terça-feira, 30 de outubro de 2018

O novo governo, a fusão de ministérios e a extinção de espécies


*Maurício Novaes Souza

Na última semana do segundo turno, o então candidato Jair Bolsonaro, diante do risco de queda nas pesquisas de intenção de votos, sinalizou que não iria fundir os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. O objetivo era passar a imagem de um candidato do diálogo, que não desejava impor suas ideias, em um momento em que era taxado pelo PT como um político de viés autoritário. Ou seja, ele queria se contrapor aos ataques petistas e afastar a imagem de candidato sem abertura a negociações. Na quarta-feira, dia 24 de outubro, ele concedeu entrevista e comentou as críticas de ambientalistas à proposta de fundir as duas pasta, afirmando: "Está havendo um ruído nessa área e eu sou uma pessoa que estou aberto para o diálogo, pode ser que a gente não encampe essa proposta realmente". Em seguida, aliados de Bolsonaro deram como certa a decisão de que os ministérios da Agricultura e Meio Ambiente continuariam existindo de forma independente. Agora, o futuro ministro da Casa Civil, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), informou nesta terça-feira (30) que o presidente eleito Jair Bolsonaro decidiu manter a fusão dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente!

Essa notícia acontece justo hoje, nesta mesma terça-feira, quando foi divulgado o relatório “Living Planet Report”, publicado pela WWF, organização não-governamental ambientalista, e a Sociedade Zoológica de Londres. Dados revelam que as populações de vertebrados silvestres como mamíferos, pássaros, peixes, répteis e anfíbios sofreram uma redução de 60% entre 1970 e 2014, devido à ação humana. Segundo o mesmo relatório, as atuais taxas de extinção são entre 100 e 1000 vezes superiores às taxas de extinção existentes anteriormente, antes de o Homem se tornar um “fator proeminente de pressão”. Ou seja, os humanos são em boa parte os responsáveis. De fato, temos a honra duvidosa de ser a espécie mais mortífera nos anais da biologia.

Segundo esse mesmo relatório, as principais ameaças “estão diretamente ligadas às atividades humanas, incluindo perda e degradação de habitats e sobre-exploração da vida selvagem”. A maior causa do declínio da vida selvagem é a destruição dos habitats naturais, seguido da morte de animais para alimentação humana e do excesso de pesca nos oceanos. A América do Sul e Central são as regiões do mundo mais afetadas. “Tudo o que é construído nas sociedades modernas, com os seus benefícios e luxos, é providenciado pela natureza e vamos continuar a precisar destes recursos naturais para sobreviver e prosperar. Cada vez mais, a investigação prova o valor incalculável da natureza para a nossa saúde, riqueza, alimentação e segurança”, destaca Marco Lambertini, diretor-geral da WWF Internacional - “À medida que melhor compreendemos a nossa confiança no sistema natural, torna-se claro que a natureza não é apenas ‘algo agradável de se ter’”. "Preservar a natureza não é apenas proteger os tigres, pandas, baleias e animais que apreciamos (...). É muito mais: não pode haver um futuro saudável e próspero para os homens em um planeta com o clima desestabilizado, os oceanos poluídos, os solos degradados e as matas derrubadas e degradadas, um planeta despojado de sua biodiversidade".

O declive da fauna afeta todo o planeta, com regiões especialmente prejudicadas, como os trópicos, segundo a 12ª edição do relatório publicado com a Sociedade Zoológica de Londres e baseado no acompanhamento de 16,7 mil populações de 4 mil espécies. O décimo relatório revelava uma redução de 52% entre 1970 e 2010 e nada parece deter o declínio, que agora é de 60%. A zona Caribe/América do Sul revela um quadro "aterrador": uma perda de 89% em 44 anos. América do Norte e Groenlândia sofreram as menores reduções da fauna, com 23%. Europa, Norte da África e Oriente Médio apresentaram um declive de 31%. A primeira explicação é a perda dos habitats devido à agricultura intensiva, à mineração e à urbanização, que provocam o desmatamento e o esgotamento dos solos.

No Brasil, além da fusão dos Ministérios, que enfraquece o Setor Ambiental, o novo governo, em seu programa de governo, não menciona medidas concretas sobre desmatamento ou no aquecimento global, a selva amazônica se reduz cada vez mais, assim como o cerrado, diante do avanço da agricultura e da pecuária. Alto índice de devastação da Amazônia pode fazer ecossistema chegar a ponto de ‘não retorno’, entrando em colapso. Segundo o Relatório Planeta Vivo, lançado hoje (30/10/2018) em cem países, a Amazônia já perdeu 20% de sua área. Se o desmatamento ultrapassar a marca de 25%, o ecossistema chegará a um “ponto de não retorno” e pode entrar em colapso, deixando de ser uma floresta. Nessa condição, atingirá o ponto onde a relação resistência/estresse será maior que um, fazendo com que a resiliência do sistema, ou seja, a sua capacidade de regeneração, seja negativa!

Em nosso país, temos 3.286 espécies, sendo que 785 estão criticamente em perigo, que é o pior estágio, e a maioria na Mata Atlântica, nosso bioma mais desmatado! Infelizmente, o governo federal não investe em modelos de desenvolvimento econômico que valorizam a floresta em pé, como explorar seu potencial para a indústria química e cosmética, ou então incentivar o ecoturismo. Mundialmente, apenas 25% dos solos estão livres da marca do homem. Em 2050, o índice cairá para 10%, segundo pesquisadores do IPBES. A isso se soma o excesso de pesca, a caça proibida, a contaminação, as espécies invasoras, as doenças e as mudanças climáticas.

De acordo com o relatório, "O desaparecimento do capital natural é um problema ético, mas também tem consequências em nosso desenvolvimento, nossos empregos, e começamos a ver isto", assinalou Pascal Canfin, diretor-geral do WWF França. "Pescamos menos que há 20 anos porque as reservas diminuem. O rendimento de alguns cultivos começa a cair. Na França, o trigo está estancado desde os anos 2000. Estamos jogando pedras em nosso próprio telhado".
Os economistas avaliam os "serviços devolvidos pela natureza" (água potável, polinização, estabilidade dos solos, alimentos, energia, etc.) em 125 trilhões de dólares anuais. Sua destruição, portanto, pode provocar também um dano financeiro inestimável. A cada ano, o dia em que o mundo consumiu todos os recursos que o planeta pode renovar anualmente chega mais cedo. Em 2018 foi em 1º de agosto.

"O futuro das espécies não parece chamar a atenção suficiente dos líderes" mundiais, alerta a WWF, que defende "elevar o nível de alerta" e provocar um amplo movimento, como se fez pelo clima. "Que todo o mundo compreenda que o status quo não é uma opção". "Somos a primeira geração que tem uma visão clara do valor da natureza e do nosso impacto nela. Poderemos também ser a última capaz de inverter esta tendência", advertiu a WWF, que pede uma ação antes de 2020, "um momento decisivo na história". "Uma porta sem precedentes se fechará rápido". A análise adverte que os seres humanos já empurraram quatro fronteiras necessárias para assegurar uma “operação” normal do planeta, como o ataque à biosfera e as mudanças climáticas. Daí partem índices perigosos, como o fato de que, segundo as estatísticas, 90% das aves marinhas têm fragmentos de plástico no estômago — em 1960, eram apenas 5%. E, também, a perda de metade dos corais de águas rasas em apenas 30 anos.

Dada essa realidade, é possível ainda fazermos algo? O relatório traça ainda um caminho para inverter o panorama ou, pelo menos, para mitigar os estragos que têm sido feitos. Em um plano de 30 anos, entre 2020 e 2050, a WWF propõe que, em primeiro lugar, seja definido um objetivo “claro e específico para recuperar a biodiversidade”, criado um conjunto de “indicadores medíveis e relevantes” para se conseguir analisar o progresso e, por fim, redigido um acordo para um lote de medidas que ajudem a cumprir o objetivo inicialmente definido. Segundo o relatório, “A cada dia que passa, as provas são mais fortes de que a sobrevivência da humanidade depende do nosso sistema natural, no entanto continuamos a destruir a saúde da natureza numa escala alarmante. É claro que os esforços para travar a perda de biodiversidade não estão a funcionar. É por isso que a WWF, em cooperação com as universidades de conservação e ciência de todo o mundo, pedem o acordo internacional mais ambicioso jamais feito: um novo acordo global para a natureza e as pessoas – para virar a curva da perda da biodiversidade”. “Precisamos fazer crescer radicalmente a relevância da natureza.”

Segundo o Diretor de Ciências da Sociedade Zoológica de Londres (ZSL), que forneceu um dos indicadores usados no relatório, Ken Norris reconhece que as estatísticas são “assustadoras”, mas diz que nem tudo está perdido: temos a oportunidade de projetar um novo caminho que nos permita coexistir de forma sustentável com a natureza da qual dependemos. Os autores do relatório propõem a criação de um “conjunto de ações coletivas, juntamente com um roteiro para metas, indicadores e métricas para reverter a perda da natureza”, que incluiria cenários para mudanças no uso da terra, na dieta e no trato a unidades de conservação.

A escolha da data para o lançamento do relatório foi estratégica. No início deste mês, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas divulgou uma lista de medidas que devem ser cumpridas para limitar o aquecimento do planeta em 1,5 grau Celsius em relação ao período pré-industrial. E daqui a algumas semanas serão realizadas a Conferência do Clima, na Polônia, e a Convenção de Diversidade Biológica, no Egito. Este é mais um passo para uma série de acordos globais que devem ser assinados em 2020, quando serão revistos os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, segundo Mariana Napolitano, acrescentando que o momento político brasileiro influenciará a performance do país nas negociações e o modo como é visto pela comunidade internacional - o presidente eleito Jair Bolsonaro deve reconhecer e manter as boas conquistas da área ambiental. Temos um dos maiores recursos de água doce e de biodiversidade. O que ocorre aqui, o modo como lidamos com as metas climáticas, repercute em todo o mundo.

Em meu livro mais recente, “Degradação ambiental e procedimentos de recuperação ambiental”, comento sobre as mudanças que aconteceriam em nosso planeta, caso nossa espécie deixasse de existir. Contudo, demonstro que não seja necessário que ocorra a nossa extinção para que o planeta se recupere; mas faz-se urgente aprendermos a conviver em harmonia e amor com o semelhante e também com as demais espécies que vivem em “nosso planeta”. Agindo dessa forma, seremos Homo sapiens mais reflexivos e melhores, buscando sempre as mudanças necessárias a “manutenção” da nossa espécie. Que o governo que assumirá no início de 2019 pense em tudo isso e faça a sua parte!

Fontes consultadas:





* Engenheiro Agrônomo, Mestre em Recuperação de Áreas Degradadas e Gestão Ambiental e Doutor em Engenharia de Água e Solo pela Universidade Federal de Viçosa. Foi professor do IF Sudeste de Minas campus Rio Pomba. Atualmente, IFES campus de Alegre. E-mail: mauricios.novaes@ifes.edu.br.

Um comentário:

Márcia Cabral disse...

Não entendi. A fusão dos Ministérios implica em negar a necessidade de se trabalhar estas questões citadas ou mesmo implica em impedir que o façam? Vamos considerar a afirmação do NOVO Presidente que disse que está "aberto ao diálogo", quem hj representa o Ministério do Meio Ambiente, já apresentou propostas ao novo governo justificando a manutenção da pasta e este foi terminantemente desfavorável à permanência do Ministério? Qual a justificativa? Queria compreender o q está envolvido. Não sei nem o nome do ministro empossado hj.

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