Resenha: Biografia do Abismo
Autores:
Graciandre Pereira Pinto
Maurício Novaes Souza
Título do livro: Biografia do Abismo
Referência
da obra:
NUNES, F.; TRAUMANN, T. Biografia do abismo: como
a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil.
Rio de Janeiro: Harper Collins Brasil, 2023. 239 p.
Autor:
- Thomas
Traumann - jornalista e mestre em ciências política pelo IESP/UERJ. Trabalhou
por vinte anos nas redações da Folha de São Paulo, Veja e Época.
- Felipe
Nunes, é Ph.D em ciências políticas e mestre em estatística pela Universidade
da Califórnia em Los Angeles. É professor da UFMG. Seus trabalhos acadêmicos
sobre desinformação, eleições e metodologia estão publicados nas principais
revistas cientificas do mundo.
A tese central do livro:
A prática
política mudou drasticamente com a ascensão das redes de desinformação,
manipulação de dados e influência direta nas eleições, especialmente por meio de
grupos de WhatsApp
manipulados por bots. Enfrentar a
desinformação agora exige abordagens inovadoras, pois os canais tradicionais de
TV e rádio foram suplantados. A dissonância cognitiva, gerada quando as pessoas
confrontam informações conflitantes com suas crenças, torna o combate à
desinformação ainda mais desafiador. Compreender os resultados e reações
pós-eleições, como a possível eleição de Lula para Presidente, requer uma
análise cuidadosa dos fatores que moldam a opinião pública, incluindo a
influência da desinformação e das estratégias digitais.
Os questionamentos do livro:
A
polarização e a calcificação mudaram comportamentos da sociedade. Como as
opiniões políticas passaram a ditar com quem escolhemos e convivemos? Por que a
tolerância com a opinião divergente ficou tão curta? Por que as eleições
parecem não terminarem mais depois da proclamação do resultado? Como os modelos
de comunicação mudaram nas últimas décadas, perpassando inicialmente pelo rádio
e chegando diretamente ao eleitor pelo Whatsapp. O que fizemos de errado para chegarmos até
aqui? E o que devemos saber para evitar que isso não se repita? É possível
reconstruir o Brasil?
O livro trata:
De
forma bastante profunda e pautada por pesquisas realizadas pelo instituto de
pesquisa Quaest (2021 e 2022), e contratado pela Genial Investimentos para a
mais longa série de pesquisas presenciais e domiciliares sobre o comportamento
do eleitor brasileiro nos últimos anos. Como chegamos até aqui? Como o processo
de calcificação afeta diariamente a vida dos brasileiros, e o poder das mídias
sociais e suas influências no voto do eleitor. O questionamento das urnas
eletrônicas como mecanismo de anular as eleições.
O livro
Biografia do Abismo retrata de forma precisa, por meio de pesquisas realizadas
pelo Instituto Quaest, entre os anos de 2021 e 2022, o poder da calcificação
das opiniões e de um país dividido pela política. Ocorre que esse processo não
é recente, mas construído ao longo de vários anos. Retrata o canal de
informação usado por décadas para se aproximar do eleitor - o rádio. A Voz do
Brasil, utilizada como veículo de comunicação e usada por Vargas em seus
discursos.
A
desconstrução de todos os meios de comunicação e a forma tradicional de um
presidente se comunicar com a população, sendo substituída pelo canal de
comunicação do Facebook,
rompendo uma tradição de décadas. Dessa forma, eliminou-se a intermediação das
mídias tradicionais e passou a falar direto com seu eleitorado.
O livro
é organizado em sete capítulos. Os escritores explicam as fortes mudanças na
comunicação de campanha e pós-campanha, e a mudança no eleitorado brasileiro. A
formação do seguidor orgânico que nada mais é do que o militante partidário dos
tempos modernos anteriores à internet.
A eleição de 2022 foi a primeira em que um ex-presidente e um presidente se
enfrentaram. Foi a primeira que o presidente não se reelegeu.
Os
autores consideram que em 2022 ocorreu um alinhamento do eleitorado brasileiro
frente às eleições de 2018. Consideram um fator nunca antes acontecido no
cenário brasileiro, o que denominam de ubiquidade, a faculdade de estar em
todos os lugares, quando se falava em eleições. Em todos os ambientes, só se
falava na eleição mais disputada do Brasil. Amizades foram rompidas, familiares
e grupos de WhatsApp
bloqueados.
A
chamada terceira via nunca teve chance nesse cenário. Para realinhar o Brasil,
foi preciso formar uma grande frente ampla pela democracia, e unir, inclusive o
candidato do PSDB Geraldo Alckmin. Para ser vice-presidente, Alckmin
desfiliou-se do PSDB (partido que foi fundador), e filiou-se no PSB. Dessa
forma, e nessa composição, foi possível formar a frente ampla pela democracia.
Nesse ciclo de realinhamento, contamos com a eleição mais disputada desde 1989.
Naquele
ano, Collor venceu as eleições por 53,03% contra 46,97% para Lula. Desde o
período da redemocratização, tivemos três eleições mais competitivas no Brasil,
a saber: 1989,2014 e 2022. Como os autores destacam, eleições acirradas tendem
a produzir marcas profundas, e um ambiente propicio para desacreditar nas urnas
eletrônicas, e colocar em risco o resultado final.
Mesmo
com todo esforço produzido com a utilização da máquina administrativa,
transferência de renda taxistas, adiantamento do 13º salário, saques do FGTS,
reajuste do auxilio Brasil e outros, não foram suficientes para reeleger
Bolsonaro. Todo o esforço negacionista feito por Bolsonaro em face de a
pandemia, só trabalhou contra ele mesmo, tornando-o inelegível até 2030. Por
outro lado, o então candidato às eleições de 2022, sempre se mostrou favorável
à ciência e em pró da vacina. Aspectos esses que mudaram o rumo do Brasil,
tendo em vista ser um país de referência em campanhas de vacinação.
Para os
pesquisadores, longos anos de propagação de ódio e Fake News, produziram uma sociedade sedimentada e favorável ao
antipetismo. Perante as análises feitas pelos autores, a eleição de 2022 é a
mais surpreendente na disseminação de ódio, amores e medos. A única eleição que
adentrou nas casas, bares, jantares, lojas, mercados, enfim, em toda a vida dos
brasileiros. Amizades se findaram, casamentos se romperam, pessoas não mais se
encontraram.
Esse é
o cenário que antecedeu e preponderou após as eleições até os dias atuais. Para
os escritores, essas últimas eleições foram as mais acirradas a se comprar
apenas com as eleições de 1989. Período aquele, em que o Brasil passava por um
processo de redemocratização após 20 anos de ditadura militar. Afirmam ainda,
que a performance do então Presidente
Jair Bolsonaro declinou com o negacionismo e a indicação de uso de medicamento
nunca indicados para o combate ao COVID 19, levando-o a ser o único Presidente
da República a perder um pleito eleitoral de reeleição.
Outro
ponto importante foi o ataque constante às urnas eletrônicas, a mesma que o
elegeu. Embora sob os ataques direto do presidente e seus aliados, ficou
comprovado a segurança do sistema eleitoral brasileiro, inclusive sob o aval
das Forças Armadas. Chegamos às eleições de outubro de 2022 destroçados, ainda
pelas eleições de 2018, construída a partir do Golpe de 2016. Foram seis anos
de construção de uma máquina do ódio, refletida diretamente no antes e
pós-eleições. O Brasil toma seu rumo. O Presidente Lula sobe a rampa nos braços
do povo.
É um
sinal de novos templos. Será? Ambos os lados acreditam em países tão
diferentes, que é impossível imaginar como, nós, 215 milhões de habitantes
compartilhamos o mesmo espaço. Ao contrário de um presidente negacionista, o
então Presidente eleito reforça os programas sociais e investe na educação.
A
distopia chegou à sala de aula, aos ambientes a serem frequentados, aos bares e
restaurante, e aos serviços, sejam quais forem. Entre as pesquisas, um dos
pontos bastante interessante foi que 32% dos eleitores de Lula e Bolsonaro
disseram acreditar que não reatariam as amizades perdidas na campanha. O ato de
consumir, seja produtos, serviços ou bens, se tornou, também, um ato político.
Como já
era de esperar, com a forte campanha da Primeira Dama Michelle Bolsonaro, a
religião também virou uma mercadoria. Nunca em nossa história política, a
religião foi tanto manipulada. Em uma sociedade calcificada, a polarização não
permite diálogos, tornando-se impossível o debate político ou religioso. As
democracias sobreviveram até o século XXI, na busca constante pela tolerância,
diálogo e respeito mútuo.
Adjetivos
que vieram à tona e foram muito questionados, em todos os países em que a
extrema direita concorreu às eleições, vencendo ou perdendo. Ainda sobre a
calcificação, a herança mais difícil deixada pelo governo de Bolsonaro foi polarização
das políticas públicas. Campanhas de vacinação, fiscalização de crimes
ambientais, aplicação do ENEN e muito mais, além, é claro, das decisões do STF
que passaram a ser questionáveis por suspeita de parcialidade, a todo o tempo.
Os
poderes constituídos, presidente, governadores, jornalistas, senadores, possuem
uma responsabilidade absoluta de atenuar os efeitos da polarização extrema, e
ao cidadão individualmente de conviver com a diversidade. Ainda, sobre a
calcificação, importante termos os limites do que é opinião pública e do que é
intolerância política. Delinear é fundamental, para enfrentar a polarização
política que está transbordando para o cotidiano brasileiro.
Conclusões:
Após 80
anos do discurso de Franklin D. Roosevelt, em que destacou que a democracia é
resumida por quatro princípios balizadores, a saber: a liberdade de expressão,
a liberdade de religião, a liberdade de ter uma vida digna e a liberdade do
medo. Passados oitenta anos de seu discurso, as premissas para uma sociedade
tolerante ainda são as mesmas.
Para o
estado se manter firme e guardião da democracia, nos meses seguintes ao 08 de
janeiro de 2023, o STF iniciou seus primeiros julgamentos contra os envolvidos
nos atos antidemocráticos. Até os políticos que poderiam ser favorecidos pelos
atos golpistas, se recolheram.
O
consenso é essencial para demarcar um cordão sanitário entre a divergência
política salutar da democracia e o golpismo. Em uma das decisões históricas do
STF sobre os atos golpistas, o Ministro do STF, Alexandre de Moraes é
categórico:
“Não
existe aqui liberdade de manifestação para atentar contra a democracia para
pedir ato institucional número 5, para pedir a volta da tortura, para pedir a morte
de inimigos políticos, os comunistas, para pedir intervenção militar. Isso é
crime”, disse em sua decisão.
O
Brasil continua dividido. Passaram-se 15 meses desde a posse do Presidente
Lula, e o país continua dividido. Chegada as eleições municipais, a que se
preocupar, pois a democracia, não somente a brasileira está adoecida. Em
resposta ao questionamento do Ministro do STF sobre o 8 de janeiro de 2023,
Gilmar Mendes: “O que devemos fazer para evitar que isso se repita?”.
Os
autores respondem: mais democracia. Uma análise bastante interessante foi feita
por um teórico holandês Cass Mudde, “o renascimento da extrema-direita foi
resultado de três eventos impactantes do século 21: os ataques terroristas a
Nova York em 2021, a recessão econômica após o crack financeiro de 2008 e a chegada à Europa, a partir de 2015, de
centenas de milhares de refugiados de países árabes. Segundo o teórico, esses
eventos afetaram as democracias ocidentais.
Dessa
forma, partidos xenofóbicos, homofóbicos, deram voz ao discurso da extrema
direita na Europa e no mundo. Para finalizar, os autores ilustram por
intermédio de uma peça de teatro de 1944, de Jean-Paul Sartre, o cotidiano
atual e nossa sociedade. A peça denominada de Entre quatro paredes, retrata
quatro personagens e um quarto sem janelas, mas com um espelho.
Ambos
são obrigados a ficarem juntos, após a morte, como uma representação do que se
denomina inferno. “O quarto fechado representa a falta de saída para os
personagens, enquanto o espelho é o símbolo da ilusão do que cada qual acha que
é. Trata-se de um inferno sem diabos nem tridentes, no qual o sofrimento é
infligido pela incapacidade que cada um tem de fugir ao olhar e ao julgamento
dos outros. A peça é uma alegoria da vida em sociedade e da incapacidade que
todos têm de fugir ao olhar e ao julgamento alheios”.
Em
resumo, o texto aborda diversos aspectos políticos, sociais e culturais do
Brasil contemporâneo, apresentando uma análise crítica e reflexiva sobre as
transformações e desafios enfrentados pela sociedade brasileira.
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