FONTE: SOUZA, Maurício Novaes. Degradação antrópica e
procedimentos de recuperação ambiental. Novas
Edições Acadêmicas/SIA OmniScriptum
Publishing: Brivibas gatve 197, LV-1039, Riga, Letônia, União Europeia,
2018. 364p.
A degradação atinge o meio físico, biótico e
antrópico. O solo, pela sua importância nos processos produtivos, talvez seja,
entre todos os compartimentos, o mais investigado.
Apesar disso, caracterizá-lo num processo inicial
de degradação, não é tarefa de fácil visualização. Solos agrícolas ou de
pastagens, podem estar sofrendo erosão laminar, com remoção de camadas delgadas
de solo dos horizontes superficiais (O + A) onde estão concentrados os teores
mais altos de matéria orgânica, micro e mesofauna do solo, além dos nutrientes
minerais; contudo, sem apresentar significativa perda de produtividade, posto
que esta vai diminuindo progressivamente, não permitindo, muitas vezes, efeitos
visuais perceptíveis.
Considerando a possibilidade desse processo ocorrer
em ambientes montanhosos, de elevada declividade e, ou, em grandes lançantes,
poderá reduzir a cobertura do solo a uma mera camada superficial. Caso esse
processo não seja interrompido por constantes intervenções, poderá evoluir para
erosão em sulcos, ravina e, finalmente, voçorocas de grandes dimensões, com
frequentes desmoronamentos e de difícil recuperação, particularmente onde o
material é muito friável.
Para facilitar a compreensão desse processo, a
ciência do solo tem procurado associar características peculiares de qualidade
do solo, de tal forma que a partir do momento que surjam alterações, seja
caracterizado o processo de sua degradação. Porém, uma das dificuldades, é a de
estabelecer quais são essas características e o padrão de referência, para que
se possa definir e quantificar a qualidade do solo, para então proceder a sua
caracterização (BERTONI e LOMBARDI NETO, 1990; IBAMA, 1990; DIAS e GRIFFITH,
1998).
Solos
que apresentam alta densidade podem apresentar como característica a
compactação, que é favorável à edificações, porém indevida para práticas
agropecuárias e florestais. Logo, observa-se uma certa relatividade no conceito
de qualidade do solo (DIAS, 2003a).
A
caracterização de diferentes componentes de um sistema degradado, requer a
realização de análises físicas, químicas e biológicas, as quais exigem cuidados
e procedimentos específicos, que devem ser considerados em função de variações
qualitativas e quantitativas destes componentes (ibidem).
Sabe-se que as causas que
originam problemas de degradação são diversas, tais como desflorestamento para
abertura de novas fronteiras agrícolas, uso inadequado do solo ou mudanças socioeconômicas,
na maioria das vezes, promovendo alta incidência de impactos ambientais
negativos. Em quase todos os casos, ocorre a mudança do uso do solo, sem os
devidos cuidados que se fariam necessários.
GRIFFITH (2001)
considera que os processos que envolvem o restabelecimento destas áreas degradadas,
baseiam-se na intervenção de componentes do ambiente (substrato, vegetação,
fauna, etc.), corrigindo ou acrescentando aqueles que foram identificados a
partir de um amplo estudo de caracterização da área.
A
etapa inicial do planejamento deve permitir o conhecimento da amplitude do
problema ambiental no qual o projeto de recuperação está inserido.
Assim, o ambiente degradado permite diferentes
abordagens para a sua caracterização (DIAS, 2003a)
:
a)
abordagem restritiva ou segmentada:
Analisa-se cada componente (solo, água, ar),
facilitando a visualização e a sua quantificação; e
b)
abordagem ampla ou não segmentada:
A partir de conceitos de ecologia, visualizando o
ambiente como um conjunto de componentes que se encontram em equilíbrio ou,
para COELHO (2001), em estado de relativa estabilidade, posto ser temporal,
onde a energia erosiva permanece relativamente estabilizada.
- Abordagem segmentada
Baseia-se
na quantificação de indicadores de qualidade dos diversos compartimentos do
ambiente. Um sistema é formado por inúmeros componentes em cada um dos
compartimentos ambientais, que em situação de equilíbrio, realizam trocas
necessárias para a sua manutenção, tais como gases, água e nutrientes. Na visão
segmentada, cada uma das variáveis desses componentes, deve ser tomada e
referenciada a padrões que permitam caracterizá-los qualitativamente (DIAS e
GRIFFITH, 1998; DIAS, 2003a).
- Caracterização segmentada de área degradada considerando o componente solo
Solos
são corpos naturais não consolidados na superfície da terra, organizados com
características próprias adquiridas por meio da ação dos “fatores” e
“processos” de formação sobre as rochas existentes na camada superficial da
crosta terrestre, que evoluem durante os estágios de gênese e maturação.
Tridimensionais, são constituídos por partes sólidas, líquidas e gasosas,
possuindo intenso dinamismo em sua composição mineral e orgânica, em equilíbrio
com o seu desenvolvimento, contendo matéria viva que dá suporte à vida animal,
vegetal e outras atividades biológicas, num ambiente natural (VIEIRA, 1975;
VIEIRA et al., 1988; LIMA, 2002;
RESENDE et al., 2002; SOUZA, 2004).
RESENDE et al. (2002) relatam as vantagens em aprender
sempre mais a respeito do solo, posto que ele ocupa uma posição peculiar ligada
às várias esferas que afetam a vida humana.
É, além disso, o substrato principal da
produção de alimentos e uma das principais fontes de nutrientes e sedimentos
que vão para os rios, lagos e mares.
Existe
uma enormidade de conhecimentos e generalizações a respeito de solos e seu
comportamento, quando integrados no quadro socioeconômico, ainda longe de serem
sistematizados, fazendo-se necessário ainda muita pesquisa e observações no
sentido de entendê-lo melhor.
Para conhecer os solos, é
necessário fazer levantamentos, nos quais serão reconhecidos seus atributos
morfológicos, físicos, químicos e mineralógicos. O levantamento inclui a
classificação dos solos, que irá estabelecer e situar diferenças entre
unidades, correlacionar e prever a adaptabilidade dos solos para diversas
espécies florestais, seu comportamento e produtividade sob diferentes sistemas
de manejo e as colheitas das espécies adaptadas sob conjuntos de práticas de
manejo (CASTRO FILHO e MUZILLI, 2002).
Essas informações são de
extrema importância, fornecendo uma base geral para facilitar a compreensão de
alguns fenômenos de fácil percepção no campo (como a relação clima, solo e
biota) e estimular novas observações que facilitarão as tomadas de decisões nos
processos de recuperação ambiental.
O solo é constituído de
compostos sólidos provindos das rochas e da matéria orgânica, de líquidos e de
gases. A presença desse material orgânico possibilita que as partículas sólidas
mais finas, resultado final da ação do intemperismo sobre a rocha, possam
formar agregados que se estruturam em uma forma definida, inclusive formando
horizontes distintos ao longo do perfil.
Essa estrutura, que possui
esses espaços vazios, denominados poros (macro e microporos), tem a capacidade
de armazenamento de líquidos e gases. Quanto maior for o equilíbrio entre essas
três fases, propiciarão uma maior atividade biológica e o estabelecimento do
processo de ciclagem biogeoquímica, favorecendo o estabelecimento e o
desenvolvimento da vegetação (VIEIRA et al., 1988).
As proporções destas
partículas, podendo ser observadas no Quadro 13, determinam a textura do solo.
O arranjo das diversas partículas juntamente com os efeitos cimentantes de
materiais orgânicos e inorgânicos, determinam a estrutura do solo.
QUADRO 13 - Tamanho das partículas do solo
Partículas
|
Diâmetro (mm)
|
Matacões
|
> 200
|
Calhaus
|
200-20
|
Cascalhos
|
20-2
|
Areia
grossa
|
2-0,20
|
Areia
fina
|
0,20-0,05
|
Silte
|
0,05-0,002
|
Argila
|
< 0,002
|
Fonte:
RESENDE et al., 2002.
A parte sólida é
principalmente mineral, sendo essa fração constituída por minerais primários
não intemperizados, classificados de acordo com o tamanho de suas partículas,
nas frações cascalho, areia ou silte; e minerais secundários na fração argila.
Especialmente, as
partículas do tamanho argila (menor que 0,002 mm) afetam as características
físicas e químicas do solo, pois exibem comportamento coloidal, apresentando
cargas de superfície e grande área específica, sendo a fração que garante a
atividade do solo. Os materiais orgânicos são constituídos de resíduos vegetais
e animais, parte dos quais são vivos e, aqueles restantes, apresentando
diversos estágios de decomposição (VIEIRA, 1975; VIEIRA et al., 1988).
A parte líquida
constitui-se essencialmente de água, contendo minerais dissolvidos e materiais
orgânicos. Ocupa parte ou quase todo o espaço vazio entre as partículas
sólidas, dependendo da umidade do solo. Essa água pode ser absorvida pelas
raízes das plantas, evaporada para a atmosfera, drenada ao longo do perfil ou
retida na matriz do solo (RESENDE et al.,
2002).
A parte gasosa ocupa os
espaços vazios não ocupados pela água. É uma porção importante do sistema solo,
pois a maioria das plantas exige certa aeração do sistema radicular (ibidem).
As proporções relativas das
três fases variam continuamente e dependem de variáveis como clima, vegetação e
manejo. Existe uma correlação com as características físicas e químicas do
solo, que determinam a sua qualidade.
As propriedades físicas,
tais como a densidade aparente e a textura, influenciam na aeração, na
permeabilidade, na infiltrabilidade e na capacidade de retenção de água. As
propriedades químicas são as concentrações de componentes orgânicos e
inorgânicos que determinam características, tais como a fertilidade do solo e a
salinidade, sendo quantificáveis. Tais propriedades, físicas e químicas,
exercerão influência sobre a atividade biológica (SCHAEFER et al., 2000).
Portanto, o solo é o local
onde ocorre a interação das esferas hidrológicas, biológicas, atmosféricas e
geológicas. Dada essa importância, pode ser usado como base para classificação
de área degradada e para definir o grau de depauperamento da sua
potencialidade.
- Indicadores de qualidade do
solo
Quando
ocorre intervenção por atividades antrópicas em uma determinada área, sem as
devidas precauções, pode propiciar a sua degradação, podendo ser dividida em
três categorias, as quais após a identificação e quantificação, poderão ser
utilizadas funcionando como indicadores de qualidade do solo (DORAN e PARKIN,
1994; REINERT, 1998):
a)
Degradação
física:
Estão relacionadas às alterações das
condições estruturais do solo, ou seja, refere-se à perdas de condições
ligadas: 1) à forma, tais como densidade, porosidade, infiltração e aeração; e
2) à estabilidade, tais como a coesão e a resistência dos agregados. Alto grau
de compactação, reduzida aeração, alta friabilidade, susceptibilidade à erosão,
baixa retenção de água e alteração topográfica do terreno, como o selamento,
indicam o declínio das condições estruturais do solo e sua degradação física.
Principais indicadores: textura, estrutura,
profundidade do solo, do horizonte superficial e das raízes, densidade do solo,
taxa de infiltração e capacidade de retenção de água;
b)
Degradação
biológica:
Caracterizada, principalmente, pela perda da
biodiversidade do solo e pela redução do teor de matéria orgânica, tendo como
principal consequência a baixa ou nula atividade da micro (menor de 0,2 mm em
tamanho), meso (de 0,2 a 2 mm) e macrofauna (de 2 a 20 mm) e flora do solo. A
existência de atividade biológica estabelece o processo de ciclagem
biogeoquímica, que permite a sustentabilidade do sistema.
Principais indicadores: C e N contidos na biomassa
microbiana; N potencialmente mineralizável e taxa de respiração do solo; e
c)
Degradação
química:
Reflete os insumos, como a adição desregrada
de agroquímicos ao solo; e as saídas, como os nutrientes exportados pela
produção agrícola ou pela madeira dos plantios florestais (“drenos
florestais”), que reduzem a fertilidade do solo. Processos de acidificação e
salinização são exemplos de degradação química do solo.
Principais indicadores: carbono orgânico total,
matéria orgânica do solo, N total; pH; condutividade elétrica; e N, P e K
disponíveis.
Dessa
forma, pode-se concluir que solos degradados, entre outros, caracterizam-se por
apresentar (SÁNCHEZ, 2001):
ü Perda de matéria orgânica
devido à erosão ou a movimentos de massa;
ü Acúmulo de material
alóctone recobrindo o solo;
ü Alteração negativa de suas
propriedades físicas, tais como sua estrutura ou grau de compacidade;
ü Alteração de
características químicas, devido a processos como salinização, lixiviação,
deposição ácida e concentração de poluentes; e
ü Morte ou alteração das
comunidades de organismos vivos do solo.
Dentro
dessa realidade, o modelo de produção agroquímico, devido à grande quantidade
de energia artificial incompatíveis com o sistema natural, produzindo um volume
significativo de resíduos, apresenta maior entropia em relação ao modelo de
produção familiar, como lavouras conduzidas sob manejo orgânico.
O
aumento da energia pode ocorrer de forma lenta e gradual, como nos processos
naturais de formação dos solos; ou de forma mais rápida, produzida por meio da
interferência antrópica, em função da adição de energia nos sistemas, sejam
agrícolas, pecuários, florestais, urbanos ou industriais (KOBIYAMA et al., 2001).
Para
DIAS e GRIFFITH (1998), o uso adequado desses indicadores depende de uma visão
holística que os integre de forma harmônica a um determinado ecossistema que
esteja sendo avaliado. Para isso, é fundamental que sejam definidos valores de
referência para a avaliação dos estágios de degradação e, que não sejam padrões
fixos, mas sim valores obtidos de áreas próximas, que ainda não tenham sofrido
ação antrópica.
Maior
número de pesquisas é necessário para a avaliação dos solos sob o enfoque de
degradação, para que rotinas possam ser estabelecidas, de tal forma que o
monitoramento e o diagnóstico contemplem o binômio agilidade e facilidade de
realização.
- Abordagem não segmentada
Baseia-se
na interpretação e quantificação de características ecológicas que determinam a
resiliência e a sustentabilidade do ambiente. Qualquer intervenção que possa
promover a alteração dos fluxos de energia, na ciclagem de nutrientes e na
quantidade e na qualidade da água, resultará em redução da capacidade de
suporte e aumento da entropia, promovendo alterações do ciclo biogeoquímico;
não cessando o distúrbio, poderá ocorrer a degradação do ambiente.
Para
que um determinado sistema seja autossustentável, é necessário que haja um
equilíbrio entre os grupos metabólicos (DIAS, 2003a):
a) Produtores primários: são
os organismos capazes de absorverem as radiações solares, fixando-as em
moléculas orgânicas por meio da fotossíntese;
b) Consumidores: são
os organismos que utilizam os produtores primários como fonte de alimentação,
consumindo os tecidos vegetais, tanto acima da superfície do solo, como também
nas camadas inferiores. Para a manutenção da diversidade, possuem a importante
função da dispersão de propágulos das plantas e matéria orgânica, além de
promoverem o retorno do carbono para a atmosfera, na forma de dióxido de
carbono. Dentre os organismos que compõem essa cadeia, os animais que comem
plantas são consumidores primários; aqueles que comem os consumidores primários
são consumidores secundários, como por exemplo, muitos pássaros predadores,
peixes e insetos. Os consumidores terciários comem os secundários, como por
exemplo, os carnívoros;
c) Decompositores: são
os organismos responsáveis pela quebra dos compostos orgânicos dos produtores
primários e dos consumidores mortos, possibilitando o retorno dos elementos
para a sua forma mineral, sendo reutilizados por meio da reciclagem. A sua
grande importância está relacionada ao fato de evitarem o acúmulo de matéria
orgânica, o que conduziria à exaustão do carbono da atmosfera. Como função
secundária, também de significativa importância, a de desenvolvimento e
manutenção da estabilidade da estrutura do solo, favorecendo a formação de
agregados. Consistem basicamente de bactérias, fungos e protozoários (DIAS,
2003a). Os microrganismos que contribuem à agregação do solo são todos
heterótrofos que necessitam de matéria orgânica como fonte de energia. Os
actinomicetos são considerados os mais poderosos agregadores do solo,
especialmente por serem os formadores mais eficazes de substâncias húmicas
(PRIMAVESI, 1987).
Dessa
forma, a estabilidade de um sistema depende da interação complexa entre
produção, consumo e ciclagem de gases, solutos e líquidos. Em um sistema natural,
duas características são particularmente importantes para a avaliação de um
processo de degradação - a capacidade de
suporte e a biodiversidade (DIAS, 2003a):
a)
Capacidade
de suporte:
Pode
ser definida como a densidade máxima teórica que um determinado sistema é capaz
de sustentar, considerando tanto o número de espécies como o volume de
biomassa. A biomassa está diretamente relacionada ao total de carbono orgânico
existente, representando o limite superior do sistema. A magnitude da
capacidade suporte está diretamente influenciada e dependente por uma
combinação de fatores, tais como regime hídrico, temperatura, radiação solar,
solo e topografia. De acordo com ODUM (1988), à medida que aumentam o tamanho e
a complexidade de um sistema, o custo energético de manutenção tende a aumentar
proporcionalmente; assim, caso o tamanho de um sistema seja dobrado, geralmente
torna-se necessário mais que o dobro da quantidade de energia que deve ser
desviada para reduzir o aumento na entropia; e
b)
Biodiversidade:
Pode
ser definida como o número e a abundância relativa de espécies existentes. Em
um conceito mais amplo, pode-se dizer que é o conjunto das variações de base
genética que ocorre em todos os níveis de vida, desde as variações dentro de
uma única população, até as variações existentes em todas as comunidades de
todos os ecossistemas do mundo. Engloba as plantas, os animais, os
microrganismos, os ecossistemas e os processos ecológicos em uma unidade
funcional. A diversidade de espécies apresenta dois componentes: 1) a riqueza -
definida como o número de espécies presentes; e 2) a uniformidade ou equitabilidade
- reflete a abundância relativa ou a forma como os indivíduos encontram-se
distribuídos, em número, entre as diferentes espécies existentes. Segundo ODUM
(1988), a capacidade de resiliência está relacionada à diversidade biológica.
Quanto maior for o tamanho e
a complexidade estrutural do ecossistema, a tendência é que maior seja a sua
biodiversidade.
Após
a ocorrência de estresse em um determinado ecossistema, quanto maior for a sua
base de informações genéticas, maior será a sua chance da manutenção da
estrutura anterior e do funcionamento do sistema de maneira igual ou semelhante
à pré-degradação, principalmente devido à sua capacidade de produção de
biomassa (retornos crescentes com a escala ou economia de escala), mesmo tendo
havido aumento da entropia.
Este
volume de informações que a biodiversidade carrega, representam a resiliência do sistema. Em um sistema
natural, existe um equilíbrio entre a produção e o consumo de energia: quando
ocorrem perturbações, caso elas não cessem, haverá desequilíbrio, podendo
chegar a um colapso catastrófico (retornos decrescentes com a escala ou
deseconomia de escala) resultante do maior custo necessário para se livrar da
desordem. Ou seja, quando os limites são ultrapassados e a entropia excede a
capacidade do ecossistema de o dissipar, haverá a redução de seu tamanho e
perda de biodiversidade.
Com
o fim do estresse, a resiliência do sistema permitirá o restabelecimento da
capacidade de suporte aos níveis iniciais, ou próximos àqueles, o mesmo
acontecendo à entropia. O tempo necessário para que isto ocorra, está
diretamente relacionado com características de cada sistema e a frequência e
intensidade de novos estresses. Portanto, a manutenção da biomassa vegetal
passa a ter um papel fundamental na sua manutenção, permitindo a fixação de
carbono e ao mesmo tempo transformando-se num agente de ciclagem de nutrientes,
mantendo no sistema um determinado “status” de nutrientes que resulta nas suas
estabilidade ou sustentabilidade (ODUM, 1988; BARROS e NOVAIS, 1990; DIAS,
2003a).
Portanto,
quanto maior for a complexidade de um sistema, tanto maior será a sua
capacidade de autorregulação. Entretanto, há que se considerar: a medida que um
ecossistema torna-se maior e mais complexo, uma maior parte da sua produção
será utilizada para a sua sustentação, diminuindo, proporcionalmente, a parcela
da produção bruta que poderia ser destinada ao crescimento.
Quando
o equilíbrio entre as entradas e saídas é atingido, o tamanho desse ecossistema
não poderá mais aumentar, ou seja, será atingida a sua “capacidade máxima de
suporte”. Para que esta seja sustentável ao longo do tempo, frente às
incertezas ambientais, deve ser calculada considerando valores inferiores:
empiricamente, é calculada em torno de 50% da capacidade máxima teórica de
suporte (ODUM, 1988).
Por
esse motivo, a devastação decorrente da exploração extrativa de madeira das
matas brasileiras de forma predatória, caracterizada pelo nível reduzido de
investimento e pela utilização de tecnologia rudimentar, vem ocasionando a
extinção de espécies florestais de conhecido valor comercial e, principalmente,
ecológico. Como agravante, nessas áreas são introduzidas pastagens, que recebem
animais acima da sua capacidade de suporte, onde nenhuma prática
conservacionista é adotada, sem nenhuma correção ou reposição de nutrientes ao
solo.
Em
decorrência desse fato, além do processo de degradação do solo que se inicia,
considerando que não seja respeitada a frequência de regeneração para cada
espécie, ocorre o comprometimento do seu potencial genético, principalmente
pelo fato de que nenhum exemplar adulto das espécies arbóreas é conservada na
área em questão (LESCURE et al.,
1997).
Esse
desmatamento descontrolado tem provocado a ocorrência de inúmeras áreas
degradadas e até mesmo, ecossistemas inteiros, principalmente em solos
relativamente pobres, como os da Amazônia e do Cerrado brasileiros.
Quando o nível de nutrientes ou de energia de
um sistema sofre uma alteração excessiva, a estabilidade do sistema é afetada,
não retornando até que um novo equilíbrio seja atingido, naturalmente ou pela
ação do homem.
- A construção de cenários
Existem várias experiências
de sucesso em programas de recuperação. Entretanto, para fazer o monitoramento
da recuperação é fundamental acompanhar as alterações que se processarão no
solo. Uma das formas de avaliar perdas de solo por processos erosivos em áreas
degradadas ou recuperadas, para a verificação do estádio da sua recuperação, é
usar como estratégia a comparação destas áreas com paisagens naturais
localizadas na proximidade. Elas representam a memória de uma dada região.
Essa estimativa deve ser feita
analisando-se as diversas características do local, incluindo clima,
topografia, geologia, cobertura vegetacional, uso e manejo do solo. Servirá
também de base para monitoramento e comparações futuras do local. A evidência
de que processos erosivos persistem, evidenciam a existência de problemas
hidrológicos no local (CURTIA et al.,
1994).
De acordo com TOY e DANIELS
(1998), a cobertura vegetacional, a diversidade de espécies e a produtividade
da área alterada são habitualmente comparadas com as áreas não perturbadas, ou
seja, é uma estratégia que utiliza como abordagem uma “área de referência”.
Entretanto, essa estratégia é problemática, pois:
a) exige réplicas do
ecossistema pré-perturbação; e
b) envolve comparações
entre comunidades de plantas nos seus diversos estádios de desenvolvimento e da
comunidade original desse solo com distúrbios.
Uma alternativa é a “abordagem utilitária”, que avalia se a capacidade
do solo perturbado caso corretamente utilizado, poderá sustentar a capacidade
de uso do solo pretendido.
Por exemplo, se o uso
futuro do solo escolhido for pastagem, solos recuperados deveriam produzir
forragem e garantir ganhos de peso ao gado apropriado para a região, sem
efeitos prejudiciais ao ecossistema (ibidem).
Entretanto, o procedimento
correto para o sucesso da recuperação, mais seguro e científico, exige a
elaboração de cenários pré e pós-degradação, onde serão estabelecidos os
objetivos do processo de recuperação.
- Cenário pré-degradação
O diagnóstico para a
elaboração do cenário pré-degradação, deve ser realizado a partir de fatores
ambientais das áreas de influência e naquelas diretamente afetadas, abrangendo
os componentes destacados durante os Estudos dos Impactos Ambientais,
particularmente aqueles que mereceram destaque no Relatório de Impacto
Ambiental do projeto, tais como (SILVA, 1993; 1994a; 1994b; 1998; DIAS, 2003a):
ü Meio físico
- clima e condições meteorológicas, qualidade do ar, ruído, geologia,
geomorfologia, solos, recursos hídricos, hidrogeologia e qualidade das águas;
ü Meio biótico
- a) ecossistema terrestres - flora e vegetação (descrição e mapeamento
atualizados dos estratos vegetacionais, levantamento fitossociológico para
determinação da densidade, abundância, importância e dominância das diversas
espécies da vegetação encontradas, identificando aquelas de interesse
científico e ameaçadas de extinção), fauna (também, devem ser identificadas com
destaque as raras, as ameaçadas de extinção, as de valor econômico e
científico, os indicadores de qualidade ambiental, assim como as de interesse
epidemiológico) e as possíveis
descrições das inter-relações fauna-flora e fauna-fauna na área considerada; e
b) ecossistema aquático - caracterização do estado trófico dos corpos d’água
estudados (a caracterização limnológica deverá atender a necessidade de se
conhecer as condições física, química e biológica dos cursos d’água a serem
aproveitadas nos projetos propostos); e
ü Meio socioeconômico
- dinâmica populacional, uso e ocupação do solo, uso da água, patrimônio
natural e cultural, nível de vida, estrutura produtiva e de serviços e
organização social.
Após esse levantamento, as
informações derivadas devem ser avaliadas por especialistas das diversas áreas
relacionadas, para que sejam interpretadas e integradas de forma ordenada e
detalhada, sem perder a visão global do ambiente.
A partir de análises e ponderações, surgirão as propostas de recuperação
e mitigação de possíveis impactos ambientais. Servirão, também, para a
elaboração do cenário pós-degradação. Essas informações devem diagnosticar e
representar da melhor maneira possível, com a maior fidelidade, as
características do ambiente.
As
informações levantadas podem ser classificadas em quatro categorias (HARRIS et
al., 1996; DIAS, 2003a):
ü Histórico da área
- mapas, jornais, revistas, fotografias, livros, registros em cartório,
processos jurídicos, entre outros;
ü Uso corrente
- levantamento visual, indicadores econômicos, registros civis, etc.;
ü Topografia ou arquitetura
- levantamentos e mapas topográficos; e
ü “Status” biogeoquímico
- mapas de solos, geologia e hidrologia, vulnerabilidade de águas subterrâneas,
monitoramento biológico, amostragens e análises dos diferentes componentes do
sistema.
De acordo com DIAS (2003b),
o uso de imagem de satélite e de fotografia aérea, quando comparados diferentes
períodos são fontes valiosas de informações sobre a evolução de processos de
degradação, conservação, desflorestamento e urbanização do ambiente. Desta
forma, auxiliam no estabelecimento do potencial de recuperação da área.
Com o advento do Sistema de
Informação Geográfica (SIG) esse trabalho ficou facilitado, em face do enorme
potencial desta ferramenta, pois permite a análise global do ambiente sob
diferentes enfoques, sem que haja perdas do detalhamento necessário para a
identificação de problemas pontuais.
Dessa maneira, após
sistematizadas as informações, são elaborados os mapas que permitirão a visualização
do cenário pré-degradação. Este servirá de referencial e também possibilitará a
elaboração do cenário pós-degradação, onde poderá ser avaliado o potencial de
recuperação e da determinação dos objetivos dos procedimentos.
Porém, deve-se estar
ciente, que a recuperação ambiental não pode reproduzir toda a geologia, solo e
propriedades vegetativas que existiram antes da perturbação. Assumidos que
aquele solo e as características vegetativas se desenvolveram ao longo do tempo,
eventualmente podem retornar a uma condição semelhante àquela de equilíbrio
prévio ou, talvez, atinjam uma nova condição de equilíbrio.
A evolução do solo e
das propriedades vegetativa afeta os processos hidrológicos e a erodibilidade
de taludes, como também a descarga de sedimentos carreada pelo fluxo dos canais
(indica o principal tronco do sistema de drenagem. Por exemplo, os rios são
definidos como corpos d’água em movimento, confinados em um canal (CUNHA, 2003).
O cenário
pré-degradação mostra que é possível examinar mudanças no solo, vegetação e
propriedades do canal por algumas décadas, em locais anteriormente recuperados,
usando dados da linha de base e fotografias aéreas obtidos antes da
perturbação, junto com as atuais medidas no campo (FOSTER, 1982; TOY e DANIELS,
1998; TOY et al., 2002).
Finalmente,
a avaliação por meio de indicadores físicos, químicos e biológicos, dos
componentes bióticos e abióticos do ambiente, permite a determinação de seu
grau de degradação: os cuidados recaem ao uso de padrões ou referências para a
interpretação de indicadores, que devem, preferencialmente, ser originados do
local em estudo (discutidos no sub-capítulo 4.2.6. Abordagens para a
caracterização de área degradada).
Assim, o
levantamento pré-degradação, funciona como peça fundamental para o
estabelecimento desses padrões e referências, tanto para quantificar a
intensidade de degradação, como também servirá de parâmetro futuro no cenário
pós-degradação, para o monitoramento e a avaliação do estádio de recuperação
(DIAS, 2003a).
- O cenário pós-degradação
Para
a elaboração do cenário pós-degradação, devem ser realizados levantamentos
semelhantes àqueles do cenário pré-degradação. Porém, em função do tipo e das
características das atividades que darão origem ao processo de degradação,
devem ser incluídas outras avaliações, além de abordagens distintas, por
exemplo, a necessidade de monitoramento.
Os
levantamentos pós-degradação têm como principal objetivo caracterizar os
diferentes ambientes do sistema degradado, de forma a classificá-los quanto:
a) ao grau de
degradação;
b) aos riscos
ambientais;
c) às estratégias de
mitigação de impactos; e
d) às potencialidade
de uso.
Por
esses motivos, a elaboração do cenário pós-degradação, passa a ser uma ferramenta
de extrema importância para o estabelecimento dos objetivos da recuperação e
para a determinação de estratégias compatíveis com os objetivos predeterminados
(DIAS, 2003a).
A
recuperação de locais com distúrbios envolve uma variedade de práticas de manejo
de curto e longo prazo, normalmente projetadas antes da perturbação, para
minimizar os impactos adversos e maximizar o potencial produtivo futuro do
local.
Porém, é importante
perceber que alguns efeitos de curto prazo, como aumento do escoamento
superficial, produção de sedimentos e deslocamento da vida selvagem (flora e
fauna), são inevitáveis em atividades perturbadoras de solo, particularmente
naquelas que promovem grandes movimentos de solo e retirada da cobertura
vegetacional, tais como a mineração, a construção de rodovias e ferrovias, ou
mesmo grandes áreas de confinamento de bovinos.
Então, embora o
enfoque de metas de recuperação ou reconstrução da pedopaisagem seja de longo
prazo, todos impactos hidrológicos, estratégias de revegetação e recuperação
após o uso do solo, deve ser incluído um programa ativo de mitigação dos
impactos temporários contendo operações diárias e planos contingenciais (TOY e
DANIELS, 1998).
Os riscos ambientais
são determinados levando-se em consideração o grau de degradação, as
características do ambiente propriamente dito e da circunvizinhança, no sentido
de delimitação da área de influência e das próprias estratégias de recuperação
(DIAS e GRIFFITH, 1998).
Em geral, medidas de
controle do movimento das águas superficiais e dos sedimentos, incluindo na
rotina práticas que facilitem a manutenção, são aspectos importantes para
evitar impactos ambientais fora do local da perturbação do solo.
Em circunstâncias
onde fortes temporais incidem sobre superfícies áridas, tais como:
a) em áreas de
pastagens degradadas;
b) taludes expostos
nos ambientes urbanos; e
c) em áreas
mineradas,...
...a erosão causada pelas águas pluviais é agravada pela falta de
vegetação.
Como consequência,
pode resultar sério problema nos taludes, podendo evoluir de uma ligeira erosão
laminar para erosão por sulcos, ravinas e, finalmente, grandes voçorocas.
Inclusive, poderão ocorrer movimentos de massa, tornando-se assim, uma situação
de difícil controle.
Por esse motivo,
terrenos sem vegetação devem ser protegidos da água corrente originada das
partes mais elevadas, de tal forma que os procedimentos de recuperação
ambiental, tais como a reposição de matéria orgânica e o replantio de mudas,
não sejam perdidos com as chuvas que carregam a camada fértil do solo e do
subsolo para cotas mais baixas (fundos de vale, rios, lagos, represas).
A água transportada
dentro do local deve ser contida por meio de canais apropriados, com a
utilização de estruturas para a contenção de sedimentos, considerando as
condições de solo, declividades e clima (os filtros das calhas de drenagem,
quando houver, devem ser limpos constantemente).
Os esforços de
revegetação devem ser simultâneos à perturbação imposta, para que a área total
a ser exposta seja reduzida. As valetas (canaletas, calhas, escadas,
tubulações, bueiros, fossa) de escoamento de superfície, lagoas de sedimentos e
estruturas temporárias, exigem manutenção rotineira para assegurar seu efetivo
controle.
As canaletas em
locais com maiores declividades deverão ser revestidas, por exemplo, com o uso
de sacos com solo-cimento ou argamassa com pedras de mão; ou construir escadas
para a dissipação da energia produzida pelo forte movimento das águas (IBAMA,
1990; OLSON et al., 1994; TOY e DANIELS, 1998; TOY et al., 2002).
Junto com as práticas de
gerenciamento de temporais, de manipulação e de reposição de material, o plano
deve ser revisado e ajustado para prevenir prolongadas exposições altamente
erosivas ou estratos potencialmente tóxicos. Em áreas de mineração, as
propriedades físicas e químicas dos materiais, devem ser rigorosamente
analisadas antes da perturbação e, qualquer material que apresente pequeno
risco à qualidade da água, em curto ou longo prazo, devem ser identificados (TOY
e DANIELS, 1998; TOY et al., 2002).
Este nível de coordenação
de manipulação do material exige ajustes diários para reduzir ou substituir
alguns passos e efetivamente controlar o escoamento superficial no local. É
recomendável, inclusive para favorecer o abastecimento dos lençóis, construir
ao longo do sistema de drenagem pequenos tanques ou bacias de sedimentação
(caixas secas ou “barraginhas”).
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