José Eustáquio Diniz Alves*
Simon Kuznets (1901-1985) foi um
economista nascido na Ucrânia, ganhador do Prêmio Nobel de 1971, que fez
importantes contribuições aos estudos macroeconômicos. Originalmente, a “Curva
de Kuznets” foi uma representação gráfica elaborada para expressar a hipótese
de que o aumento da desigualdade de renda é uma tendência natural dos primeiros
ciclos do desenvolvimento, mas que se reverte com o passar do tempo, pois as
próprias forças de mercado se encarregariam de reduzir as desigualdades a
partir do momento em que uma nação alcança certo limiar de renda per capita.
A Curva Ambiental de Kuznets
(CAK) tem a mesma forma do “U invertido”, mas é aplicada para a área ambiental.
A CAK tem sido usada pelas pessoas que defendem o desenvolvimento econômico
como uma prioridade em relação ao meio ambiente. A ideia básica é que o
desenvolvimento só causa grandes problemas ambientais em suas etapas iniciais
(no take off rostowniano). Porém, a partir de certo ponto, o aumento da renda
per capita e da educação levaria à uma menor degradação ambiental. Portanto,
segundo o otimismo kuznetiano, altas doses de desenvolvimento seriam úteis não
só para reduzir as desigualdades sociais, mas também para salvar a natureza.
O “U invertido” seria o melhor
dos mundos se fosse verdade, pois investimentos em tecnologia e educação
resolveriam os problemas simultâneos da pobreza e do meio ambiente. Mas a CAK é
uma metodologia que ainda não foi comprovada, embora caia como uma luva
ideológica perfeita, tanto para as diversas correntes nacionalistas (à direita
e à esquerda), quanto para os economicistas, os positivitas, os socialistas
stalinistas, os fundamentalistas de mercado, os neoliberais e os chamados
céticos do clima.
Os dados dos Estados Unidos da
América (EUA), em relação à desigualdade de renda, são ilustrativos. O índice
de Gini diminuiu ligeiramente entre os anos 1920 e 1970, podendo sugerir alguma
praticidade da “Curva de kuznets”. Porém, depois das políticas implantadas por
Ronald Reagan e George Bush (pai e filho) a concentração de renda voltou a
aumentar, apontando para um formato não de “U invertido”, mas sim um formato
“N”, ou seja, um aumento inicial, depois uma queda, seguida de uma nova subida.
Um estudo de 2011, feito pelo Congressional Budget Office (CBO) mostrou que os
ganhos nominais da parcela dos 1% mais ricos da população norteamericana
cresceu 275% entre 1979 e 2007, contra 40% de aumento nominal dos 60% da base
da pirâmide de renda.
Portanto, a “Curva de Kuznets”
não se aplica para o caso dos EUA – país super desenvolvido e lider da economia
mundial. Por outro lado, países como Taiwan, Coréia do Sul e Singapura
apresentaram rápido desenvolvimento econômico sem passar pela fase de grande
concentração de renda. Desta forma, a CAK não acontece necessariamente nem na
sua fase ascendente e nem na descendente. O professor José Gabriel Palma
(2011), da Universidade de Cambridge, publicou artigo recente mostrando que não
há prova alguma da veracidade da “Curva de Kuznets” em relação à desigualdade
de renda, nos diversos países do mundo.
Quanto à curva ambiental a
questão é ainda mais complexa e a metodologia mais frágil. Na adaptação para o
meio ambiente, a Curva Ambiental de Kuznets (CAK) representa a relação entre o
aumento da renda per capita (e da educação) e a redução da degradação
ambiental. Mas, Simon Kuznets não chegou a ver o uso e o abuso de sua curva. O
início do uso da CAK é atribuído a um paper de 1991 de autoria dos economistas
americanos Gene Grossman e Alan Krueger. Eles utilizaram medidas de poluição em
cidades de 42 países e examinaram, por meio de técnicas econométricas, a
relação entre qualidade do ar e crescimento econômico. Encontraram a forma do
“U invertido” nos casos do dióxido de enxofre (SO2) e fumaça.
Os estudos econométricos sobre a
CAK, de maneira geral, apontam que o pico da degradação ambiental tende a
ocorrer quando a renda per capita fica entre US$ 5 mil e US$ 8 mil. Após este
nível o crescimento econômico, em vez de causar degradação, seria a solução
para o meio ambiente. Artigo dos pesquisadores Nemat Shafik e Sushenjit
Bandyopadhyay foi utilizado para fundamentar o World Development Report, do
Banco Mundial, em 1992. Das dez medidas de qualidade ambiental usadas, quatro
demonstraram comportamento na forma de U invertido – falta de água, falta de
saneamento urbano, partículas suspensas e SO2. Em plena época neoliberal, estes
tipos de estudos reforçaram a ideologia da desregulamentação, sugerindo que o
mercado faria os ajustes necessários para a inclusão social e a
sustentabilidade ambiental, na medida em que houvesse crescimento da renda per
capita e da educação.
Segundo Pardini (2008): “Além de
ignorar o sistema, seja ele uma economia local, seja o comércio global, a ideia
por trás da CAK descola-se da realidade por não assumir que existe feedback
entre a degradação ambiental e a economia. A relação é vista como tendo apenas
uma mão – mais crescimento leva a menos poluição – e não o seu contrário – mais
poluição leva a menos crescimento. Ignora a possibilidade de os efeitos da
degradação ambiental serem irreversíveis e, portanto, afetarem a possibilidade
de geração de renda”.
De fato a degradação ambiental
só tem se agravado no mundo nas últimas décadas, como mostram os dados do
aquecimento global, da poluição dos rios, lagos e oceanos, a extinção de 30 mil
espécies por ano, as áreas de florestas estão diminuindo para atender a demanda
de madeira e a demanda de espaço para a agricultura e a pecuária. Especies
invasoras substituem a vegetação original. O mal uso do solo provoca erosão,
salinização e desertificação, etc.
Neste quadro geral de degradação
ambiental, quer ressuscitar a CAK é fechar os olhos para a realidade crua e
nua. O pesquisador David Stern, do Rensselaer Polytechnic Institute, em Nova
York, revendo os estudos sobre a Curva Ambiental de Kuznets, chegou à conclusão
que quando se leva em consideração os diagnósticos estatísticos, os testes de
especificação e se usa técnicas apropriadas, percebe-se que a CAK não existe
(2004): “Parece que a maioria dos indicadores de degradação ambiental aumenta
monotonicamente com a renda”.
Segundo o relatório Planeta
Vivo, da WWF, a pegada ecológica da humanidade passou de 7,2 bilhões de
hectares globais (gha) em 1961 para 17,3 bilhões de gha em 2008, representando
um consumo dos recursos naturais 50% acima da capacidade de regeneração do
Planeta. A biocapacidade da Terra diminuiu de 3,2 hectares globais (gha) per
capita, em 1961, para 1,8 gha per capita, em 2008.
Ou seja, tem havido diminuição
da capacidade de produção biológica do globo, enquanto aumenta o consumo de
bens duráveis e de alimentos provocado pelo crescimento populacional e
econômico.
Portanto, os últimos 200 anos da
história do desenvolvimento econômico – desde a Revolução Industrial e o início
do uso generalizado dos combustíveis fósseis – têm sido acompanhados pela
degradação ambiental e, em geral, são exatamente os países mais ricos e mais
educados que provocam o maior impacto negativo global.
REFERÊNCIAS:
PALMA,
J. G. Homogeneous middles vs. heterogeneous tails, and the end of the
‘Inverted-U’: the share of the rich is what it’s all about, Cambridge
University, 2011
http://www.econ.cam.ac.uk/dae/repec/cam/pdf/cwpe1111.pdf
PARDINI, Flávia. Por trás de uma
curva. Página 22. São Paulo, 18/10/2008
http://pagina22.com.br/index.php/2008/10/por-tras-de-uma-curva
STERN,
David. The Rise and Fall of the Environmental Kuznets Curve. World Development
Vol. 32, No. 8, pp. 1419–1439, 2004.
http://home.cerge-ei.cz/richmanova/UPCES/Stern%20-%20The%20Rise%20and%20Fall%20of%20the%20Environmental%20Kuznets%20Curve.pdf
* José Eustáquio Diniz Alves,
colunista do Portal EcoDebate, é doutor em demografia e professor titular do
mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de
Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; apresenta seus pontos de vista em caráter
pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
(EcoDebate)
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