quinta-feira, 9 de agosto de 2012

A Agroecologia também valoriza o conhecimento local




* Por Silvane de Almeida Campos


Introdução
                O conhecimento local conhecido também como conhecimento popular, tradicional, empírico e autóctone é a informação que as populações, numa determinada comunidade, desenvolveram ao longo do tempo. É importante ressaltar o sentido etimológico da palavra tradição que vem do latim e significa entregar, passar algo para outra pessoa, ou passar algo de uma geração a outra geração. 

                                      A Agroecologia é uma ciência que apresenta uma série de princípios, conceitos e metodologias para estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas com o propósito de permitir a implantação e o desenvolvimento de estilos de agricultura com maiores níveis de sustentabilidade ambiental, social e econômica. Proporciona as bases científicas para apoiar o processo de transição para uma agricultura "sustentável" nas suas diversas manifestações. Sistematizam os esforços em se produzir uma agricultura que seja socialmente justa, economicamente viável e ecologicamente sustentável, preocupando-se com a otimização do agroecossistema como um todo. Isso implica maior ênfase no conhecimento, análise e interpretação das complexas interações existentes entre as pessoas, os cultivos, os solos e os animais, sendo extremamente necessário unir o conhecimento científico ao conhecimento empírico dos produtores/agricultores.

Desenvolvimento

                Essa tipologia de conhecimento é baseada na experiência, adaptado à cultura e ambiente local, encontra-se em constante desenvolvimento. É utilizada para sustentar a comunidade, sua cultura e os recursos genéticos necessários a sobrevivência desta. Inclui inventários mentais dos recursos biológicos locais, raças de animais, culturas e espécies arbóreas locais. Pode incluir informação a respeito de árvores e plantas que se desenvolvem consorciadas; de plantas indicadoras que revelam a salinidade do solo; métodos de tratamento e armazenamento de sementes, e insumos para o plantio e colheita. Engloba sistemas de crenças que desempenham papel fundamental na subsistência das populações, na manutenção da saúde e na proteção e renovação do ambiente. Este conhecimento é dinâmico e pode incluir a experimentação de novas plantas ou espécies de árvores nos sistemas agrícolas existentes ou testar novas plantas medicinais pelos curandeiros tradicionais.

                    O conhecimento popular é considerado propriedade de toda a comunidade e não pertence a nenhum indivíduo particularmente. Podemos distinguir entre:

1-O conhecimento comum: detido pela maioria da população numa comunidade (a maioria das pessoas sabe como cozinhar arroz ou alimentos locais básicos).

2-O conhecimento partilhado: detido por muitas pessoas, mas não por todos os membros da comunidade (aldeões que criam gado conhecem os cuidados básicos que devem ser prestados aos animais).

3-O conhecimento especializado: detido por poucas pessoas que tiveram uma aprendizagem ou formação especial (curandeiros, ferreiros, parteiras).

                A transferência de conhecimentos irá acontecer de diferentes maneiras. Muito do conhecimento comum é partilhado nas atividades diárias com os outros membros da família e vizinhos. Durante o trabalho e as interações diárias, as crianças observam e experienciam o conhecimento detido pelos mais velhos e pelos membros da família e adquirem-no ao longo do tempo. Os mercados e moinhos comunitários são locais importantes onde a partilha destas informações acontece. Já a transmissão do conhecimento partilhado e especializado realiza-se através de mecanismos específicos de troca de informações culturais e tradicionais, podendo ser mantida e transmitida oralmente através dos mais velhos ou especialistas e é, geralmente, apenas partilhado com poucas pessoas selecionadas na comunidade.

                O conhecimento local está integrado nas estruturas sociais. Diferentes grupos de pessoas como etnias, clãs, gêneros, grupos etários e condição social podem possuir tipos de conhecimento diferentes. Esse conhecimento está relacionado com diferenças existentes que dizem respeito ao acesso ou controle dos recursos para a produção; acesso à educação, formação e informação em geral; divisão de trabalho entre homens e mulheres, agricultores e pastores, e controle sobre os benefícios da produção.

                As mulheres e os homens geralmente possuem capacidades e conhecimentos diferentes das condições locais e vida cotidiana. As mulheres são utilizadoras e processadoras importantes dos recursos naturais para a subsistência humana. Muitas vezes, elas detêm o conhecimento local para a gestão sustentável dos recursos que são fundamentais no manejo agroecológico. Em muitas sociedades as mulheres têm a responsabilidade de produzir e colher alimentos; assegurar água, combustível e medicamentos; fornecer dinheiro para a educação, saúde e outras necessidades da família. Elas contribuem muito do trabalho e da tomada de decisões diárias referente à produção de culturas e criação de animais. Os homens detêm maior conhecimento de assuntos de produção.

                O conhecimento popular e as diferenças de gênero relacionadas podem ser vistas como um fator chave para definir e influenciar a diversidade de plantas e animais. As práticas de seleção, gestão e uso dos recursos genéticos dos agricultores desempenharam um papel importante na conservação da biodiversidade agrícola fundamental para a Agroecologia.   

           A gestão continuada destes recursos vai desempenhar um papel significativo para o sucesso de estratégias futuras de conservação da agrobiodiversidade em várias situações:

Ø  A inclusão do conhecimento local na colheita e identificação ajudará a identificar culturas/variedades que estão prestes à extinção e que são importantes para grupos de agricultores particulares.
Ø  O conhecimento local é relevante para uma melhor compreensão do potencial de variedades/raças específicas. Inclui adaptações específicas, resistência a fatores de estresse e algumas características de qualidade.
Ø  Na introdução de variedades/raças adaptadas e programas participativos de criação.
Ø  O conhecimento local pode contribuir para a seleção de locais e participantes relevantes na elaboração de estratégias para a conservação.
                    
            A idade é outro fator importante que influencia o conhecimento local. As pessoas mais jovens geralmente subestimam o conhecimento das plantas medicinais alegando, que os medicamentos tradicionais raramente trazem elevados rendimentos econômicos aos seus praticantes. Neste contexto, torna-se fundamental conscientizar os jovens da importância de se resgatar, preservar e utilizar o conhecimento sobre estas plantas.

                   Através da articulação do saber local com o conhecimento científico é possível implementar uma agricultura agroecológica potencializadora da biodiversidade ecológica e da diversidade sócio-cultural. Deve-se trabalhar os métodos e as tecnologias obtidas através da pesquisa científica em conjunto com as técnicas desenvolvidas pelos agricultores. É necessário conhecer as principais dificuldades enfrentadas por eles, suas pretensões futuras e como os produtores que estão migrando para um modelo de base agroecológica estão lidando com esta transição. Por intermédio de pesquisas interdisciplinares em direta interação com os conhecimentos empíricos dos agricultores podem ser desenvolvidos e aplicados métodos que reduzam a dependência de insumos externos à propriedade e seus efeitos sobre o ambiente, permitindo a manutenção sustentável dos agricultores e de suas comunidades.

                   A Agroecologia constitui-se de movimentos de construção do conhecimento. Propõe gerar conhecimentos e métodos inovadores e estratégias de recontextualização entre conhecimentos consagrados e novos. O conhecimento popular foi o fundamento de toda a evolução da agricultura durante vários séculos. Por estar fortemente vinculada a fontes ancestrais de conhecimento, a Agroecologia valoriza o saber popular como fonte de inspiração para modelos que possam ter validade nas condições atuais. A valorização destes conhecimentos não desautoriza o método científico e, ao contrário, considera a grande importância das duas fontes e a relação positiva entre elas. Portanto, considera-se que o “saber local” não é um simples contraponto do saber “científico”, pois também inclui conhecimento cultural e técnico, e está interligado às habilidades sociais e políticas dos povos. 

                Deste modo, o adjetivo “local” satisfaz a necessidade de levar em conta o ambiente local e a participação em estratégias de desenvolvimento, valorizando as soluções técnicas locais, as habilidades e as instituições locais, bem como os esforços para conferir maior visibilidade e articular os problemas vividos por grupos sociais minoritários e marginalizados.

          A troca de conhecimentos e a aplicação desses conhecimentos de acordo com as especificidades de cada propriedade são elementos fundamentais para o agricultor se interar do funcionamento da produção agroecológica. Num segundo momento, a informação e participação em cursos, eventos, encontros, visitas de campo, só vem a enriquecer seu potencial para produzir melhor com a Agroecologia. O saber tradicional é uma das bases do conhecimento agroecológico. O conhecimento histórico de quem sabe a evolução do ambiente, as espécies nativas, a resistência das produções é fundamental para aplicação nos agroecossistemas. Os produtores/agricultores são os multiplicadores agroecológicos que possuem experiência e são convidados a disseminar seu conhecimento para outras comunidades e regiões por meio de palestras. Recebem pessoas nas suas propriedades. Pessoas interessadas em conhecer o processo produtivo da agroecologia entre técnicos agrícolas ou apenas agricultores. 

                O envolvimento de agricultores e agricultoras na pesquisa é essencial para o avanço do conhecimento. Não integrar estes atores sociais no processo investigativo em agroecologia estaria subestimando a inteligência criativa presente nas comunidades rurais, além do que estes são eficientes disseminadores de conhecimentos em suas redes locais de sociabilidade e novos conhecimentos representam novos insumos para a inovação local.

Considerações finais

                Portanto, o conhecimento local é transmitido de uma maneira participativa trazendo benefícios a toda a comunidade. Devido à sua natureza dinâmica, muda e desenvolve-se constantemente. A valorização do conhecimento e das práticas de manejo dos agricultores familiares em aliança com os cientistas partem do princípio de que os dois conhecimentos – científico e local – são igualmente importantes num sistema agroecológico. Assim não é só o cientista, o agrônomo e o técnico que sabem. Todos sabem um pouquinho e todos podem ensinar. 

ü  Depoimento de um agricultor do assentamento Escalvado, Itapipoca-CE, demonstrando seu conhecimento tradicional:


“Muito antes de conhecer o conceito de agroecologia já a praticava, pois no dia-a-dia percebia que se não cuidasse bem da terra ela não produziria mais. Abandonei a monocultura de grãos e passei a dedicar à horticultura, trabalhando com 14 variedades além do que produzia para o próprio consumo (batata doce, mamão, macaxeira, acerola, alho). Utilizo a cinza da madeira e do carvão como adubo natural e o esterco de galinha e de cabra para o preparo dos compostos orgânicos. Tenho uma variedade de defensivos naturais, pois cada planta tem uma praga diferente e sempre utilizo o nim e o pé de fumo para proteger meus canteiros. Recolho sacos plásticos no assentamento para fazer minhas mudas. A consciência agroecológica despertou em mim a luta por melhores condições de vida para os moradores do Escalvado”. (G. M. S.)

* Técnica em Meio Ambiente e Bacharelada em Agroecologia pelo IF Sudeste MG campus RIO POMBA. E-mail: silvaneacampos@yahoo.com.br.

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