problema do lixo, porque leva as pessoas a pensar que é correto dispor de qualquer forma recursos com valor, como o plástico.
* Engenheiro Agrônomo, Mestre em Recuperação de Áreas Degradadas e Gestão Ambiental e Doutor em Engenharia de Água e Solo. É professor do IFET Rio Pomba e Diretor-Geral do IFET São João del-Rei. É Conselheiro do COPAM e do IBAMA. E-mail: mauriciosnovaes@yahoo.com.br.