*Maurício Novaes Souza
"Pedimos o
abandono total e definitivo da PL 8.107/17. Exigimos também que ouçam o apelo
do povo brasileiro e parem, de uma vez por todas, de passar leis, decretos e
qualquer outra medida legislativa irresponsável para agradar interesses da
bancada ruralista e outros poderosos. Esse abuso gera o desmate e destruição
irreversível da floresta Amazônica, patrimônio da humanidade das gerações
atuais e futuras."
O trecho acima em destaque é um grito desesperado da ONG internacional AVAAZ! Míriam Leitão, em seu blog, pergunta: o país não aprendeu nada com a tragédia de Mariana? Pois vejamos: retrocesso significa o ato de retroceder,
andar para trás, recuar! A decisão do governo de acabar com a Reserva Nacional de Cobre e
Associados (RENCA) na Amazônia, ao permitir a mineração na área, levanta essa
dúvida e já se pode afirmar - o retrocesso ambiental do governo Temer é cada
vez maior! Agrava-se a situação pelo fato que existe uma percepção difusa por
parte da sociedade: nem sempre é fácil verificar se algo ou alguém retrocedeu,
posto que tal questão pode ser altamente subjetiva! Para alguns, minerar e
gerar empregos naquela região pode significar “progresso e desenvolvimento”.
O território liberado para
exploração de atividades minerárias na RENCA é do tamanho do meu Estado, o Espírito
Santo, com uma extensão equivalente à da Dinamarca. Mesmo que o governo
fiscalize as empresas autorizadas a operar as minas, argumento usado pelo
governo, não será possível acompanhar os grileiros, aventureiros, garimpeiros e
outros grupos que vão se instalar no que antes era uma reserva ambiental; ou
seja, avançará a destruição. Nessa área, em plena Amazônia, há cinco reservas
de proteção integral, inclusive, duas reservas indígenas: nenhuma atividade
pode ser desenvolvida; e quatro áreas de exploração sustentável, que exige
plano de manejo. De fato, esse é mais um retrocesso do governo Temer na questão
ambiental - a decisão de encerrar a reserva foi tomada por decreto, sem discussão.
É preciso lembrar da tragédia do rio Doce (Mariana/SAMARCO), que nos deixou lições:
a mineração tem que ser muito bem controlada, posto que traz impactos
irreversíveis.
Como anda a
legislação ambiental no Brasil? De acordo com Marcos Saes, da SAES.ADVOGADOS, a
causa de existência do Poder Legislativo é justamente a de fazer leis. Mas não
só isso, é também de adequá-las ao momento vivido pela sociedade. Justamente
por isso, no ano de 2012, após inúmeras discussões havidas nas Casas
Legislativas e em quase cem Audiências Públicas, veio o Novo Código Florestal,
em substituição ao anterior (1965). Ocorre que a Procuradoria Geral da
República e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) propuseram quatro Ações
Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) em face do chamado Novo Código
Florestal (Lei n. 12.651/2012). Baseiam as suas ações no chamado princípio da proibição do
retrocesso. Na visão desse autor, esse princípio teria sido
recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e a sua aplicação simplesmente
proibiria toda e qualquer alteração legislativa que traga retrocessos à
proteção ao meio ambiente. Tal princípio teve origem na Europa e visava a
defender conquistas sociais. Com o passar do tempo, segundo esse mesmo autor, começou-se
a defender a sua aplicabilidade também para as questões relacionadas ao meio
ambiente.
A partir desse
contexto é que doutrinadores brasileiros passaram a argumentar sua aplicação no
direito brasileiro. Contudo, para SAES, trazer tal lição para o mundo ambiental, criar-se-iam inúmeras situações
paradoxais, que poderiam ser um retrocesso aos processos de modernização dos
dias atuais - importante destacar que nossa Constituição defende tanto o meio
ambiente quanto a livre iniciativa (típica visão liberal). Dessa forma, as
normas que regram a utilização sustentável dos recursos naturais devem,
constantemente, ser reavaliadas por quem possui atribuição e competência para
tanto. Nada mais normal e saudável, para que não haja ações questionando outras
alterações legislativas que versem sobre questões ambientais, engessando a
evolução legislativa e criando uma total insegurança jurídica. Vedar toda e
qualquer alteração legislativa que, à primeira vista, indique disposição menos
restritiva em matéria de direitos sociais ou meio ambiente, significa obstar o
desenvolvimento natural das sociedades, desfigurando o real intuito perquirido
com a defesa do princípio da proibição do retrocesso e tornando-se assim,
talvez, esse intuito um verdadeiro retrocesso social. Ou seja, observamos na
fala desse autor, uma visão tipicamente “desenvolvimentista”.
Para a WWF, em
entrevista à oglobo.com, a liberação de
área protegida na Amazônia é um movimento muito perigoso. De acordo com o seu
coordenador no Brasil, Michel de Souza, a corrida pela exploração pode
gerar conflitos na região. Para ele, a extinção da reserva de forma açodada, sem
discussão, é muito perigosa. Neste momento de desespero e de crise, estão
colocando em risco as áreas protegidas que se encontram dentro da reserva. A questão se agrava quando o
governo toma tal decisão por decreto, sem discutir com a sociedade. Por que um
decreto? Por que isso não foi feito via projeto de lei, que exige audiência
pública? Todos sabem a importância da mineração para a economia brasileira, mas
é preciso saber o risco envolvido. Especialmente no momento em que se tenta,
também, enfraquecer as regras de licenciamento ambiental. A corrida pela
exploração pode gerar conflitos na região: como garantir que mesmo a exploração
fora das áreas protegidas não traga consequências para o ambiente?
A decisão é uma catástrofe
anunciada. No Brasil, temos vários exemplos de contaminação mineral - um rio
contaminado coloca em risco os povos da floresta que vivem do consumo de peixe.
Além do mais, é possível que se perpetuem a mineração em pequena escala, em
garimpos, como grandes grupos internacionais. Como garantir que as grandes
empresas de mineração sigam acordos de cooperação dos quais o Brasil não é
signatário? Esses acordos preveem regras mais modernas de exploração: sabemos
do altíssimo impacto ambiental negativo da atividade de mineração. Mas como
saber se as empresas vão cumprir no Brasil regras que seguem em seus países de
origem? Há sempre o risco de tragédias como a de Mariana que afetaram
drasticamente o rio Doce!
As manifestações populares foram intensas a partir
dessa decisão governamental. Segundo Alex Rodrigues, Repórter da Agência Brasil,
encabeçada pelo Ministério Público Federal (MPF), uma mobilização contra o que
os participantes classificam como o “avanço do retrocesso ambiental” ganhou as
redes sociais, ganhando a adesão de milhares de internautas, entre eles
integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato e da modelo Gisele Bündchen, embaixadora
da Boa Vontade do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). O
principal alvo de tal mobilização foram duas medidas provisórias que alteram as
dimensões de unidades de conservação ambiental. As medidas provisórias 756 e
758, ambas de 2016, foram aprovadas pela Câmara dos Deputados, no dia 16 de
maio, e pelo Senado, no dia 24. Segundo o MPF, a hashtag #retrocessoambientalnao
chegou a ocupar, por cerca de uma hora, o quarto lugar entre os temas mais
comentados por brasileiros no Twitter, alcançando, em cinco horas, mais de 10
milhões de impressões (número de vezes que um tweet foi
veiculado na timeline ou nos resultados de busca).
A MP 756 altera os limites do Parque Nacional do
Rio Novo, localizado nos municípios paraenses de Itaituba e Novo Progresso, e
da Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, também em Novo Progresso; a MP 758
modifica os limites do Parque Nacional do Jamanxim, em Itaituba e Trairão, no
Pará, e da Área de Proteção Ambiental do Tapajós. Os textos, aprovados pela
Câmara e pelo Senado, aguardam a sanção presidencial. Entre outros pontos, os
textos aprovados permitem ao governo realocar, em terras disponíveis da União
ou do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), na Amazônia
Legal, os ocupantes de áreas rurais dentro da Floresta Nacional do Jamanxim e
do Parque Nacional do Rio Novo. Até assumir a posse das novas áreas, os
ocupantes poderão continuar a exercer suas atividades econômicas. Os imóveis
rurais privados existentes no interior do Parque Nacional do Jamanxim passam a
ser declarados de utilidade pública para fins de desapropriação pelo Instituto
Chico Mendes.
Contrário às medidas, o MPF convidou membros dos ministérios
públicos estaduais, de ONGs como Greenpeace e WWF a se manifestarem no Twitter.
Só o MPF publicou mais de 50 comentários críticos às mudanças nas leis em sua
página oficial no Twitter. Procuradorias federais de vários estados também
aderiram à campanha. O coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato,
Deltan Dallagnol, foi um dos procuradores que usaram sua conta pessoal no microblog para criticar a aprovação das
MPs 756 e 758 e o teor de outras propostas em análise no Congresso. Para
Dallagnol, a eventual aprovação da Lei Geral de Licenciamento Ambiental (PL
3.729), em discussão na Câmara, enfraquecerá o processo de licenciamento
ambiental. O procurador defende que, depois do rompimento da Barragem de
Fundão, que liberou no ambiente mais de 60 milhões de metros cúbicos de
rejeitos de uma barragem da mineradora Samarco, as regras do licenciamento
ambiental “deveriam ser mais rigorosas, e não mais frágeis”. Na avaliação do
Instituto Socioambiental (ISA), se sancionadas, as duas medidas provisórias vão
“mutilar” as unidades de conservação paraenses, liberando cerca de 598 mil
hectares de áreas de proteção da flora e da fauna em benefício de desmatadores,
grileiros, garimpeiros e do agronegócio. A Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio
Cultural do MPF teme que, se forem sancionadas conforme o texto aprovado pelo
Congresso, as duas MPs colocarão em risco 2,2 milhões de hectares protegidos
não só no Pará, mas também no Amazonas.
Por outro lado, quando a MP 756 foi aprovada
na Câmara, o deputado Alceu Moreira (PMDB-RS) disse que a medida pode ajudar a
resolver problemas de extração ilegal de madeira, grilagem de terras e garimpo
na região do Parque Nacional do Rio Novo e no Parque Nacional do Jamanxim e
estabelecer um “convívio harmônico e solidário entre o social, o ambiental e o
econômico”. A MP 758 altera área de proteção ambiental para dar passagem à
Estrada de Ferro (EF)170, também chamada de Ferrogrão, que está em fase de
construção próxima à BR-163, no Pará. Segundo o governo, a intenção é compor,
com a EF-170, um corredor de exportação de grãos unindo Sinop (MT) a Miritituba
(PA) para possibilitar o uso de portos da Bacia Amazônica e servir de
alternativa ao transporte na BR-163.Os dois textos foram votados e aprovados no
Senado sem alterações, mas durante as votações, nas duas Casas, houve protesto
e obstrução por parte de parlamentares da oposição.
Para o El País, o Congresso quer votar
medidas que ampliarão o desmatamento. Além disso, as propostas de redução dos
direitos sociais dominam a pauta do atual governo, que a cada dia mais se
afunda pelas investigações de corrupção e pela crise, gerando outras propostas
apressadas. O Brasil caminhava, principalmente de 2003 a 2009, para cumprir a
Meta 11 das “Metas de Aichi”, acertadas no âmbito da Convenção sobre
Diversidade Biológica, consistente na proteção, até 2020, de pelo menos 17% de
áreas terrestres e de águas continentais e 10% de áreas marinhas e costeiras.
Entre 2005 e 2012, o país foi um dos que mais contribuiu para a mitigação das
mudanças climáticas, resultado obtido também pela criação de unidades de
conservação, com o desmatamento, que chegou a 27.000 km² em 2004, baixando para 4.500 km² em 2012. Foi nesses termos que, na Conferência
do Clima em Paris (COP 21), o Brasil se comprometeu a zerar o desmatamento
ilegal na Amazônia brasileira até 2030 e a reduzir as emissões de gases de
efeito estufa em 37% até 2025 e em 43% até 2030, tendo como referência os
níveis de 2005.
Para Leandro Mitidieri, Procurador da
República, quando ainda se lutava pela
consolidação dessa nova atitude e pela efetivação do arcabouço de unidades de
conservação existentes, surge um ataque, nunca antes visto, ao que foi duramente
alcançado, com um pacote de medidas provisórias e propostas legislativas de
redução e extinção de várias dessas áreas protegidas, inclusive na Mata
Atlântica. Segundo esse mesmo autor, apesar da Constituição exigir lei
formal para a supressão de unidades de conservação, adotou-se o regime de
urgência das medidas provisórias para esse ataque, ao invés de um processo
cuidadoso e amparado em estudos técnicos. Há de se considerar, ainda, o fato de
que o já combalido Ministério do Meio Ambiente sofreu a assustadora redução de
53% no seu orçamento para 2017 e que o licenciamento ambiental vem sendo
dilacerado.
O
fato é que nossos tribunais já vêm admitindo o princípio de que é proibido o
retrocesso social e ambiental, exceto se ele tem amparo na Constituição. Nesses
tempos de pós-verdade, em que se sustenta que desenvolvemos a razão como uma
arma para vencer discussões, e não para buscar a verdade, haverá sempre
argumentos contra estudos que apontam a relação do aumento da febre amarela com
o desmatamento, contra a tese de que a floresta Amazônica evita furacões e
outros eventos climáticos extremos ou, ainda, contra teorias como a da
“ecologia do medo”, que explica como a ausência de predadores faz com que as
presas se comportem de forma mais danosa ao meio ambiente, alimentando-se
tranquilamente da mata ciliar, por exemplo.
Será
que vamos regredir para o estágio em que se acreditava que os recursos naturais
eram ilimitados? Inesgotáveis? Talvez não seja prudente para os próprios
produtores duvidarem de que, por exemplo, a floresta amazônica exporta rios
aéreos de vapor para irrigar regiões distantes no verão hemisférico, fazendo
dela valiosa parceira das atividades humanas que requerem chuva no momento
necessário, um clima ameno e proteção de eventos climáticos extremos. É sabido
que é possível produzir e reduzir o desmatamento: alcançou sua maior redução,
de 2005 a 2012, simultaneamente a um período de saltos extraordinários da
produção agropecuária brasileira. Entretanto, em operações como a recente
“Carne Fria”, identificaram-se empresas que vêm comprando gado de áreas
desmatadas ilegalmente - indicam que a sanha do agronegócio avança
incontrolável nos dias atuais, agravando a situação ambiental na região
amazônica.
* Engenheiro Agrônomo, Mestre em
Recuperação de Áreas Degradadas e Gestão Ambiental e Doutor em Engenharia de
Água e Solo pela Universidade Federal de Viçosa. Foi professor do IF Sudeste de
Minas campus Rio Pomba. Atualmente, IFES campus de Alegre.
E-mail: mauricios.novaes@ifes.edu.br.
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