* Maurício Novaes Souza
Desde
que escrevi a minha dissertação de mestrado, entre 2002 e 2004, “Degradação
ambiental e recuperação ambiental e desenvolvimento sustentável”, fiquei muito
mais atento e questionador quanto ao comportamento do Homo
sapiens. A partir desta pesquisa, não consegui ter respostas para grande
parte das atitudes dos humanos, inclusive as minhas. Por que, com tanto
conhecimento, o homem pode causar tanta degradação? Para responder a esses
questionamentos, conhecer os tempos remotos de nossa espécie e como ela deixou
de ser um animal qualquer com
impacto insignificante no planeta para se tornar dona do mundo, capaz de destruí-lo com o apertar de alguns acionadores,
sempre foi algo que me interessou saber,
e foi por isso que fiquei muito feliz ao conhecer e ler este livro.
Título do livro - Sapiens:
uma breve história da humanidade.
Yuval Noah Harari, o autor, é doutor em História pela
Universidade de Oxford, especializado em história mundial e professor da
Universidade Hebraica de Jerusalém.
A tese central do
livro:
o homem conseguiu sua supremacia incontestável sobre qualquer outra espécie
nesse planeta devido à sua capacidade de criar e compartilhar mitos. Ou seja,
sua capacidade de criar ficção!
Os questionamentos do livro: qual
a relação entre história e biologia? Existe justiça na história? As pessoas se
tornaram mais felizes com o passar do tempo? Seguindo o raciocínio
de Harari, as realidades imaginadas acabam por formar uma rede de instintos
artificiais que une as pessoas. A essa rede chamamos cultura. As culturas
estão em constante mutação, muito por causa das contradições internas que
encerram. Por exemplo: liberdade e igualdade são dois valores que se
contradizem mutuamente e até “é
possível analisar toda a história política do mundo desde 1789 como uma série
de tentativas para reconciliar esta contradição”. Assim sendo, terá a história uma direção? O nosso assertivo
professor diz que sim! Corre do múltiplo para o uno por força gravídica de três
ordens universais: o dinheiro, os impérios e as religiões.
O livro trata: de forma bastante
agradável, mistura e articula conhecimentos de história, biologia, linguística,
geografia, antropologia, sociologia, capitalismo,
imperialismo, homossexualismo... É
um livro diferente porque conta a história de um personagem que muda
imensamente das primeiras páginas até as últimas linhas. Porém, este
protagonista tão especial, não é uma pessoa, e sim toda uma espécie: Homo Sapiens!
O livro
Sapiens trata da História da humanidade de um ponto de vista
"biológico", a partir da evolução do Homo sapiens desde a pré-história, passando pelas revoluções agrícola e industrial. O livro impressiona pela quantidade
de informação, com muito conhecimento de ecologia, escrita em linguagem
acessível, atraente e divertida. Em sua essência, sugere que, há centenas de
anos, o mundo era dominado por uma dúzia de espécies, das quais só a Homo Sapiens sobreviveu. O Sapiens não é
o mais forte e não temos a certeza de que tenha sido o mais inteligente. Não
fazemos ideia de como Neandertais ou Ergasters pensavam. Para Harari, somos
diferentes! Andamos em duas pernas, nossos bebes nascem até com o crânio
aberto, de tão pré-desenvolvidos que são e precisamos de mais comida para
alimentar nossos cérebros grandes demais. Hoje lidamos bem com a inteligência
e com nossos corpos, mas deve ter sido difícil num contexto caçador/coletor,
sem carros, parteiras ou facas. Na verdade é perigoso para nossas
crenças culturais pensarmos tão longe na história. Indo atrás da antropologia e
reconstruindo o passado vemos que somos uma série de acontecimentos aleatórios,
evoluções, descobertas e revoluções. O que isso tem de estranho? Parece extremamente
óbvio! Mas faz cair por terra a teoria de que nascemos sabendo, que somos
criados prontos!
O livro traça a trajetória da espécie pela
sucessão de três revoluções:
- a cognitiva (quando
nos tornamos astutos – há aproximadamente 70.000 anos): o nascimento da linguagem ficcional modifica todo
processo evolutivo e o homem se diferencia das demais espécies. Passa a contar
com a possibilidade de narrar histórias, criar ficção, relacionar-se com seus
deuses, obter conhecimento e falar sobre suas experiências - os Homo sapiens se espalham a partir do continente
africano. Aqui, essa nova humanidade, mais inteligente em relação aos
existentes e mais atrasados que os Neandertais, ainda é composta de
caçadores-coletores. Isto é, vivem do que conseguem obter em termos de caça e
coleta de vegetais. São nômades e ainda não formam propriamente uma sociedade. Em
pouco tempo suplantam por completo os Neandertais, eliminando-os.
- a agrícola (quando
moldamos a natureza a nosso favor e começa a unificação da humanidade). Essa
fase se inicia há aproximadamente 12 mil anos. Nela, já os encontramos em assentamentos permanentes, com a domesticação de
animais e de plantas. O homem vai deixando, lentamente, sua visão animista. Em
relação ao chamado especismo, Harari faz uma defesa veemente da questão animal,
denunciando a crueldade dos Sapiens, caracterizando os animais domesticados como as primeiras
vítimas da chamada Revolução Agrícola. O autor descreve os métodos cruéis como
é conduzida - desde longo tempo - a indústria de laticínios. Narra o fato de
que vacas, cabras e ovelhas destinadas à produção de leite, só o produzem após
terem uma cria, que comumente - até hoje - é logo abatida ao nascer. Nessa fase acontece a invenção
do dinheiro, dos impérios, das grandes religiões...; e
- a científica/industrial
(quando ganhamos um poder perigoso e nos tornamos deuses).
A
Revolução Industrial se inicia há aproximadamente 200-500 anos. O homem vai abandonando
crenças antigas que não são cientificamente comprovadas. A partir
daí suas invenções e descobertas são cada dia mais incríveis. Por toda a parte, e cada vez mais, as máquinas
criadas pelo homem fazem o trabalho que era deles. Nesse período tão recente, a
família e a comunidade se enfraqueceram e são substituídas pelo poder do Estado
e do mercado. Há extinção em massa de plantas e animais. Os humanos transcendem
os limites do planeta Terra, as armas nucleares se tornam uma ameaça efetiva à
sobrevivência da humanidade e dezenas de ecossistemas são degradados. Os
organismos são moldados não mais pela chamada seleção natural, mas pela
interferência do homem (design inteligente). Porém, nem toda essa
evolução se transforma em benefício aos Homo
sapiens. No quesito "multiplicação", a nossa espécie se saiu melhor
que as demais. Mas será que esta multidão de pessoas vive melhor hoje que há
30.000 anos? O livro compara muito bem nossas várias épocas e nos faz refletir
sobre como ocupamos nosso tempo e esforços.
O
fato é que essa massiva supremacia do Homem, que se inicia na Revolução
Cognitiva, ao ser capaz de criar mitos e de propagá-los, modificou o modo de
ver o mundo. Somos o único animal que acredita em coisas que não existem,
construtos abstratos (conceito teórico não observável - exemplos de construtos são personalidade, amor, medo...),
como nação, povo, dinheiro, benefícios previdenciários, e Harari não hesita em
apontar, também, as religiões como coisas pertencentes ao domínio da abstração.
Ninguém pode ser um
especialista em tudo, e não é de se surpreender que algumas conclusões pudessem
ser questionadas ou terem erros. Mas há muito alimento para o pensamento e para
a discussão, por exemplo, com a afirmação que a agricultura permitiu o
surgimento das sociedades de milhares e milhões de pessoas, e a dificuldade e o
desconforto de uma espécie que se criou em pequenas comunidades nômades para se
adaptar em grandes cidades impessoais. Pra fazer isso, Harari destaca a
capacidade de comunicação, que permitiu inventar mitos comuns ou ficções. Os
três mais importantes sendo o dinheiro, a religião e o império, todos eles que
permitiram a união das pessoas pelos tempos e lugares. Muito interessante e
altamente polêmico o autor dar a mesma origem para a religião, o dinheiro e
para os governos. Mas a clareza dos argumentos e a lógica da análise são
surpreendentes.
Quando analisa as revoluções da agricultura e
científica, tenta fazer uma previsão realista para onde a humanidade se dirige
- a conclusão é no mínimo assustadora. Nós sempre esperamos mais e não ficamos
satisfeitos com nossa condição material e com os objetos temos hoje que,
provavelmente, iriam encantar nossos avós. “Nossa intolerância para a inconveniência
e o desconforto” está tão enraizada que “nós podemos sofrer hoje muito mais dor
que nossos ancestrais jamais sofreram”. O crescimento científico e tecnológico,
a diferença e desigualdade social podem impor diferenças e desejos que tornarão
a vida sem eles insuportável. Já é sabido que a criminalidade está associada
mais a desejos e diferenças sociais do que à fome ou sobrevivência. O que irá
acontecer quando o crescimento científico e tecnológico aumentar?
Agravantes da modernidade
Para piorar, a
modernidade trouxe o colapso da família
– “a revolução social mais momentosa que já se abateu sobre a humanidade” – e
tem acabado também com o consolo da religião.
Se as pessoas nos tempos medievais “acreditavam na promessa de eterna
felicidade na vida após a morte” o livro sugere que, “eles podem, muito bem,
terem vivido as suas vidas como muito mais significativo e valor do que as
pessoas seculares modernas, que em longo prazo não podem esperar nada, além do
mais completo e sem sentido esquecimento”.
Eventualmente vamos mudar tanto que o Homo sapiens deixe efetivamente de
existir. Os nossos descendentes podem se tornar irreconhecíveis para nós. O
único procedimento que pode parar esta mudança, na opinião de Harari, é a possibilidade de uma catástrofe ambiental,
que também pode acabar com nossa espécie. Para Harari, a humanidade verá mais
um evento épico, quando nós seremos banidos nos próximos séculos. Seja porque
ganhamos poderes de deuses e nos tornaremos irreconhecíveis para nós mesmos, ou
porque iremos nos destruir por um desarranjo provocado no meio ambiente. Você
pode discordar das afirmações do livro, imaginar que há erros nas suas deduções,
mas não vai ficar indiferente.
Conclusões
Muito antes da Revolução
Industrial, o Homo sapiens já era recordista, entre todos os organismos, em levar espécies de
plantas e animais mais importantes à extinção. Segundo Harari, temos a honra duvidosa de ser a espécie mais
mortífera nos anais da biologia.
Harari
afirma, a certa altura do texto, que as guerras de grandes proporções não têm
como acontecer no mundo de hoje: não porque as pessoas tenham se tornado
melhores, mas porque tais conflitos não seriam rentáveis. Além do mais, os
“tesouros” a conquistar migraram do natural (petróleo, ouro,...) para o
mítico/intelectual (a informação, as pesquisas, o conhecimento). Outra razão,
sempre de acordo com Harari, é que os países, ao se tornarem globalizados,
também se tornaram interdependentes e ninguém, efetivamente, lucraria com uma
guerra de proporções planetárias – porque todos sairiam perdendo. Além do mais,
o arsenal nuclear, cujo poder destrutivo faria desaparecer o planeta, construiu
uma “pax atômica”, que refreia qualquer anseio de dominação por meio de armas.
Para quem
tem alguma religião, o livro poderá te incomodar com o tratamento que Harari dá às
religiões de um modo geral, à católica de um modo restrito, caracterizando-as
como mera imaginação coletiva.
O
livro quebra os paradigmas mais arraigados na nossa sociedade: mostra da forma
mais lógica possível como chegamos às nossas características atuais. Indiscutivelmente,
esse livro me trouxe mais conhecimento, esclarecimento e reflexão, somando
de forma significativa aos conhecimentos adquiridos na oportunidade de
elaboração da minha dissertação, há 15 anos. Mesmo que eu não concorde com
todas as opiniões pessoais do autor que estão implícitas na obra, eu admiro a
lógica e a sua maneira agradável de escrever.
O fato é que o livro é repleto de erudição sem pretensão e do
mais fino humor que um historiador pode utilizar sem perder a seriedade acadêmica.
Lendo, você poderá sentir dificuldade em acompanhar e apreciar o brilhantismo
exuberante, mas nunca infantil, de Harari, tal a frequência com que se manifesta!
Ao
final, meio profético e assustador, aponta
algumas mudanças necessárias para a manutenção
de nossa espécie, coroando um
livro que consegue, de forma geral, nos fazer entender, e ser, um Homo
sapiens, no mínimo, mais reflexivo e melhor. Este é, decididamente, um livro que faz bem à cabeça do Sapiens.
HARARI, Yuval Noah. Sapiens – uma breve
história da humanidade. Porto Alegre, RS: Editora L&PM, 2014. 464p.
* Engenheiro Agrônomo, Mestre em Recuperação de Áreas
Degradadas e Gestão Ambiental e Doutor em Engenharia de Água e Solo pela
Universidade Federal de Viçosa. Foi professor do IF SEMG campus Rio Pomba.
Atualmente, IFES campus de Alegre. E-mail: mauriciosnovaes@yahoo.com.br.
5 comentários:
Ansioso para ler Sapiens!
Obrigado pela resenha mestre.
Maravilhosa resenha, obrigada!
Muito bom professor. Gostaria mesmo de ler o livro.l
Maravilhosa resenha professor. Já comprei o livro, estou aguardando a chegada
p leitura.
Parabéns professor, sua resenha cria uma vontade instantânea de ler o livro muito bem feita.
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