* Por Silvane de Almeida
Campos
Introdução
O
conhecimento local conhecido também como conhecimento popular, tradicional,
empírico e autóctone é a informação que as populações, numa determinada
comunidade, desenvolveram ao longo do tempo. É importante ressaltar o sentido
etimológico da palavra tradição que vem do latim e significa entregar, passar
algo para outra pessoa, ou passar algo de uma geração a outra geração.
A
Agroecologia é uma ciência que apresenta uma série de princípios, conceitos e
metodologias para estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar
agroecossistemas com o propósito de permitir a implantação e o desenvolvimento
de estilos de agricultura com maiores níveis de sustentabilidade ambiental,
social e econômica. Proporciona as bases científicas para apoiar o processo de
transição para uma agricultura "sustentável" nas suas diversas
manifestações. Sistematizam os esforços em se produzir uma agricultura que seja
socialmente justa, economicamente viável e ecologicamente sustentável,
preocupando-se com a otimização do agroecossistema como um todo. Isso implica
maior ênfase no conhecimento, análise e interpretação das complexas interações
existentes entre as pessoas, os cultivos, os solos e os animais, sendo
extremamente necessário unir o conhecimento científico ao conhecimento empírico
dos produtores/agricultores.
Desenvolvimento
Essa
tipologia de conhecimento é baseada na experiência, adaptado à cultura e
ambiente local, encontra-se em constante desenvolvimento. É utilizada para
sustentar a comunidade, sua cultura e os recursos genéticos necessários a
sobrevivência desta. Inclui inventários mentais dos recursos biológicos locais,
raças de animais, culturas e espécies arbóreas locais. Pode incluir informação a
respeito de árvores e plantas que se desenvolvem consorciadas; de plantas indicadoras
que revelam a salinidade do solo; métodos de tratamento e armazenamento de
sementes, e insumos para o plantio e colheita. Engloba sistemas de crenças que
desempenham papel fundamental na subsistência das populações, na manutenção da
saúde e na proteção e renovação do ambiente. Este conhecimento é dinâmico e
pode incluir a experimentação de novas plantas ou espécies de árvores nos
sistemas agrícolas existentes ou testar novas plantas medicinais pelos
curandeiros tradicionais.
O conhecimento popular é considerado propriedade
de toda a comunidade e não pertence a nenhum indivíduo particularmente. Podemos
distinguir entre:
1-O conhecimento comum: detido pela
maioria da população numa comunidade (a maioria das pessoas sabe como cozinhar
arroz ou alimentos locais básicos).
2-O conhecimento partilhado: detido
por muitas pessoas, mas não por todos os membros da comunidade (aldeões que
criam gado conhecem os cuidados básicos que devem ser prestados aos animais).
3-O conhecimento especializado: detido
por poucas pessoas que tiveram uma aprendizagem ou formação especial (curandeiros,
ferreiros, parteiras).
A
transferência de conhecimentos irá acontecer de diferentes maneiras. Muito do
conhecimento comum é partilhado nas atividades diárias com os outros membros da
família e vizinhos. Durante o trabalho e as interações diárias, as crianças observam
e experienciam o conhecimento detido pelos mais velhos e pelos membros da
família e adquirem-no ao longo do tempo. Os mercados e moinhos comunitários são
locais importantes onde a partilha destas informações acontece. Já a
transmissão do conhecimento partilhado e especializado realiza-se através de
mecanismos específicos de troca de informações culturais e tradicionais,
podendo ser mantida e transmitida oralmente através dos mais velhos ou
especialistas e é, geralmente, apenas partilhado com poucas pessoas
selecionadas na comunidade.
O
conhecimento local está integrado nas estruturas sociais. Diferentes grupos de
pessoas como etnias, clãs, gêneros, grupos etários e condição social podem
possuir tipos de conhecimento diferentes. Esse conhecimento está relacionado
com diferenças existentes que dizem respeito ao acesso ou controle dos recursos
para a produção; acesso à educação, formação e informação em geral; divisão de
trabalho entre homens e mulheres, agricultores e pastores, e controle sobre os
benefícios da produção.
As
mulheres e os homens geralmente possuem capacidades e conhecimentos diferentes
das condições locais e vida cotidiana. As mulheres são utilizadoras e
processadoras importantes dos recursos naturais para a subsistência humana. Muitas
vezes, elas detêm o conhecimento local para a gestão sustentável dos recursos
que são fundamentais no manejo agroecológico. Em muitas sociedades as mulheres
têm a responsabilidade de produzir e colher alimentos; assegurar água, combustível
e medicamentos; fornecer dinheiro para a educação, saúde e outras necessidades da
família. Elas contribuem muito do trabalho e da tomada de decisões diárias
referente à produção de culturas e criação de animais. Os homens detêm maior
conhecimento de assuntos de produção.
O
conhecimento popular e as diferenças de gênero relacionadas podem ser vistas
como um fator chave para definir e influenciar a diversidade de plantas e
animais. As práticas de seleção, gestão e uso dos recursos genéticos dos
agricultores desempenharam um papel importante na conservação da biodiversidade
agrícola fundamental para a Agroecologia.
A
gestão continuada destes recursos vai desempenhar um papel significativo para o
sucesso de estratégias futuras de conservação da agrobiodiversidade em várias
situações:
Ø A inclusão do conhecimento local na colheita
e identificação ajudará a identificar culturas/variedades que estão prestes à extinção
e que são importantes para grupos de agricultores particulares.
Ø O conhecimento local é relevante para uma
melhor compreensão do potencial de variedades/raças específicas. Inclui
adaptações específicas, resistência a fatores de estresse e algumas
características de qualidade.
Ø Na introdução de variedades/raças adaptadas e
programas participativos de criação.
Ø O conhecimento local pode contribuir para a
seleção de locais e participantes relevantes na elaboração de estratégias para
a conservação.
A
idade é outro fator importante que influencia o conhecimento local. As pessoas
mais jovens geralmente subestimam o conhecimento das plantas medicinais
alegando, que os medicamentos tradicionais raramente trazem elevados
rendimentos econômicos aos seus praticantes. Neste contexto, torna-se
fundamental conscientizar os jovens da importância de se resgatar, preservar e
utilizar o conhecimento sobre estas plantas.
Através
da articulação do saber local com o conhecimento científico é possível
implementar uma agricultura agroecológica potencializadora da biodiversidade
ecológica e da diversidade sócio-cultural. Deve-se trabalhar os métodos e as
tecnologias obtidas através da pesquisa científica em conjunto com as técnicas
desenvolvidas pelos agricultores. É necessário conhecer as principais
dificuldades enfrentadas por eles, suas pretensões futuras e como os produtores
que estão migrando para um modelo de base agroecológica estão lidando com esta
transição. Por intermédio de pesquisas interdisciplinares em direta interação
com os conhecimentos empíricos dos agricultores podem ser desenvolvidos e
aplicados métodos que reduzam a dependência de insumos externos à propriedade e
seus efeitos sobre o ambiente, permitindo a manutenção sustentável dos
agricultores e de suas comunidades.
A
Agroecologia constitui-se de movimentos de construção do conhecimento. Propõe
gerar conhecimentos e métodos inovadores e estratégias de recontextualização
entre conhecimentos consagrados e novos. O conhecimento popular foi o
fundamento de toda a evolução da agricultura durante vários séculos. Por estar
fortemente vinculada a fontes ancestrais de conhecimento, a Agroecologia valoriza
o saber popular como fonte de inspiração para modelos que possam ter validade
nas condições atuais. A valorização destes conhecimentos não desautoriza o
método científico e, ao contrário, considera a grande importância das duas
fontes e a relação positiva entre elas. Portanto, considera-se que o “saber local” não é um simples contraponto do saber
“científico”, pois também inclui conhecimento cultural e técnico, e está
interligado às habilidades sociais e políticas dos povos.
Deste modo, o adjetivo “local”
satisfaz a necessidade de levar em conta o ambiente local e a participação em
estratégias de desenvolvimento, valorizando as soluções técnicas locais, as
habilidades e as instituições locais, bem como os esforços para conferir maior
visibilidade e articular os problemas vividos por grupos sociais minoritários e
marginalizados.
A troca de conhecimentos e a aplicação desses
conhecimentos de acordo com as especificidades de cada propriedade são
elementos fundamentais para o agricultor se interar do funcionamento da produção
agroecológica. Num segundo momento, a informação e participação em cursos,
eventos, encontros, visitas de campo, só vem a enriquecer seu potencial para
produzir melhor com a Agroecologia. O saber tradicional é uma das bases do
conhecimento agroecológico. O conhecimento histórico de quem sabe a evolução do
ambiente, as espécies nativas, a resistência das produções é fundamental para
aplicação nos agroecossistemas. Os produtores/agricultores são os multiplicadores
agroecológicos que possuem experiência e são convidados a disseminar seu
conhecimento para outras comunidades e regiões por meio de palestras. Recebem
pessoas nas suas propriedades. Pessoas interessadas em conhecer o processo
produtivo da agroecologia entre técnicos agrícolas ou apenas agricultores.
O envolvimento de agricultores e
agricultoras na pesquisa é essencial para o avanço do conhecimento. Não
integrar estes atores sociais no processo investigativo em agroecologia estaria
subestimando a inteligência criativa presente nas comunidades rurais, além do
que estes são eficientes disseminadores de conhecimentos em suas redes locais
de sociabilidade e novos conhecimentos representam novos insumos para a
inovação local.
Considerações
finais
Portanto,
o conhecimento local é transmitido de uma maneira participativa trazendo
benefícios a toda a comunidade. Devido à sua natureza dinâmica, muda e
desenvolve-se constantemente. A valorização do conhecimento e das práticas de
manejo dos agricultores familiares em aliança com os cientistas partem do
princípio de que os dois conhecimentos – científico e local – são igualmente
importantes num sistema agroecológico. Assim não é só o cientista, o agrônomo e o
técnico que sabem. Todos sabem um pouquinho e todos podem ensinar.
ü Depoimento
de um agricultor do assentamento Escalvado, Itapipoca-CE, demonstrando seu
conhecimento tradicional:
“Muito
antes de conhecer o conceito de agroecologia já a praticava, pois no dia-a-dia
percebia que se não cuidasse bem da terra ela não produziria mais. Abandonei a
monocultura de grãos e passei a dedicar à horticultura, trabalhando com 14
variedades além do que produzia para o próprio consumo (batata doce, mamão,
macaxeira, acerola, alho). Utilizo a cinza da madeira e do carvão como adubo
natural e o esterco de galinha e de cabra para o preparo dos compostos
orgânicos. Tenho uma variedade de defensivos naturais, pois cada planta tem uma
praga diferente e sempre utilizo o nim e o pé de fumo para proteger meus
canteiros. Recolho sacos plásticos no assentamento para fazer minhas mudas. A
consciência agroecológica despertou em mim a luta por melhores condições de
vida para os moradores do Escalvado”. (G. M. S.)
* Técnica em Meio Ambiente e
Bacharelada em Agroecologia pelo IF Sudeste MG campus RIO POMBA. E-mail: silvaneacampos@yahoo.com.br.
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