* Por Maurício Novaes Souza
O dia 22 de março foi escolhido pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 22 de Fevereiro de 1993 como o “Dia Mundial da Água”. Essa escolha se deu devido à presença de grandes índices de poluição ambiental no planeta. A partir desta data, a ONU elaborou uma série de medidas cautelosas a favor da água e impôs a consciência ecológica em relação a este bem natural. Nesse mês de março, em todo o mundo, mais uma vez essa data é comemorada. Como se pergunta a todo ano, existe motivo real para comemoração? Ou teríamos pretextos suficientes para promover um dia de luto?
Apesar
do Brasil ter 12% da água doce do mundo, a crescente demanda provoca aumento da
poluição de rios, lagos e represas e pressiona fortemente os recursos hídricos.
Sabemos que a água está distribuída de forma desigual pelo País. Regiões como
São Paulo, por exemplo, têm acúmulo de população e pouca reserva de água. Já no
Amazonas, ocorre o inverso. Além disso, há a questão da exploração dos
aquíferos, pois muitos não são bem explorados, como na cidade de Manaus.
Com
o aumento da pressão sobre os recursos hídricos, a resposta da natureza será
mais lenta, provocando em determinados períodos escassez. Tudo na água se
resume a uma relação de disponibilidade e demanda. Se continuarmos utilizando
acima da disponibilidade, as reservas vão diminuir e coloraremos o
abastecimento em risco, como acontece agora na cidade de São Paulo.
Na
verdade, o modelo de desenvolvimento atual e como ele afeta as populações tem
persistido na manutenção de erros graves. É realmente uma insanidade sem
limites o que empresas e indivíduos vêm fazendo com o meio ambiente,
interferindo em sua própria sobrevivência. É isso que se pode chamar de falso
progresso (ou de desenvolvimento insustentável), mas que muitos teimam em
chamar de crescimento econômico ou desenvolvimento sustentável.
De fato, percebe-se grande desconhecimento ou mesmo ignorância que tem origem no egoísmo humano e na percepção ilusória. Dessa forma, o mundo caminha para o crescimento “deseconômico”, que segundo o ilustre economista Herman Daly, ocorre quando aumentos na produção se dão à custa do uso de recursos e sacrifícios do bem-estar que valem mais do que os bens produzidos. Isso decorre de um equilíbrio indesejável de grandezas denominadas utilidade e desutilidade. Utilidade é o nível de satisfação das necessidades e demandas da população; de fato, é o nível de seu bem-estar. Desutilidade se refere aos sacrifícios impostos pelo aumento de produção e consumo. Pode incluir o uso de força de trabalho, perda de lazer, esgotamento de recursos, exposição à poluição e concentração populacional.
Segundo Loïc Fauchon, presidente do Conselho Mundial da Água, o comportamento humano com relação ao uso deste recurso é cada vez mais irrefletido e inconsequente. É preciso que se estabeleçam metas para a elaboração de um novo modelo de desenvolvimento e crescimento econômico. Deve-se haver a pretensão de apresentar resposta para escassez do recurso água provocada pelo crescimento da população, pelo desperdício, pelo consumo excessivo e pelo aumento da necessidade de energia.
Tal análise se justifica pelo fato de que a economia e o meio ambiente estão passando por uma crise sem precedentes. Em grande parte, o principal responsável é o modelo de desenvolvimento adotado pela maioria dos países. Para agravar ainda mais a situação, a atual crise econômica mundial tem trazido como solução o estímulo ao consumo – situação ainda mais ameaçadora às atuais situações ambientais. Esse modelo visa, efetivamente, a geração de lucros imediatos, não considerando os limites do crescimento; portanto, socialmente e ambientalmente não é sustentável.
Do ponto de vista social, 20% da população mais rica utilizam ¾ dos recursos naturais, causando a sua degradação. Do ponto de vista ambiental, considerando a Pegada ecológica, verifica-se que o ambiente está sendo usado além de sua capacidade de suporte e de reposição. Na verdade, o modelo de produção e consumo são os responsáveis pelas agressões cometidas sobre os ecossistemas aquáticos, indispensáveis para a sobrevivência da humanidade. A previsão é de que a população mundial, atualmente superior a 7 bilhões de habitantes, possa chegar a nove bilhões até meados deste século, o que aumentará consideravelmente a demanda de recursos hídricos.
Segundo a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE), o número de pessoas com graves problemas para conseguir água chegará a 3,9 bilhões em 2030. A falta do saneamento nas cidades, em níveis mínimos que assegurem o bem-estar das populações, tem gerado um quadro de degradação do meio ambiente urbano sem precedentes, sendo os recursos hídricos um dos primeiros elementos integrantes da base de recursos naturais a sofrer tais efeitos.
No
Brasil, caso o consumo de água continuar no ritmo atual, em 30 anos teremos
problemas sérios de abastecimento, principalmente nas Regiões Sul e Sudeste. Em
algumas cidades já há uso competitivo da água a ponto de abastecimento público
e produção de alimentos concorrerem pelo recurso. Na verdade, falta ao País uma
cultura de gestão de água integrada e nacional, que ocorre de forma setorial,
com políticas locais, enquanto deveria ser nacional e integrada. Existem boas
iniciativas no Brasil, mas são todas pontuais e localizadas. Se fossem mais
amplas, teríamos resultados mais efetivos.
Como
consequência, e com o aumento acelerado da população, o mundo está enfrentando
intensas mudanças globais, como migração, urbanização, mudança do clima,
desertificação, seca, alteração do uso e degradação do solo, crises econômicas
e alimentares. Caso continuemos a agir dessa forma, não respeitando os limites
do crescimento, pouco restará para as gerações futuras. Como bem lembra
Leonardo Boff, caso não se cuide do planeta a partir de uma visão sistêmica e
holística, poderá submetê-lo à destruição de suas partes e inviabilizar a
própria vida. Há inúmeras evidências que existem limites para o crescimento
econômico, considerando que os recursos naturais são escassos.
A
gestão das águas deve ser realizada por bacia hidrográfica, respeitando as
características específicas de cada uma e da região em que estão. É preciso
entender como cada bacia hidrográfica funciona, relacionar disponibilidade e
demanda, analisar fontes de poluição, ter um banco de dados regional. Assim é
possível fazer uma gestão sistêmica da água. No Brasil já existem comitês de
bacias, mas eles ainda estão em fase de implantação e com andamento muito
lento.
Faz-se
necessário mudar a visão mais imediatista dos governantes por uma que contenha
uma estratégia de futuro. O professor Tundisi adverte que o modelo atual de
gestão do meio ambiente está relacionado a um tipo de economia, na qual o
capital natural não está inserido. Sabemos que há limites para o crescimento. A
Amazônia, por exemplo, tem um grande potencial hidrelétrico, mas não adianta
abarrotar a região de usinas. Isso significa que estamos trocando evolução
natural por economia. Precisa haver um equilíbrio, pois os efeitos podem ser
irreversíveis. O capital natural é algo explorável, mas dentro de limites.
Respondendo
à pergunta inicial: teve-se o que comemorar neste dia 22 de março de 2012? Não
existe motivo para pleno luto, mas é muito cedo para comemorações, apesar das
inúmeras iniciativas governamentais e organizacionais. A indústria, o comércio
e a população devem refletir sobre a necessidade urgente de abandono às
concepções anacrônicas ligadas à produção e ao consumo, adotando a
sustentabilidade sócio-ambiental nas ações públicas e privadas, em todos os
níveis, do local ao global. Essas deverão ser as propostas de um novo modelo
guiado pelos princípios do “Desenvolvimento Sustentável”.
* Engenheiro Agrônomo, Mestre em Recuperação de Áreas Degradadas, Economia e Gestão Ambiental, e Doutor em Engenharia de Água e Solo. É professor do IF Sudeste MG campus Rio Pomba e Assessor da FAPEMIG. E-mail: mauricios.novaes@ifsudestemg.edu.br.
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