terça-feira, 9 de junho de 2020

Abordagens para a caracterização de área degradada



FONTE: SOUZA, Maurício Novaes. Degradação antrópica e procedimentos de recuperação ambiental. Novas Edições Acadêmicas/SIA OmniScriptum Publishing: Brivibas gatve 197, LV-1039, Riga, Letônia, União Europeia, 2018. 364p.

A degradação atinge o meio físico, biótico e antrópico. O solo, pela sua importância nos processos produtivos, talvez seja, entre todos os compartimentos, o mais investigado.
Apesar disso, caracterizá-lo num processo inicial de degradação, não é tarefa de fácil visualização. Solos agrícolas ou de pastagens, podem estar sofrendo erosão laminar, com remoção de camadas delgadas de solo dos horizontes superficiais (O + A) onde estão concentrados os teores mais altos de matéria orgânica, micro e mesofauna do solo, além dos nutrientes minerais; contudo, sem apresentar significativa perda de produtividade, posto que esta vai diminuindo progressivamente, não permitindo, muitas vezes, efeitos visuais perceptíveis.
Considerando a possibilidade desse processo ocorrer em ambientes montanhosos, de elevada declividade e, ou, em grandes lançantes, poderá reduzir a cobertura do solo a uma mera camada superficial. Caso esse processo não seja interrompido por constantes intervenções, poderá evoluir para erosão em sulcos, ravina e, finalmente, voçorocas de grandes dimensões, com frequentes desmoronamentos e de difícil recuperação, particularmente onde o material é muito friável.
Para facilitar a compreensão desse processo, a ciência do solo tem procurado associar características peculiares de qualidade do solo, de tal forma que a partir do momento que surjam alterações, seja caracterizado o processo de sua degradação. Porém, uma das dificuldades, é a de estabelecer quais são essas características e o padrão de referência, para que se possa definir e quantificar a qualidade do solo, para então proceder a sua caracterização (BERTONI e LOMBARDI NETO, 1990; IBAMA, 1990; DIAS e GRIFFITH, 1998).


 Inicialmente, deve-se considerar a destinação pretendida a um determinado solo, para que se possa inferir sobre sua qualidade, posto que exigências e requerimentos, por exemplo, para agricultura ou para a construção civil, são diferenciados.

Solos que apresentam alta densidade podem apresentar como característica a compactação, que é favorável à edificações, porém indevida para práticas agropecuárias e florestais. Logo, observa-se uma certa relatividade no conceito de qualidade do solo (DIAS, 2003a).
A caracterização de diferentes componentes de um sistema degradado, requer a realização de análises físicas, químicas e biológicas, as quais exigem cuidados e procedimentos específicos, que devem ser considerados em função de variações qualitativas e quantitativas destes componentes (ibidem).
Sabe-se que as causas que originam problemas de degradação são diversas, tais como desflorestamento para abertura de novas fronteiras agrícolas, uso inadequado do solo ou mudanças socioeconômicas, na maioria das vezes, promovendo alta incidência de impactos ambientais negativos. Em quase todos os casos, ocorre a mudança do uso do solo, sem os devidos cuidados que se fariam necessários.
GRIFFITH (2001) considera que os processos que envolvem o restabelecimento destas áreas degradadas, baseiam-se na intervenção de componentes do ambiente (substrato, vegetação, fauna, etc.), corrigindo ou acrescentando aqueles que foram identificados a partir de um amplo estudo de caracterização da área.

A etapa inicial do planejamento deve permitir o conhecimento da amplitude do problema ambiental no qual o projeto de recuperação está inserido.


Assim, o ambiente degradado permite diferentes abordagens para a sua caracterização (DIAS, 2003a)
:
a) abordagem restritiva ou segmentada:
Analisa-se cada componente (solo, água, ar), facilitando a visualização e a sua quantificação; e

b) abordagem ampla ou não segmentada:
A partir de conceitos de ecologia, visualizando o ambiente como um conjunto de componentes que se encontram em equilíbrio ou, para COELHO (2001), em estado de relativa estabilidade, posto ser temporal, onde a energia erosiva permanece relativamente estabilizada.

  • Abordagem segmentada

Baseia-se na quantificação de indicadores de qualidade dos diversos compartimentos do ambiente. Um sistema é formado por inúmeros componentes em cada um dos compartimentos ambientais, que em situação de equilíbrio, realizam trocas necessárias para a sua manutenção, tais como gases, água e nutrientes. Na visão segmentada, cada uma das variáveis desses componentes, deve ser tomada e referenciada a padrões que permitam caracterizá-los qualitativamente (DIAS e GRIFFITH, 1998; DIAS, 2003a).

     - Caracterização segmentada de área degradada considerando o componente solo
Solos são corpos naturais não consolidados na superfície da terra, organizados com características próprias adquiridas por meio da ação dos “fatores” e “processos” de formação sobre as rochas existentes na camada superficial da crosta terrestre, que evoluem durante os estágios de gênese e maturação. Tridimensionais, são constituídos por partes sólidas, líquidas e gasosas, possuindo intenso dinamismo em sua composição mineral e orgânica, em equilíbrio com o seu desenvolvimento, contendo matéria viva que dá suporte à vida animal, vegetal e outras atividades biológicas, num ambiente natural (VIEIRA, 1975; VIEIRA et al., 1988; LIMA, 2002; RESENDE et al., 2002; SOUZA, 2004).
RESENDE et al. (2002) relatam as vantagens em aprender sempre mais a respeito do solo, posto que ele ocupa uma posição peculiar ligada às várias esferas que afetam a vida humana.

É, além disso, o substrato principal da produção de alimentos e uma das principais fontes de nutrientes e sedimentos que vão para os rios, lagos e mares.

Existe uma enormidade de conhecimentos e generalizações a respeito de solos e seu comportamento, quando integrados no quadro socioeconômico, ainda longe de serem sistematizados, fazendo-se necessário ainda muita pesquisa e observações no sentido de entendê-lo melhor.
Para conhecer os solos, é necessário fazer levantamentos, nos quais serão reconhecidos seus atributos morfológicos, físicos, químicos e mineralógicos. O levantamento inclui a classificação dos solos, que irá estabelecer e situar diferenças entre unidades, correlacionar e prever a adaptabilidade dos solos para diversas espécies florestais, seu comportamento e produtividade sob diferentes sistemas de manejo e as colheitas das espécies adaptadas sob conjuntos de práticas de manejo (CASTRO FILHO e MUZILLI, 2002).
Essas informações são de extrema importância, fornecendo uma base geral para facilitar a compreensão de alguns fenômenos de fácil percepção no campo (como a relação clima, solo e biota) e estimular novas observações que facilitarão as tomadas de decisões nos processos de recuperação ambiental.
O solo é constituído de compostos sólidos provindos das rochas e da matéria orgânica, de líquidos e de gases. A presença desse material orgânico possibilita que as partículas sólidas mais finas, resultado final da ação do intemperismo sobre a rocha, possam formar agregados que se estruturam em uma forma definida, inclusive formando horizontes distintos ao longo do perfil.
Essa estrutura, que possui esses espaços vazios, denominados poros (macro e microporos), tem a capacidade de armazenamento de líquidos e gases. Quanto maior for o equilíbrio entre essas três fases, propiciarão uma maior atividade biológica e o estabelecimento do processo de ciclagem biogeoquímica, favorecendo o estabelecimento e o desenvolvimento da vegetação (VIEIRA et al., 1988).
As proporções destas partículas, podendo ser observadas no Quadro 13, determinam a textura do solo. O arranjo das diversas partículas juntamente com os efeitos cimentantes de materiais orgânicos e inorgânicos, determinam a estrutura do solo.

QUADRO 13 - Tamanho das partículas do solo

Partículas
Diâmetro (mm)
Matacões
> 200
Calhaus
200-20
Cascalhos
20-2
Areia grossa
2-0,20
Areia fina
0,20-0,05
Silte
0,05-0,002
Argila
< 0,002
Fonte: RESENDE et al., 2002.

A parte sólida é principalmente mineral, sendo essa fração constituída por minerais primários não intemperizados, classificados de acordo com o tamanho de suas partículas, nas frações cascalho, areia ou silte; e minerais secundários na fração argila.
Especialmente, as partículas do tamanho argila (menor que 0,002 mm) afetam as características físicas e químicas do solo, pois exibem comportamento coloidal, apresentando cargas de superfície e grande área específica, sendo a fração que garante a atividade do solo. Os materiais orgânicos são constituídos de resíduos vegetais e animais, parte dos quais são vivos e, aqueles restantes, apresentando diversos estágios de decomposição (VIEIRA, 1975; VIEIRA et al., 1988).
A parte líquida constitui-se essencialmente de água, contendo minerais dissolvidos e materiais orgânicos. Ocupa parte ou quase todo o espaço vazio entre as partículas sólidas, dependendo da umidade do solo. Essa água pode ser absorvida pelas raízes das plantas, evaporada para a atmosfera, drenada ao longo do perfil ou retida na matriz do solo (RESENDE et al., 2002).
A parte gasosa ocupa os espaços vazios não ocupados pela água. É uma porção importante do sistema solo, pois a maioria das plantas exige certa aeração do sistema radicular (ibidem).
As proporções relativas das três fases variam continuamente e dependem de variáveis como clima, vegetação e manejo. Existe uma correlação com as características físicas e químicas do solo, que determinam a sua qualidade.
As propriedades físicas, tais como a densidade aparente e a textura, influenciam na aeração, na permeabilidade, na infiltrabilidade e na capacidade de retenção de água. As propriedades químicas são as concentrações de componentes orgânicos e inorgânicos que determinam características, tais como a fertilidade do solo e a salinidade, sendo quantificáveis. Tais propriedades, físicas e químicas, exercerão influência sobre a atividade biológica (SCHAEFER et al., 2000).

Portanto, o solo é o local onde ocorre a interação das esferas hidrológicas, biológicas, atmosféricas e geológicas. Dada essa importância, pode ser usado como base para classificação de área degradada e para definir o grau de depauperamento da sua potencialidade.

Indicadores de qualidade do solo
Quando ocorre intervenção por atividades antrópicas em uma determinada área, sem as devidas precauções, pode propiciar a sua degradação, podendo ser dividida em três categorias, as quais após a identificação e quantificação, poderão ser utilizadas funcionando como indicadores de qualidade do solo (DORAN e PARKIN, 1994; REINERT, 1998):

a)    Degradação física:
Estão relacionadas às alterações das condições estruturais do solo, ou seja, refere-se à perdas de condições ligadas: 1) à forma, tais como densidade, porosidade, infiltração e aeração; e 2) à estabilidade, tais como a coesão e a resistência dos agregados. Alto grau de compactação, reduzida aeração, alta friabilidade, susceptibilidade à erosão, baixa retenção de água e alteração topográfica do terreno, como o selamento, indicam o declínio das condições estruturais do solo e sua degradação física.
Principais indicadores: textura, estrutura, profundidade do solo, do horizonte superficial e das raízes, densidade do solo, taxa de infiltração e capacidade de retenção de água;

b)   Degradação biológica:
Caracterizada, principalmente, pela perda da biodiversidade do solo e pela redução do teor de matéria orgânica, tendo como principal consequência a baixa ou nula atividade da micro (menor de 0,2 mm em tamanho), meso (de 0,2 a 2 mm) e macrofauna (de 2 a 20 mm) e flora do solo. A existência de atividade biológica estabelece o processo de ciclagem biogeoquímica, que permite a sustentabilidade do sistema.
Principais indicadores: C e N contidos na biomassa microbiana; N potencialmente mineralizável e taxa de respiração do solo; e

c)    Degradação química:
Reflete os insumos, como a adição desregrada de agroquímicos ao solo; e as saídas, como os nutrientes exportados pela produção agrícola ou pela madeira dos plantios florestais (“drenos florestais”), que reduzem a fertilidade do solo. Processos de acidificação e salinização são exemplos de degradação química do solo.
Principais indicadores: carbono orgânico total, matéria orgânica do solo, N total; pH; condutividade elétrica; e N, P e K disponíveis.

Dessa forma, pode-se concluir que solos degradados, entre outros, caracterizam-se por apresentar (SÁNCHEZ, 2001):

ü  Perda de matéria orgânica devido à erosão ou a movimentos de massa;
ü  Acúmulo de material alóctone recobrindo o solo;
ü  Alteração negativa de suas propriedades físicas, tais como sua estrutura ou grau de compacidade;
ü  Alteração de características químicas, devido a processos como salinização, lixiviação, deposição ácida e concentração de poluentes; e
ü  Morte ou alteração das comunidades de organismos vivos do solo.

Dentro dessa realidade, o modelo de produção agroquímico, devido à grande quantidade de energia artificial incompatíveis com o sistema natural, produzindo um volume significativo de resíduos, apresenta maior entropia em relação ao modelo de produção familiar, como lavouras conduzidas sob manejo orgânico.
O aumento da energia pode ocorrer de forma lenta e gradual, como nos processos naturais de formação dos solos; ou de forma mais rápida, produzida por meio da interferência antrópica, em função da adição de energia nos sistemas, sejam agrícolas, pecuários, florestais, urbanos ou industriais (KOBIYAMA et al., 2001).
Para DIAS e GRIFFITH (1998), o uso adequado desses indicadores depende de uma visão holística que os integre de forma harmônica a um determinado ecossistema que esteja sendo avaliado. Para isso, é fundamental que sejam definidos valores de referência para a avaliação dos estágios de degradação e, que não sejam padrões fixos, mas sim valores obtidos de áreas próximas, que ainda não tenham sofrido ação antrópica.
Maior número de pesquisas é necessário para a avaliação dos solos sob o enfoque de degradação, para que rotinas possam ser estabelecidas, de tal forma que o monitoramento e o diagnóstico contemplem o binômio agilidade e facilidade de realização.

  • Abordagem não segmentada

Baseia-se na interpretação e quantificação de características ecológicas que determinam a resiliência e a sustentabilidade do ambiente. Qualquer intervenção que possa promover a alteração dos fluxos de energia, na ciclagem de nutrientes e na quantidade e na qualidade da água, resultará em redução da capacidade de suporte e aumento da entropia, promovendo alterações do ciclo biogeoquímico; não cessando o distúrbio, poderá ocorrer a degradação do ambiente.
Para que um determinado sistema seja autossustentável, é necessário que haja um equilíbrio entre os grupos metabólicos (DIAS, 2003a):

a)    Produtores primários: são os organismos capazes de absorverem as radiações solares, fixando-as em moléculas orgânicas por meio da fotossíntese;

b)    Consumidores: são os organismos que utilizam os produtores primários como fonte de alimentação, consumindo os tecidos vegetais, tanto acima da superfície do solo, como também nas camadas inferiores. Para a manutenção da diversidade, possuem a importante função da dispersão de propágulos das plantas e matéria orgânica, além de promoverem o retorno do carbono para a atmosfera, na forma de dióxido de carbono. Dentre os organismos que compõem essa cadeia, os animais que comem plantas são consumidores primários; aqueles que comem os consumidores primários são consumidores secundários, como por exemplo, muitos pássaros predadores, peixes e insetos. Os consumidores terciários comem os secundários, como por exemplo, os carnívoros;

c)    Decompositores: são os organismos responsáveis pela quebra dos compostos orgânicos dos produtores primários e dos consumidores mortos, possibilitando o retorno dos elementos para a sua forma mineral, sendo reutilizados por meio da reciclagem. A sua grande importância está relacionada ao fato de evitarem o acúmulo de matéria orgânica, o que conduziria à exaustão do carbono da atmosfera. Como função secundária, também de significativa importância, a de desenvolvimento e manutenção da estabilidade da estrutura do solo, favorecendo a formação de agregados. Consistem basicamente de bactérias, fungos e protozoários (DIAS, 2003a). Os microrganismos que contribuem à agregação do solo são todos heterótrofos que necessitam de matéria orgânica como fonte de energia. Os actinomicetos são considerados os mais poderosos agregadores do solo, especialmente por serem os formadores mais eficazes de substâncias húmicas (PRIMAVESI, 1987).

Dessa forma, a estabilidade de um sistema depende da interação complexa entre produção, consumo e ciclagem de gases, solutos e líquidos. Em um sistema natural, duas características são particularmente importantes para a avaliação de um processo de degradação - a capacidade de suporte e a biodiversidade (DIAS, 2003a):

a)    Capacidade de suporte:
Pode ser definida como a densidade máxima teórica que um determinado sistema é capaz de sustentar, considerando tanto o número de espécies como o volume de biomassa. A biomassa está diretamente relacionada ao total de carbono orgânico existente, representando o limite superior do sistema. A magnitude da capacidade suporte está diretamente influenciada e dependente por uma combinação de fatores, tais como regime hídrico, temperatura, radiação solar, solo e topografia. De acordo com ODUM (1988), à medida que aumentam o tamanho e a complexidade de um sistema, o custo energético de manutenção tende a aumentar proporcionalmente; assim, caso o tamanho de um sistema seja dobrado, geralmente torna-se necessário mais que o dobro da quantidade de energia que deve ser desviada para reduzir o aumento na entropia; e

b)   Biodiversidade:
Pode ser definida como o número e a abundância relativa de espécies existentes. Em um conceito mais amplo, pode-se dizer que é o conjunto das variações de base genética que ocorre em todos os níveis de vida, desde as variações dentro de uma única população, até as variações existentes em todas as comunidades de todos os ecossistemas do mundo. Engloba as plantas, os animais, os microrganismos, os ecossistemas e os processos ecológicos em uma unidade funcional. A diversidade de espécies apresenta dois componentes: 1) a riqueza - definida como o número de espécies presentes; e 2) a uniformidade ou equitabilidade - reflete a abundância relativa ou a forma como os indivíduos encontram-se distribuídos, em número, entre as diferentes espécies existentes. Segundo ODUM (1988), a capacidade de resiliência está relacionada à diversidade biológica.

Quanto maior for o tamanho e a complexidade estrutural do ecossistema, a tendência é que maior seja a sua biodiversidade.

Após a ocorrência de estresse em um determinado ecossistema, quanto maior for a sua base de informações genéticas, maior será a sua chance da manutenção da estrutura anterior e do funcionamento do sistema de maneira igual ou semelhante à pré-degradação, principalmente devido à sua capacidade de produção de biomassa (retornos crescentes com a escala ou economia de escala), mesmo tendo havido aumento da entropia.
Este volume de informações que a biodiversidade carrega, representam a resiliência do sistema. Em um sistema natural, existe um equilíbrio entre a produção e o consumo de energia: quando ocorrem perturbações, caso elas não cessem, haverá desequilíbrio, podendo chegar a um colapso catastrófico (retornos decrescentes com a escala ou deseconomia de escala) resultante do maior custo necessário para se livrar da desordem. Ou seja, quando os limites são ultrapassados e a entropia excede a capacidade do ecossistema de o dissipar, haverá a redução de seu tamanho e perda de biodiversidade.
Com o fim do estresse, a resiliência do sistema permitirá o restabelecimento da capacidade de suporte aos níveis iniciais, ou próximos àqueles, o mesmo acontecendo à entropia. O tempo necessário para que isto ocorra, está diretamente relacionado com características de cada sistema e a frequência e intensidade de novos estresses. Portanto, a manutenção da biomassa vegetal passa a ter um papel fundamental na sua manutenção, permitindo a fixação de carbono e ao mesmo tempo transformando-se num agente de ciclagem de nutrientes, mantendo no sistema um determinado “status” de nutrientes que resulta nas suas estabilidade ou sustentabilidade (ODUM, 1988; BARROS e NOVAIS, 1990; DIAS, 2003a).
Portanto, quanto maior for a complexidade de um sistema, tanto maior será a sua capacidade de autorregulação. Entretanto, há que se considerar: a medida que um ecossistema torna-se maior e mais complexo, uma maior parte da sua produção será utilizada para a sua sustentação, diminuindo, proporcionalmente, a parcela da produção bruta que poderia ser destinada ao crescimento.
Quando o equilíbrio entre as entradas e saídas é atingido, o tamanho desse ecossistema não poderá mais aumentar, ou seja, será atingida a sua “capacidade máxima de suporte”. Para que esta seja sustentável ao longo do tempo, frente às incertezas ambientais, deve ser calculada considerando valores inferiores: empiricamente, é calculada em torno de 50% da capacidade máxima teórica de suporte (ODUM, 1988).
Por esse motivo, a devastação decorrente da exploração extrativa de madeira das matas brasileiras de forma predatória, caracterizada pelo nível reduzido de investimento e pela utilização de tecnologia rudimentar, vem ocasionando a extinção de espécies florestais de conhecido valor comercial e, principalmente, ecológico. Como agravante, nessas áreas são introduzidas pastagens, que recebem animais acima da sua capacidade de suporte, onde nenhuma prática conservacionista é adotada, sem nenhuma correção ou reposição de nutrientes ao solo.
Em decorrência desse fato, além do processo de degradação do solo que se inicia, considerando que não seja respeitada a frequência de regeneração para cada espécie, ocorre o comprometimento do seu potencial genético, principalmente pelo fato de que nenhum exemplar adulto das espécies arbóreas é conservada na área em questão (LESCURE et al., 1997).
Esse desmatamento descontrolado tem provocado a ocorrência de inúmeras áreas degradadas e até mesmo, ecossistemas inteiros, principalmente em solos relativamente pobres, como os da Amazônia e do Cerrado brasileiros.

Quando o nível de nutrientes ou de energia de um sistema sofre uma alteração excessiva, a estabilidade do sistema é afetada, não retornando até que um novo equilíbrio seja atingido, naturalmente ou pela ação do homem.

  • A construção de cenários

Existem várias experiências de sucesso em programas de recuperação. Entretanto, para fazer o monitoramento da recuperação é fundamental acompanhar as alterações que se processarão no solo. Uma das formas de avaliar perdas de solo por processos erosivos em áreas degradadas ou recuperadas, para a verificação do estádio da sua recuperação, é usar como estratégia a comparação destas áreas com paisagens naturais localizadas na proximidade. Elas representam a memória de uma dada região.
Essa estimativa deve ser feita analisando-se as diversas características do local, incluindo clima, topografia, geologia, cobertura vegetacional, uso e manejo do solo. Servirá também de base para monitoramento e comparações futuras do local. A evidência de que processos erosivos persistem, evidenciam a existência de problemas hidrológicos no local (CURTIA et al., 1994).
De acordo com TOY e DANIELS (1998), a cobertura vegetacional, a diversidade de espécies e a produtividade da área alterada são habitualmente comparadas com as áreas não perturbadas, ou seja, é uma estratégia que utiliza como abordagem uma “área de referência”. Entretanto, essa estratégia é problemática, pois:
a) exige réplicas do ecossistema pré-perturbação; e
b) envolve comparações entre comunidades de plantas nos seus diversos estádios de desenvolvimento e da comunidade original desse solo com distúrbios.

Uma alternativa é a “abordagem utilitária”, que avalia se a capacidade do solo perturbado caso corretamente utilizado, poderá sustentar a capacidade de uso do solo pretendido.


Por exemplo, se o uso futuro do solo escolhido for pastagem, solos recuperados deveriam produzir forragem e garantir ganhos de peso ao gado apropriado para a região, sem efeitos prejudiciais ao ecossistema (ibidem).
Entretanto, o procedimento correto para o sucesso da recuperação, mais seguro e científico, exige a elaboração de cenários pré e pós-degradação, onde serão estabelecidos os objetivos do processo de recuperação.

- Cenário pré-degradação
O diagnóstico para a elaboração do cenário pré-degradação, deve ser realizado a partir de fatores ambientais das áreas de influência e naquelas diretamente afetadas, abrangendo os componentes destacados durante os Estudos dos Impactos Ambientais, particularmente aqueles que mereceram destaque no Relatório de Impacto Ambiental do projeto, tais como (SILVA, 1993; 1994a; 1994b; 1998; DIAS, 2003a):

ü  Meio físico - clima e condições meteorológicas, qualidade do ar, ruído, geologia, geomorfologia, solos, recursos hídricos, hidrogeologia e qualidade das águas;

ü  Meio biótico - a) ecossistema terrestres - flora e vegetação (descrição e mapeamento atualizados dos estratos vegetacionais, levantamento fitossociológico para determinação da densidade, abundância, importância e dominância das diversas espécies da vegetação encontradas, identificando aquelas de interesse científico e ameaçadas de extinção), fauna (também, devem ser identificadas com destaque as raras, as ameaçadas de extinção, as de valor econômico e científico, os indicadores de qualidade ambiental, assim como as de interesse epidemiológico) e as  possíveis descrições das inter-relações fauna-flora e fauna-fauna na área considerada; e b) ecossistema aquático - caracterização do estado trófico dos corpos d’água estudados (a caracterização limnológica deverá atender a necessidade de se conhecer as condições física, química e biológica dos cursos d’água a serem aproveitadas nos projetos propostos); e

ü  Meio socioeconômico - dinâmica populacional, uso e ocupação do solo, uso da água, patrimônio natural e cultural, nível de vida, estrutura produtiva e de serviços e organização social.  

Após esse levantamento, as informações derivadas devem ser avaliadas por especialistas das diversas áreas relacionadas, para que sejam interpretadas e integradas de forma ordenada e detalhada, sem perder a visão global do ambiente.

A partir de análises e ponderações, surgirão as propostas de recuperação e mitigação de possíveis impactos ambientais. Servirão, também, para a elaboração do cenário pós-degradação. Essas informações devem diagnosticar e representar da melhor maneira possível, com a maior fidelidade, as características do ambiente.


*      As informações levantadas podem ser classificadas em quatro categorias (HARRIS et al., 1996; DIAS, 2003a):

ü  Histórico da área - mapas, jornais, revistas, fotografias, livros, registros em cartório, processos jurídicos, entre outros;

ü  Uso corrente - levantamento visual, indicadores econômicos, registros civis, etc.;

ü  Topografia ou arquitetura - levantamentos e mapas topográficos; e

ü “Status” biogeoquímico - mapas de solos, geologia e hidrologia, vulnerabilidade de águas subterrâneas, monitoramento biológico, amostragens e análises dos diferentes componentes do sistema.

De acordo com DIAS (2003b), o uso de imagem de satélite e de fotografia aérea, quando comparados diferentes períodos são fontes valiosas de informações sobre a evolução de processos de degradação, conservação, desflorestamento e urbanização do ambiente. Desta forma, auxiliam no estabelecimento do potencial de recuperação da área.
Com o advento do Sistema de Informação Geográfica (SIG) esse trabalho ficou facilitado, em face do enorme potencial desta ferramenta, pois permite a análise global do ambiente sob diferentes enfoques, sem que haja perdas do detalhamento necessário para a identificação de problemas pontuais.
Dessa maneira, após sistematizadas as informações, são elaborados os mapas que permitirão a visualização do cenário pré-degradação. Este servirá de referencial e também possibilitará a elaboração do cenário pós-degradação, onde poderá ser avaliado o potencial de recuperação e da determinação dos objetivos dos procedimentos.
Porém, deve-se estar ciente, que a recuperação ambiental não pode reproduzir toda a geologia, solo e propriedades vegetativas que existiram antes da perturbação. Assumidos que aquele solo e as características vegetativas se desenvolveram ao longo do tempo, eventualmente podem retornar a uma condição semelhante àquela de equilíbrio prévio ou, talvez, atinjam uma nova condição de equilíbrio.
A evolução do solo e das propriedades vegetativa afeta os processos hidrológicos e a erodibilidade de taludes, como também a descarga de sedimentos carreada pelo fluxo dos canais (indica o principal tronco do sistema de drenagem. Por exemplo, os rios são definidos como corpos d’água em movimento, confinados em um canal (CUNHA, 2003).
O cenário pré-degradação mostra que é possível examinar mudanças no solo, vegetação e propriedades do canal por algumas décadas, em locais anteriormente recuperados, usando dados da linha de base e fotografias aéreas obtidos antes da perturbação, junto com as atuais medidas no campo (FOSTER, 1982; TOY e DANIELS, 1998; TOY et al., 2002).
Finalmente, a avaliação por meio de indicadores físicos, químicos e biológicos, dos componentes bióticos e abióticos do ambiente, permite a determinação de seu grau de degradação: os cuidados recaem ao uso de padrões ou referências para a interpretação de indicadores, que devem, preferencialmente, ser originados do local em estudo (discutidos no sub-capítulo 4.2.6. Abordagens para a caracterização de área degradada).
Assim, o levantamento pré-degradação, funciona como peça fundamental para o estabelecimento desses padrões e referências, tanto para quantificar a intensidade de degradação, como também servirá de parâmetro futuro no cenário pós-degradação, para o monitoramento e a avaliação do estádio de recuperação (DIAS, 2003a).


- O cenário pós-degradação
         Para a elaboração do cenário pós-degradação, devem ser realizados levantamentos semelhantes àqueles do cenário pré-degradação. Porém, em função do tipo e das características das atividades que darão origem ao processo de degradação, devem ser incluídas outras avaliações, além de abordagens distintas, por exemplo, a necessidade de monitoramento.
Os levantamentos pós-degradação têm como principal objetivo caracterizar os diferentes ambientes do sistema degradado, de forma a classificá-los quanto:

a) ao grau de degradação;

b) aos riscos ambientais;

c) às estratégias de mitigação de impactos; e

d) às potencialidade de uso.

 

Por esses motivos, a elaboração do cenário pós-degradação, passa a ser uma ferramenta de extrema importância para o estabelecimento dos objetivos da recuperação e para a determinação de estratégias compatíveis com os objetivos predeterminados (DIAS, 2003a).



A recuperação de locais com distúrbios envolve uma variedade de práticas de manejo de curto e longo prazo, normalmente projetadas antes da perturbação, para minimizar os impactos adversos e maximizar o potencial produtivo futuro do local.

Porém, é importante perceber que alguns efeitos de curto prazo, como aumento do escoamento superficial, produção de sedimentos e deslocamento da vida selvagem (flora e fauna), são inevitáveis em atividades perturbadoras de solo, particularmente naquelas que promovem grandes movimentos de solo e retirada da cobertura vegetacional, tais como a mineração, a construção de rodovias e ferrovias, ou mesmo grandes áreas de confinamento de bovinos.
Então, embora o enfoque de metas de recuperação ou reconstrução da pedopaisagem seja de longo prazo, todos impactos hidrológicos, estratégias de revegetação e recuperação após o uso do solo, deve ser incluído um programa ativo de mitigação dos impactos temporários contendo operações diárias e planos contingenciais (TOY e DANIELS, 1998).
Os riscos ambientais são determinados levando-se em consideração o grau de degradação, as características do ambiente propriamente dito e da circunvizinhança, no sentido de delimitação da área de influência e das próprias estratégias de recuperação (DIAS e GRIFFITH, 1998).
Em geral, medidas de controle do movimento das águas superficiais e dos sedimentos, incluindo na rotina práticas que facilitem a manutenção, são aspectos importantes para evitar impactos ambientais fora do local da perturbação do solo.
Em circunstâncias onde fortes temporais incidem sobre superfícies áridas, tais como:
a) em áreas de pastagens degradadas;
b) taludes expostos nos ambientes urbanos; e
c) em áreas mineradas,...

...a erosão causada pelas águas pluviais é agravada pela falta de vegetação.

Como consequência, pode resultar sério problema nos taludes, podendo evoluir de uma ligeira erosão laminar para erosão por sulcos, ravinas e, finalmente, grandes voçorocas. Inclusive, poderão ocorrer movimentos de massa, tornando-se assim, uma situação de difícil controle.
Por esse motivo, terrenos sem vegetação devem ser protegidos da água corrente originada das partes mais elevadas, de tal forma que os procedimentos de recuperação ambiental, tais como a reposição de matéria orgânica e o replantio de mudas, não sejam perdidos com as chuvas que carregam a camada fértil do solo e do subsolo para cotas mais baixas (fundos de vale, rios, lagos, represas).
A água transportada dentro do local deve ser contida por meio de canais apropriados, com a utilização de estruturas para a contenção de sedimentos, considerando as condições de solo, declividades e clima (os filtros das calhas de drenagem, quando houver, devem ser limpos constantemente).
Os esforços de revegetação devem ser simultâneos à perturbação imposta, para que a área total a ser exposta seja reduzida. As valetas (canaletas, calhas, escadas, tubulações, bueiros, fossa) de escoamento de superfície, lagoas de sedimentos e estruturas temporárias, exigem manutenção rotineira para assegurar seu efetivo controle.
As canaletas em locais com maiores declividades deverão ser revestidas, por exemplo, com o uso de sacos com solo-cimento ou argamassa com pedras de mão; ou construir escadas para a dissipação da energia produzida pelo forte movimento das águas (IBAMA, 1990; OLSON et al., 1994; TOY e DANIELS, 1998; TOY et al., 2002).
Junto com as práticas de gerenciamento de temporais, de manipulação e de reposição de material, o plano deve ser revisado e ajustado para prevenir prolongadas exposições altamente erosivas ou estratos potencialmente tóxicos. Em áreas de mineração, as propriedades físicas e químicas dos materiais, devem ser rigorosamente analisadas antes da perturbação e, qualquer material que apresente pequeno risco à qualidade da água, em curto ou longo prazo, devem ser identificados (TOY e DANIELS, 1998; TOY et al., 2002).
Este nível de coordenação de manipulação do material exige ajustes diários para reduzir ou substituir alguns passos e efetivamente controlar o escoamento superficial no local. É recomendável, inclusive para favorecer o abastecimento dos lençóis, construir ao longo do sistema de drenagem pequenos tanques ou bacias de sedimentação (caixas secas ou “barraginhas”).


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