sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

A mineração brasileira e seu novo crime ambiental




* Maurício Novaes Souza

Não é notícia repetida: uma nova barragem da mineradora Vale se rompeu hoje à tarde (25/01/2019) na cidade mineira de Brumadinho, situada na região metropolitana de Belo Horizonte, causando uma avalanche de lama e rejeitos de minério de ferro (aproximadamente 1,3 milhão de toneladas) que soterrou parte da comunidade da Vila Ferteco, área rural do município, às margens do rio Paraopeba. Segundo a Vale, em torno de 300 funcionários atuavam no local no momento quando ocorreu o rompimento da barragem na Mina Feijão, que estava desativada desde 2015.

O Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil do Estado trabalham na busca e resgate de feridos e ainda são imprecisos o número de mortos e desaparecidos (até o início da noite já havia, infelizmente, 7 mortos confirmados). O novo desastre ambiental (não seria oportuno utilizar a expressão CRIME AMBIENTAL???) com uma barragem da mineradora Vale ocorre pouco mais de três anos após o trágico rompimento de uma das lagoas de rejeito da Samarco, em Mariana.

O caso emblemático que ocorreu no dia 5 de novembro de 2015, quando uma das barragens de rejeito da mineradora SAMARCO (controlada pela Vale e BHP Biliton), rompeu-se, continua sem solução! Cerca de 32 milhões de m³ de minério de ferro altamente contaminante (equivalente a 20.000 piscinas olímpicas de rejeitos), invadiram rios e municípios, degradando-os: 700 km de curso de água foram afetados, principalmente o Rio Doce. De acordo com um comunicado da Organização das Nações Unidas (ONU), três anos depois da tragédia, as medidas tomadas pela empresa podem ser assim classificadas: “São simplesmente insuficientes para lidar com as massivas dimensões dos custos humanos e ambientais decorrentes desse colapso, que tem sido caracterizado como o pior desastre socioambiental da história do país”.

É assustador o descaso dessa e de tantas outras empresas, posto que as leis que tratam do meio ambiente no Brasil estão entre as mais completas e avançadas do mundo. Até meados dos anos da década de 1990, a legislação cuidava separadamente dos bens ambientais de forma não relacionada. Com a aprovação da Lei de Crimes Ambientais (Lei Nº 9.605 de 13 de fevereiro de 1998), a sociedade brasileira, os órgãos ambientais e o Ministério Público passaram a contar com um mecanismo para punição aos infratores do meio ambiente. Em seu Capítulo I, nas Disposições Gerais, diz:

Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.

Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Como se pode observar nos dois artigos citados, a Lei de Crimes Ambientais reordenou a legislação ambiental brasileira no que se refere às infrações e punições. Uma das maiores inovações foi apontar que a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras da infração. No entanto, mais do que os avanços representados pela lei, o Brasil carece de mecanismos de fiscalização e apuração dos crimes. Ou seja, o Brasil possui um conjunto de leis ambientais consideradas excelentes, mas que nem sempre são adequadamente aplicadas, por inexistirem recursos e capacidades técnicas para executar a lei plenamente em todas as unidades federativas.

O IBAMA e os órgãos estaduais de meio ambiente atuam na fiscalização e na concessão de licença ambiental antes da instalação de qualquer empreendimento ou atividade que possa causar poluição e degradação. O IBAMA atua principalmente no licenciamento de grandes projetos de infraestrutura que envolvam impactos em mais de um estado e nas atividades do setor de petróleo e gás; já os Estados cuidam dos licenciamentos de menor porte. Contudo, dadas as dimensões de nosso País, a difícil acessibilidade e o reduzido número de agentes dos referidos órgãos, a fiscalização é muito deficiente.

Fontes extraoficiais comentam que o último concurso para o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) foi em 2009 – 10 anos atrás. Asseguram ainda que são quatro (4) funcionários pra fiscalizar 450 barragens em todo o Estado de Minas Gerais. Contudo, há denúncias de corrupção de funcionários e grandes pressões dos grupos empresarias que atuam no setor. O resultado é essa tragédia anunciada: estima-se que poderão ocorrer outros graves acidentes nos próximos cinco (5) anos. Certificam também que a equipe de fiscalização em determinadas localidades é pequena ou inexistente. Além disso, as empresas não querem gastar com barragem - é "gasto sem retorno". Isso é comprovado por pesquisa americana que revelou, em todo o mundo, nos anos em que o preço do minério decresce, os lucros são reduzidos, como consequência, os acidentes aumentam!!!

No caso da SAMARCO, o Ministério Público Federal apontou 22 pessoas das empresas responsáveis pela barragem. Eles estão respondendo por crimes de inundação, lesão corporal, desabamento e crimes ambientais, além de homicídio qualificado com dolo eventual (quando se assume o risco de matar). Entretanto, ainda são necessárias medidas preventivas que impeçam que tais eventos ocorram. O Relatório de Segurança de Barragens 2015 apontou que das 17.359 barragens cadastradas na Agência Nacional de Águas (ANA), apenas 4% foram fiscalizadas. Segundo o órgão, as 43 unidades fiscalizadoras não dão conta de atender toda a estrutura. A barragem de Fundão, vinculada ao desastre de Mariana, tinha sido classificada como categoria de baixo risco e alto dano potencial associado pelo Departamento de Produção Mineral (DNPM), vinculado ao Ministério de Minas e Energia. O Relatório do Tribunal de Contas da União, de setembro de 2016, confirma que o DNPM não foi capaz de fazer a Samarco cumprir os padrões exigidos pela Política Nacional de Segurança de Barragens, a Lei 12.334/2010.

Para agravar ainda mais a situação, enquanto o desastre de Mariana (MG) avançava pelo país, o projeto do senador Romero Jucá (PMDB-RR), de flexibilizar a concessão de licença ambiental para grandes obras no país, foi aprovado. A licença, que era dada em um tempo médio de 5 anos, passou a ter o prazo de 180 dias, diminuindo a burocracia e também a segurança das obras. Por pressão, as obras de mineração ficaram fora do documento, mas os sistemas aeroviários, viário, hidroviário, ferroviário, de portos, instalações portuárias, telecomunicações e energia ainda se beneficiam. A lei já não era severa em relação às causas ambientais. Segundo relatórios do IBAMA, de cada 100 reais de multas que o órgão aplica aos que infringiram regras ambientais, desde 2011, menos de três reais entram nos caixas do Governo Federal - um documento do próprio órgão, de 2017, traz um panorama das autuações feitas entre 2005 e 2010 - o porcentual médio de multas pagas no período foi de 0,75%. As empresas encontram subterfúgio em diversos recursos judiciais e a lentidão do maquinário jurídico para finalizar os processos proporciona que a maioria saia impune.

Nesse momento, o Presidente Jair Bolsonaro lamentou o ocorrido por meio de notas em suas redes sociais em cadeia nacional de televisão, afirmando: "Nossa maior preocupação neste momento é atender eventuais vítimas desta grave tragédia". O Governo ativou um gabinete de crise, coordenado pelos ministérios do Desenvolvimento Regional e do Meio Ambiente. O presidente irá ao local do desastre amanhã, 26 de janeiro.

O presidente da Vale, Fabio Schvartsman, disse em entrevista coletiva em rede de TV, no Rio de Janeiro, que a barragem que se rompeu em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, estava inativa e sem receber rejeitos há três anos. Segundo ele, laudos apontavam um risco baixo de desabamento: afirmou crer que o desastre ambiental é "possivelmente menor" que o do rompimento da barragem de Mariana, há três anos, mas a "tragédia humana" é maior.

O fato é que apesar das inúmeras iniciativas governamentais e organizacionais, os efeitos efetivos da legislação ambiental ainda são discretos: a impunidade persiste. A corrupção e tantos desmandos dos últimos governos demonstram enorme incompetência e incapacidade de resolver as demandas legais pertinentes à legislação brasileira. Agrava essa realidade, o aperto orçamentário: o Ministério do Meio Ambiente perdeu 43% da sua verba para despesas discricionárias.

No quesito de segurança, a engenharia brasileira está deixando a desejar nas barragens de lagoas de rejeitos. Inimaginável como as nossas escolas de minas, que formam profissionais específicos para atuarem nesse setor, não criaram um cerco sobre tais barragens. Mariana, que representou um marco nesse tipo de tragédia, infelizmente, não serviu de exemplo. Ao que estamos presenciando, em breve vão ocorrer situações semelhantes se nada for feito, sobretudo fiscalização séria e contínua.

O fato é que o imaginário neoliberal, presente de forma crescente em todo o mundo, reafirma a noção de que os recursos naturais são meramente matéria-prima para a indústria.  O consumo descomedido não está só presente em grandes escalas industriais, mas também nos hábitos individuais, afetando direta e indiretamente os ecossistemas. A conservação ambiental vem sendo relegada ao segundo plano; na prática, o antigo discurso da necessidade de crescimento econômico para a geração de emprego e renda prevalecem. Continua vigorando a visão imediatista, cujos resultados finais são conhecidos e previsíveis: a economia global está perdendo muito dinheiro com a destruição dos recursos naturais!!!

Faz-se necessária a ampliação da consciência ambiental em nível nacional. É um imperativo da necessidade de construção de uma nova perspectiva de desenvolvimento. Os problemas econômicos, sociais e ambientais continuam como desafios políticos e sociais a ser resolvidos para a construção desta nova sociedade, na qual se possam oportunizar novas demandas em busca do desenvolvimento sustentável de nosso país.

* Engenheiro Agrônomo, Mestre em Recuperação de Áreas Degradadas e Gestão Ambiental e Doutor em Engenharia de Água e Solo pela Universidade Federal de Viçosa. Foi professor do IF Sudeste de Minas campus Rio Pomba. Atualmente, IFES campus de Alegre. E-mail: mauriciosnovaes@yahoo.com.br.

Um comentário:

Rodrigo disse...

Excelente artigo! Parabéns!

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