* Maurício
Novaes Souza
Tenho
notado um enorme distanciamento e desinteresse dos meus alunos de assuntos
relacionados à política: nos cursos Técnicos, Superiores e até mesmo na Pós-graduação.
De fato, quase não se pronuncia a palavra política! Isso me deixa bastante
intrigado e preocupado. Estou lendo o livro “A serpente sem casca”, do Roberto
Amaral. Na sua apresentação, contém esse conhecido texto do Bertolt Brecht:
“Primeiro levaram os
negros... Mas não me importei com isso... Eu não era negro!
Em seguida levaram alguns
operários... Mas não me importei com isso... Eu também não era operário!
Depois prenderam os
miseráveis... Mas não me importei com isso... Porque eu não sou miserável!
Depois agarraram uns
desempregados... Mas como tenho meu emprego, também não me importei!
Agora estão me levando,
mas já é tarde: como eu não me importei com ninguém... Ninguém se importa
comigo!”
Esse texto, profundo e de fácil interpretação, tão
conhecido, é um alerta! Então, faço constantemente essa pergunta: com tantos
problemas que vivenciamos no Brasil, mesmo no meio acadêmico, por que o
desinteresse pela política? Parte da explicação pode ser pelo próprio estádio
de degradação da classe política e pelo atual momento caótico que vivenciamos, alarmante
e trágico: a corrupção, generalizada e sistêmica, dominou nosso País! Os
desmandos do atual “governo provisório” que a cada dia demonstra maior
incompetência e incapacidade de resolver as crises que se agigantam: na
educação, na saúde, na segurança pública, no emprego, deixando a sociedade
brasileira descrente e apreensiva. Os
bastidores revelam uma crise futura, que resulta em incertezas quanto aos
modelos políticos, institucionais, trabalhistas, previdenciários e éticos
vigentes. Mas, já se pode afirmar: o sistema político ruiu e tem-se de pensar em
um novo modelo, onde a sociedade esteja de fato inserida!
Emile Durkheim (1858-1917), sociólogo e político francês, considerado como o principal
arquiteto da ciência social moderna e pai da sociologia, teorizou o conceito da Anomia em seus
livros “A divisão do trabalho social” e “O suicídio”, nos quais ele define o
termo como uma condição em que as normas sociais e morais não são claras: são
confundidas, pouco esclarecidas ou simplesmente ausentes! Durkheim
diz que mudanças bruscas e repentinas na sociedade fazem com que as
normas, antes já estabelecidas e satisfatórias, tornem-se obsoletas. Na sua
visão, sob a tensão de mudanças repentinas, regras sociais falham em manter a
uniformidade com atitudes e expectativas, consequentemente, quando
estabelecidas de forma inapropriada, resultam no desprezo por todas as outras
regras. Logo, a intensa frustração e ansiedade desenvolvem-se no homem enquanto
o mesmo procura satisfação. Dessa forma, o descontentamento se espalha pela
sociedade e produz um estado geral de anomia: falta de clareza, crueldade e
desorientação pessoal.
Vejamos então, fatos ocorridos nessa
semana: na quarta e na quinta-feira, a Comissão
de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) reuniu-se para a discussão do
parecer do deputado Sérgio Zveiter (PMDB-RJ), relator da denúncia contra o
presidente da República, Michel Temer. Tal parecer recomendou a
admissibilidade da investigação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da denúncia
por crime de corrupção passiva contra Temer. Nesses
dois dias assistimos aos depoimentos de parlamentares governistas
afirmando que não há provas robustas e consistentes contra o Presidente... não?
O advogado de Temer, Antônio Mariz de Oliveira, afirmou: "A acusação é
injuriosa e não tem cabimento".
Só para lembrar, tal denúncia é aquela
tão bem apresentada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Mas, para
que o Supremo analise o caso, é preciso a autorização da Câmara!!! O
relatório do Zveiter não foi bem-visto pelos governistas; por esse motivo, nove deputados do PMDB, incluindo o líder do partido,
apresentaram um parecer alternativo ao do deputado Sergio Zveiter, recomendando
que a Câmara não autorize o prosseguimento, no STF, da denúncia contra o
presidente da República. Caso o relatório de Zveiter fosse rejeitado, um desses
pareceres poderia ser utilizado como relatório final. A expectativa de votação
pelo presidente da CCJ seria votar o parecer até hoje (sexta-feira), mas negou
que o governo tenha pedido pressa à comissão. Já o líder do governo no
Congresso, deputado André Moura (PSC-SE), queria votar o processo na CCJ até ontem
e trazer o assunto a Plenário para hoje. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia,
também defendeu que a Câmara tome uma decisão o mais rápido possível sobre
a denúncia para poder retomar a agenda das reformas econômicas, como a da
Previdência e a tributária.
O fato é que o parecer de Zveiter
foi rejeitado. Imediatamente, a CCJ da Câmara escolheu um novo relator, leu e
votou, em pouco mais de uma hora, e aprovou o relatório substitutivo que sugere
o arquivamento do processo. O parecer alternativo foi aceito por 41 votos a
favor e 24 votos contra! O texto contesta a acusação de que Temer teria
cometido o crime de corrupção passiva. O novo parecer pela não admissibilidade
da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) foi lido
pelo deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), que já tinha apresentado um voto em
separado e foi designado como relator. Em seu relato, o deputado questiona a
validade técnica das provas apresentadas pelo Janot, afirmando: “ainda imperam
as dúvidas numerosas sobre a acusação, e conclui – a denúncia não atende as
exigências do Código de Processo Penal brasileiro, por não conseguirem
comprovar os ilícitos citados!
O deputado Abi-Ackel ressaltou a
responsabilidade da Câmara ao analisar um processo dessa natureza, dado o
“risco das consequências políticas e econômicas” que podem decorrer de uma
imputação de crime a um presidente da República (mas não já estamos em crise? 14
milhões de desempregados? Nesse mês de junho a atividade econômica recuou 0,51%
com relação ao mês anterior, bem como houve aumento no desemprego - em grande
parte, deve-se à crise política). Agora, após a aprovação do parecer na CCJ,
ele terá de ser votado no plenário da Câmara, sem data definida dado o recesso
parlamentar. Para que a denúncia possa ter prosseguimento, são necessários os
votos favoráveis de 342 deputados: caso contrário, ela será arquivada!
Vejam bem: tudo isso, aconteceu em
um curto espaço de tempo - como a população poderia acompanhar tantos fatos, de
tamanha gravidade, no decorrer de apenas uma semana? Isso demonstra, sem dúvida
alguma, é que a deterioração da política brasileira, que vem ocorrendo há
décadas e se agravando de forma jamais vista, trouxe o desinteresse de grande
parte da população brasileira, particularmente a parcela mais jovem da
sociedade. Voltando a citar o
livro “A serpente sem casca”, do Roberto Amaral, ele comenta que situações
críticas como essas, atingem a sociedade, ferindo-a no âmago, e a anomia popular se transforma em
indiferença que transita para o desapreço.
Não se trata, apenas, da
crise da democracia representativa, agônica. Para Amaral, esta forma de
delegação, se bem que relativamente jovem, é instituição em crise não apenas no
Brasil, mas em todo o mundo, como em crise estão os partidos, aqui e no mundo,
como demonstram as recentes eleições europeias e a indiferença do eleitorado
brasileiro. A recuperação da política dificilmente será operada sem mudanças profundas
do processo eleitoral e do sistema de partidos. Serão ainda reformas tópicas,
enquanto não é possível ou recomendável a reforma política, que depende de uma
Constituinte, por uma razão muito simples: não se pode esperar dos atuais
quadros do Congresso nacional alterações legislativas que ameacem o mando
político e a máquina de eleições e reeleições. De nossos parlamentares quase
tudo se pode esperar, menos decisões altruístas ou o suicídio.
Neste contexto, tão confuso, enquanto não
avançam as propostas de reforma sistêmica, estrutural, pensemos no que é
possível, ainda que difícil, no cenário atual. Faz-se imperativo uma reforma
constitucional, que reduza a manipulação eleitoral, por intermédio tanto do
abuso do poder político, quanto do abuso do poder econômico. Fica evidente a urgência de uma reforma política,
fundamental para a superação da grave crise política, econômica, social e de
valores em que vive a sociedade brasileira na conjuntura atual, abrindo
caminhos para uma nova relação entre o Estado, o mercado e a sociedade civil: talvez, com tais eventos ocorrendo, com bastante
transparência e participação social, a população, particularmente os mais
jovens, volte a se interessar e a participar ativamente da política brasileira.
* Engenheiro Agrônomo, Mestre em Recuperação de Áreas
Degradadas e Gestão Ambiental e Doutor em Engenharia de Água e Solo pela
Universidade Federal de Viçosa. Foi professor do IF Sudeste de Minas campus Rio
Pomba. Atualmente, IFES campus de Alegre. E-mail: mauriciosnovaes@yahoo.com.br.
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