quarta-feira, 10 de abril de 2024

Resenha: Biografia do Abismo

Resenha: Biografia do Abismo


Autores:

Graciandre Pereira Pinto

Maurício Novaes Souza


Título do livro: Biografia do Abismo

 

Referência da obra:

NUNES, F.; TRAUMANN, T. Biografia do abismo: como a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil. Rio de Janeiro: Harper Collins Brasil, 2023. 239 p.

 

Autor:

- Thomas Traumann - jornalista e mestre em ciências política pelo IESP/UERJ. Trabalhou por vinte anos nas redações da Folha de São Paulo, Veja e Época.

- Felipe Nunes, é Ph.D em ciências políticas e mestre em estatística pela Universidade da Califórnia em Los Angeles. É professor da UFMG. Seus trabalhos acadêmicos sobre desinformação, eleições e metodologia estão publicados nas principais revistas cientificas do mundo.

 

A tese central do livro:

A prática política mudou drasticamente com a ascensão das redes de desinformação, manipulação de dados e influência direta nas eleições, especialmente por meio de grupos de WhatsApp manipulados por bots. Enfrentar a desinformação agora exige abordagens inovadoras, pois os canais tradicionais de TV e rádio foram suplantados. A dissonância cognitiva, gerada quando as pessoas confrontam informações conflitantes com suas crenças, torna o combate à desinformação ainda mais desafiador. Compreender os resultados e reações pós-eleições, como a possível eleição de Lula para Presidente, requer uma análise cuidadosa dos fatores que moldam a opinião pública, incluindo a influência da desinformação e das estratégias digitais.

 

Os questionamentos do livro:

A polarização e a calcificação mudaram comportamentos da sociedade. Como as opiniões políticas passaram a ditar com quem escolhemos e convivemos? Por que a tolerância com a opinião divergente ficou tão curta? Por que as eleições parecem não terminarem mais depois da proclamação do resultado? Como os modelos de comunicação mudaram nas últimas décadas, perpassando inicialmente pelo rádio e chegando diretamente ao eleitor pelo Whatsapp. O que fizemos de errado para chegarmos até aqui? E o que devemos saber para evitar que isso não se repita? É possível reconstruir o Brasil?

 

O livro trata:

De forma bastante profunda e pautada por pesquisas realizadas pelo instituto de pesquisa Quaest (2021 e 2022), e contratado pela Genial Investimentos para a mais longa série de pesquisas presenciais e domiciliares sobre o comportamento do eleitor brasileiro nos últimos anos. Como chegamos até aqui? Como o processo de calcificação afeta diariamente a vida dos brasileiros, e o poder das mídias sociais e suas influências no voto do eleitor. O questionamento das urnas eletrônicas como mecanismo de anular as eleições.

O livro Biografia do Abismo retrata de forma precisa, por meio de pesquisas realizadas pelo Instituto Quaest, entre os anos de 2021 e 2022, o poder da calcificação das opiniões e de um país dividido pela política. Ocorre que esse processo não é recente, mas construído ao longo de vários anos. Retrata o canal de informação usado por décadas para se aproximar do eleitor - o rádio. A Voz do Brasil, utilizada como veículo de comunicação e usada por Vargas em seus discursos.

A desconstrução de todos os meios de comunicação e a forma tradicional de um presidente se comunicar com a população, sendo substituída pelo canal de comunicação do Facebook, rompendo uma tradição de décadas. Dessa forma, eliminou-se a intermediação das mídias tradicionais e passou a falar direto com seu eleitorado.

O livro é organizado em sete capítulos. Os escritores explicam as fortes mudanças na comunicação de campanha e pós-campanha, e a mudança no eleitorado brasileiro. A formação do seguidor orgânico que nada mais é do que o militante partidário dos tempos modernos anteriores à internet. A eleição de 2022 foi a primeira em que um ex-presidente e um presidente se enfrentaram. Foi a primeira que o presidente não se reelegeu.

Os autores consideram que em 2022 ocorreu um alinhamento do eleitorado brasileiro frente às eleições de 2018. Consideram um fator nunca antes acontecido no cenário brasileiro, o que denominam de ubiquidade, a faculdade de estar em todos os lugares, quando se falava em eleições. Em todos os ambientes, só se falava na eleição mais disputada do Brasil. Amizades foram rompidas, familiares e grupos de WhatsApp bloqueados.

A chamada terceira via nunca teve chance nesse cenário. Para realinhar o Brasil, foi preciso formar uma grande frente ampla pela democracia, e unir, inclusive o candidato do PSDB Geraldo Alckmin. Para ser vice-presidente, Alckmin desfiliou-se do PSDB (partido que foi fundador), e filiou-se no PSB. Dessa forma, e nessa composição, foi possível formar a frente ampla pela democracia. Nesse ciclo de realinhamento, contamos com a eleição mais disputada desde 1989.

Naquele ano, Collor venceu as eleições por 53,03% contra 46,97% para Lula. Desde o período da redemocratização, tivemos três eleições mais competitivas no Brasil, a saber: 1989,2014 e 2022. Como os autores destacam, eleições acirradas tendem a produzir marcas profundas, e um ambiente propicio para desacreditar nas urnas eletrônicas, e colocar em risco o resultado final.

Mesmo com todo esforço produzido com a utilização da máquina administrativa, transferência de renda taxistas, adiantamento do 13º salário, saques do FGTS, reajuste do auxilio Brasil e outros, não foram suficientes para reeleger Bolsonaro. Todo o esforço negacionista feito por Bolsonaro em face de a pandemia, só trabalhou contra ele mesmo, tornando-o inelegível até 2030. Por outro lado, o então candidato às eleições de 2022, sempre se mostrou favorável à ciência e em pró da vacina. Aspectos esses que mudaram o rumo do Brasil, tendo em vista ser um país de referência em campanhas de vacinação.

Para os pesquisadores, longos anos de propagação de ódio e Fake News, produziram uma sociedade sedimentada e favorável ao antipetismo. Perante as análises feitas pelos autores, a eleição de 2022 é a mais surpreendente na disseminação de ódio, amores e medos. A única eleição que adentrou nas casas, bares, jantares, lojas, mercados, enfim, em toda a vida dos brasileiros. Amizades se findaram, casamentos se romperam, pessoas não mais se encontraram.

Esse é o cenário que antecedeu e preponderou após as eleições até os dias atuais. Para os escritores, essas últimas eleições foram as mais acirradas a se comprar apenas com as eleições de 1989. Período aquele, em que o Brasil passava por um processo de redemocratização após 20 anos de ditadura militar. Afirmam ainda, que a performance do então Presidente Jair Bolsonaro declinou com o negacionismo e a indicação de uso de medicamento nunca indicados para o combate ao COVID 19, levando-o a ser o único Presidente da República a perder um pleito eleitoral de reeleição.

Outro ponto importante foi o ataque constante às urnas eletrônicas, a mesma que o elegeu. Embora sob os ataques direto do presidente e seus aliados, ficou comprovado a segurança do sistema eleitoral brasileiro, inclusive sob o aval das Forças Armadas. Chegamos às eleições de outubro de 2022 destroçados, ainda pelas eleições de 2018, construída a partir do Golpe de 2016. Foram seis anos de construção de uma máquina do ódio, refletida diretamente no antes e pós-eleições. O Brasil toma seu rumo. O Presidente Lula sobe a rampa nos braços do povo.

É um sinal de novos templos. Será? Ambos os lados acreditam em países tão diferentes, que é impossível imaginar como, nós, 215 milhões de habitantes compartilhamos o mesmo espaço. Ao contrário de um presidente negacionista, o então Presidente eleito reforça os programas sociais e investe na educação.

A distopia chegou à sala de aula, aos ambientes a serem frequentados, aos bares e restaurante, e aos serviços, sejam quais forem. Entre as pesquisas, um dos pontos bastante interessante foi que 32% dos eleitores de Lula e Bolsonaro disseram acreditar que não reatariam as amizades perdidas na campanha. O ato de consumir, seja produtos, serviços ou bens, se tornou, também, um ato político.

Como já era de esperar, com a forte campanha da Primeira Dama Michelle Bolsonaro, a religião também virou uma mercadoria. Nunca em nossa história política, a religião foi tanto manipulada. Em uma sociedade calcificada, a polarização não permite diálogos, tornando-se impossível o debate político ou religioso. As democracias sobreviveram até o século XXI, na busca constante pela tolerância, diálogo e respeito mútuo.

Adjetivos que vieram à tona e foram muito questionados, em todos os países em que a extrema direita concorreu às eleições, vencendo ou perdendo. Ainda sobre a calcificação, a herança mais difícil deixada pelo governo de Bolsonaro foi polarização das políticas públicas. Campanhas de vacinação, fiscalização de crimes ambientais, aplicação do ENEN e muito mais, além, é claro, das decisões do STF que passaram a ser questionáveis por suspeita de parcialidade, a todo o tempo.

Os poderes constituídos, presidente, governadores, jornalistas, senadores, possuem uma responsabilidade absoluta de atenuar os efeitos da polarização extrema, e ao cidadão individualmente de conviver com a diversidade. Ainda, sobre a calcificação, importante termos os limites do que é opinião pública e do que é intolerância política. Delinear é fundamental, para enfrentar a polarização política que está transbordando para o cotidiano brasileiro.

 

Conclusões:

Após 80 anos do discurso de Franklin D. Roosevelt, em que destacou que a democracia é resumida por quatro princípios balizadores, a saber: a liberdade de expressão, a liberdade de religião, a liberdade de ter uma vida digna e a liberdade do medo. Passados oitenta anos de seu discurso, as premissas para uma sociedade tolerante ainda são as mesmas.

Para o estado se manter firme e guardião da democracia, nos meses seguintes ao 08 de janeiro de 2023, o STF iniciou seus primeiros julgamentos contra os envolvidos nos atos antidemocráticos. Até os políticos que poderiam ser favorecidos pelos atos golpistas, se recolheram.

O consenso é essencial para demarcar um cordão sanitário entre a divergência política salutar da democracia e o golpismo. Em uma das decisões históricas do STF sobre os atos golpistas, o Ministro do STF, Alexandre de Moraes é categórico:

“Não existe aqui liberdade de manifestação para atentar contra a democracia para pedir ato institucional número 5, para pedir a volta da tortura, para pedir a morte de inimigos políticos, os comunistas, para pedir intervenção militar. Isso é crime”, disse em sua decisão.

O Brasil continua dividido. Passaram-se 15 meses desde a posse do Presidente Lula, e o país continua dividido. Chegada as eleições municipais, a que se preocupar, pois a democracia, não somente a brasileira está adoecida. Em resposta ao questionamento do Ministro do STF sobre o 8 de janeiro de 2023, Gilmar Mendes: “O que devemos fazer para evitar que isso se repita?”.

Os autores respondem: mais democracia. Uma análise bastante interessante foi feita por um teórico holandês Cass Mudde, “o renascimento da extrema-direita foi resultado de três eventos impactantes do século 21: os ataques terroristas a Nova York em 2021, a recessão econômica após o crack financeiro de 2008 e a chegada à Europa, a partir de 2015, de centenas de milhares de refugiados de países árabes. Segundo o teórico, esses eventos afetaram as democracias ocidentais.

Dessa forma, partidos xenofóbicos, homofóbicos, deram voz ao discurso da extrema direita na Europa e no mundo. Para finalizar, os autores ilustram por intermédio de uma peça de teatro de 1944, de Jean-Paul Sartre, o cotidiano atual e nossa sociedade. A peça denominada de Entre quatro paredes, retrata quatro personagens e um quarto sem janelas, mas com um espelho.

Ambos são obrigados a ficarem juntos, após a morte, como uma representação do que se denomina inferno. “O quarto fechado representa a falta de saída para os personagens, enquanto o espelho é o símbolo da ilusão do que cada qual acha que é. Trata-se de um inferno sem diabos nem tridentes, no qual o sofrimento é infligido pela incapacidade que cada um tem de fugir ao olhar e ao julgamento dos outros. A peça é uma alegoria da vida em sociedade e da incapacidade que todos têm de fugir ao olhar e ao julgamento alheios”.

Em resumo, o texto aborda diversos aspectos políticos, sociais e culturais do Brasil contemporâneo, apresentando uma análise crítica e reflexiva sobre as transformações e desafios enfrentados pela sociedade brasileira.


Resenha: Biografia do Abismo

Resenha:  Biografia do Abismo Autores: Graciandre Pereira Pinto Maurício Novaes Souza Título do livro: Biografia do Abismo   Referência ...