Estive
em Brasília nesse fim de semana: a cidade mais capitalista do Brasil! Como não
podia deixar de ser, relembrando meus treze anos lá vividos, reencontrei
parentes e amigos e, claro, conversamos o assunto que mais se falava em
Brasília: política! O sentimento das pessoas de lá é semelhante ao daqui: muito
espanto e desapontamento, beirando a indignação!!! Mas, infelizmente,
observa-se na maioria das pessoas, apatia. Para agravar tal quadro, em todo o
País, existe muita desinformação e extremismos: tanto de esquerda quanto de
direita. O fato é que o atual momento político tem afastado as pessoas sérias
da política! Quanto mais grave a fragilidade dos partidos políticos, mais aguda
a crise de representação das casas legislativas (de acordo com pesquisa do IPSOS,
65% não confiam no Congresso!) Quais são as consequências?
Bem,
agora mesmo, assistindo ao programa Diálogos, do Mário Sérgio Conti na
Globonews, tive a oportunidade de assistir a entrevista da Filósofa Marcia
Tiburi. Lançará seu novo livro agora à noite em Porto Alegre, cujo título é bastante
sugestivo: Ridículo Político! Gostei tanto da nomenclatura utilizada, que já o
comprei. Em seu livro, a escritora
analisa fenômenos que tornam o cidadão um ser apático, o que coloca a
democracia em risco. O
argumento é construído a partir de conceitos simples, para que possam ser
amplamente compreendidos. Para ela,
um espectro ronda a
política – o espectro do ridículo político. Esse fenômeno, que se revela em
elogios à tortura no Congresso brasileiro, no governo de Donald Trump nos
Estados Unidos e em outras manifestações, ganha uma análise consistente em seu
livro.
A
filósofa, que no ensaio anterior havia se dedicado ao fascismo, mostra-se agora
preocupada com um contexto em que a regra é não tratar a política com
seriedade. Trata de vergonha alheia, elite brega, cidadão otário, madamismo
(culto à vida de madame), filosofia do rolê, falação de merda, minotaura,
Valesca Popozuda, ipanemismo (relativo ao bairro Ipanema - classe média
carioca) e esteticomania. As teses são apresentadas em cadeia, em capítulos
curtos. Essa opção da autora, por termos populares e tópicos enxutos, talvez
tenha como influência sua experiência na mídia. Acostumada com programas de TV,
entrevistas e palestras disputadas, Marcia é muitas vezes reconhecida como
pensadora pop, integrante de uma turma que inclui Leandro Karnal, Luiz Felipe
Pondé e Mario Sergio Cortella.
Mas
o livro mostra uma ensaísta extremamente dura em relação à mídia e à sua
moldura - o capitalismo. A obra dialoga com Theodor Adorno e Max Horkheimer,
expoentes da Escola de Frankfurt e primeiros críticos, ainda na década de 1930,
da indústria cultural: máquina capaz de transformar a arte em uma linha de
produção de mercadorias. O francês Guy Debord, estudioso da sociedade do
espetáculo, completa o trio de teóricos que inspiram a autora.
No
final dos anos 1960, Debord apontou que, na sociedade capitalista, as relações
sociais passaram a ser mediadas pelas imagens. Para ele, a realidade, o
cotidiano das pessoas, é influenciada pela lógica mercadológica, borrando as
fronteiras entre essência e aparência. A partir daí, Marcia sugere que, se a
questão central hoje é aparecer, torna-se necessário acabar com os
constrangimentos humanos que prejudicam a realização dessa regra social.
O
primeiro efeito é o fim da vergonha: resultado que permite ao ridículo sair do
armário sem qualquer inibição. O ridículo, aquilo que inicialmente não deveria
ser visto por causar embaraços e desprazer, torna-se, assim, normal e
estratégia de sobrevivência no mundo das imagens, da exposição total e do
chamar atenção a qualquer preço. "Criamos uma espécie de dialética
perversa entre amar a própria imagem, sermos vistos e acreditarmos que isso
assegura, de algum modo, nosso existir", descreve a filósofa. Essa
dinâmica, continua a autora, perpassa, nas diferentes classes sociais, diversas
situações da vida cotidiana, como a necessidade de ostentar o próprio gosto,
ouvindo música alta em local público, por exemplo. Há ainda o narcisismo nas
redes sociais, as selfies, a
plastificação do corpo e o culto ao exercício físico no qual não é a saúde a
principal preocupação, mas sim a "servidão à imagem".
Marcia
mostra como o ridículo passou a ser instrumentalizado na política. A política,
transformada pela racionalidade publicitária, deixa de ser vista como uma
"construção universal". O espetáculo deturpa a política e os direitos
de aparecer, de se expressar, de representar e de ser representado. Esse
contexto abre espaço ao bufão, o político que, utilizando o ridículo como
capital eleitoral, brinca nos momentos em que deveria haver seriedade e encanta
quem já não vê a política como o diálogo que nos torna humanos. O bufão é um
personagem quase de ficção, simpático e populista, que, por tanta “falação de
merda”, não parece estar dizendo a verdade.
Idiotizados
pela estetização da política e pelo sistema neoliberal, os eleitores não
acreditariam que os líderes que apoiam sejam de fato fascistas, homofóbicos e
machistas. Se não levam a sério quem se propõe a liderar, também lavam as mãos
de qualquer responsabilidade nas escolhas. Para Marcia, há nisso um risco
altíssimo: "Assim, sem ter para onde ir, desarvorados, apatetados, muitos
preferem cancelar a política, tomando-a como aquilo que faz mal, quando, na
verdade, a reinvenção da experiência política seria a única chance de produzir
algo de bom, enquanto seres sociais, seres relacionados uns aos outros, que,
necessariamente, terão de compartilhar o mesmo espaço. Ou consumir-se em
guerra".
TRECHO DO LIVRO:
"O termo ridículo é
usado tanto para falar de algo insignificante, daquilo que não faria diferença,
quanto para dar sinal de uma cena escandalosa. Neste livro, quer-se compreender
seu potencial intimamente ligado, em nosso tempo, ao que podemos denominar o
momento publicitário da política, que muito tem contribuído para a aniquilação
de sua própria ideia como algo positivo. O problema é que a política não é algo
que se destrói, mas algo que se transforma, e, nesse caso, podemos dizer que o
ridículo político é sua deturpação. O que vem a ser política na era da
racionalidade publicitária é a nossa questão. O ridículo político é um efeito
da deturpação da política na era do espetáculo; é a deturpação do direto a
aparecer, bem como do direito à expressão, do direito de representar e ser
representado. Ridículo político seria, portanto, a forma visível da crise do
político enquanto o poder o utiliza justamente para acobertar a crise."
Em
um determinado trecho da entrevista, depois de todo esse diagnóstico da
situação atual, Conti pergunta: há saída? Márcia responde que está muito preocupada
com a alma das pessoas: como esse distanciamento e novas posturas se transformará
em discurso? Para ela, a política é espaço para discursos - um deles é que o
poder corrompe. Cita a Deputada Erundina, que dizia: se o poder não fosse bom,
o homem não estaria lá!!!
O
fato é que o povo se afastou da política! É como se fosse um local podre, corrupto!
E acrescenta, pessimista - o problema maior é a indústria da corrupção: a corrupção
sistêmica que corrompe a alma das pessoas. Para promover mudanças no médio e
longo prazos, para Márcia, é preciso trabalhar a educação, trabalhar o
discernimento: as pessoas hoje não conversam mais, e quando falam sobre
política, e outros assuntos mais densos, o que se vê é gente falando asneiras,
sem conhecimento de causa!
Para
Márcia, diante da derrocada da política clássica, surge uma renovação, uma
singularidade: periferias, sexualidade, todos que estão na contramão do
estereótipo clássico... branco... europeu... heterossexual.... as minorias
estão reivindicando espaço: como será esse novo mundo? Será a tendência e os
novos dominantes?
A OBRA:
TIBURI,
MARCIA. Ridículo Político. Porto Alegre: Record. 236 p.
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