sexta-feira, 8 de setembro de 2017

É visível o retrocesso ambiental nos dias do Governo Temer

*Maurício Novaes Souza

"Pedimos o abandono total e definitivo da PL 8.107/17. Exigimos também que ouçam o apelo do povo brasileiro e parem, de uma vez por todas, de passar leis, decretos e qualquer outra medida legislativa irresponsável para agradar interesses da bancada ruralista e outros poderosos. Esse abuso gera o desmate e destruição irreversível da floresta Amazônica, patrimônio da humanidade das gerações atuais e futuras."

O trecho acima em destaque é um grito desesperado da ONG internacional AVAAZ! Míriam Leitão, em seu blog, pergunta: o país não aprendeu nada com a tragédia de Mariana? Pois vejamos: retrocesso significa o ato de retroceder, andar para trás, recuar! A decisão do governo de acabar com a Reserva Nacional de Cobre e Associados (RENCA) na Amazônia, ao permitir a mineração na área, levanta essa dúvida e já se pode afirmar - o retrocesso ambiental do governo Temer é cada vez maior! Agrava-se a situação pelo fato que existe uma percepção difusa por parte da sociedade: nem sempre é fácil verificar se algo ou alguém retrocedeu, posto que tal questão pode ser altamente subjetiva! Para alguns, minerar e gerar empregos naquela região pode significar “progresso e desenvolvimento”.
O território liberado para exploração de atividades minerárias na RENCA é do tamanho do meu Estado, o Espírito Santo, com uma extensão equivalente à da Dinamarca. Mesmo que o governo fiscalize as empresas autorizadas a operar as minas, argumento usado pelo governo, não será possível acompanhar os grileiros, aventureiros, garimpeiros e outros grupos que vão se instalar no que antes era uma reserva ambiental; ou seja, avançará a destruição. Nessa área, em plena Amazônia, há cinco reservas de proteção integral, inclusive, duas reservas indígenas: nenhuma atividade pode ser desenvolvida; e quatro áreas de exploração sustentável, que exige plano de manejo. De fato, esse é mais um retrocesso do governo Temer na questão ambiental - a decisão de encerrar a reserva foi tomada por decreto, sem discussão. É preciso lembrar da tragédia do rio Doce (Mariana/SAMARCO), que nos deixou lições: a mineração tem que ser muito bem controlada, posto que traz impactos irreversíveis.
Como anda a legislação ambiental no Brasil? De acordo com Marcos Saes, da SAES.ADVOGADOS, a causa de existência do Poder Legislativo é justamente a de fazer leis. Mas não só isso, é também de adequá-las ao momento vivido pela sociedade. Justamente por isso, no ano de 2012, após inúmeras discussões havidas nas Casas Legislativas e em quase cem Audiências Públicas, veio o Novo Código Florestal, em substituição ao anterior (1965). Ocorre que a Procuradoria Geral da República e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) propuseram quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) em face do chamado Novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012). Baseiam as suas ações no chamado princípio da proibição do retrocesso. Na visão desse autor, esse princípio teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e a sua aplicação simplesmente proibiria toda e qualquer alteração legislativa que traga retrocessos à proteção ao meio ambiente. Tal princípio teve origem na Europa e visava a defender conquistas sociais. Com o passar do tempo, segundo esse mesmo autor, começou-se a defender a sua aplicabilidade também para as questões relacionadas ao meio ambiente.
A partir desse contexto é que doutrinadores brasileiros passaram a argumentar sua aplicação no direito brasileiro. Contudo, para SAES, trazer tal lição para o mundo ambiental, criar-se-iam inúmeras situações paradoxais, que poderiam ser um retrocesso aos processos de modernização dos dias atuais - importante destacar que nossa Constituição defende tanto o meio ambiente quanto a livre iniciativa (típica visão liberal). Dessa forma, as normas que regram a utilização sustentável dos recursos naturais devem, constantemente, ser reavaliadas por quem possui atribuição e competência para tanto. Nada mais normal e saudável, para que não haja ações questionando outras alterações legislativas que versem sobre questões ambientais, engessando a evolução legislativa e criando uma total insegurança jurídica. Vedar toda e qualquer alteração legislativa que, à primeira vista, indique disposição menos restritiva em matéria de direitos sociais ou meio ambiente, significa obstar o desenvolvimento natural das sociedades, desfigurando o real intuito perquirido com a defesa do princípio da proibição do retrocesso e tornando-se assim, talvez, esse intuito um verdadeiro retrocesso social. Ou seja, observamos na fala desse autor, uma visão tipicamente “desenvolvimentista”.
Para a WWF, em entrevista à oglobo.com, a liberação de área protegida na Amazônia é um movimento muito perigoso. De acordo com o seu coordenador no Brasil, Michel de Souza, a corrida pela exploração pode gerar conflitos na região. Para ele, a extinção da reserva de forma açodada, sem discussão, é muito perigosa. Neste momento de desespero e de crise, estão colocando em risco as áreas protegidas que se encontram dentro da reserva. A questão se agrava quando o governo toma tal decisão por decreto, sem discutir com a sociedade. Por que um decreto? Por que isso não foi feito via projeto de lei, que exige audiência pública? Todos sabem a importância da mineração para a economia brasileira, mas é preciso saber o risco envolvido. Especialmente no momento em que se tenta, também, enfraquecer as regras de licenciamento ambiental. A corrida pela exploração pode gerar conflitos na região: como garantir que mesmo a exploração fora das áreas protegidas não traga consequências para o ambiente?
A decisão é uma catástrofe anunciada. No Brasil, temos vários exemplos de contaminação mineral - um rio contaminado coloca em risco os povos da floresta que vivem do consumo de peixe. Além do mais, é possível que se perpetuem a mineração em pequena escala, em garimpos, como grandes grupos internacionais. Como garantir que as grandes empresas de mineração sigam acordos de cooperação dos quais o Brasil não é signatário? Esses acordos preveem regras mais modernas de exploração: sabemos do altíssimo impacto ambiental negativo da atividade de mineração. Mas como saber se as empresas vão cumprir no Brasil regras que seguem em seus países de origem? Há sempre o risco de tragédias como a de Mariana que afetaram drasticamente o rio Doce!
As manifestações populares foram intensas a partir dessa decisão governamental. Segundo Alex Rodrigues, Repórter da Agência Brasil, encabeçada pelo Ministério Público Federal (MPF), uma mobilização contra o que os participantes classificam como o “avanço do retrocesso ambiental” ganhou as redes sociais, ganhando a adesão de milhares de internautas, entre eles integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato e da modelo Gisele Bündchen, embaixadora da Boa Vontade do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). O principal alvo de tal mobilização foram duas medidas provisórias que alteram as dimensões de unidades de conservação ambiental. As medidas provisórias 756 e 758, ambas de 2016, foram aprovadas pela Câmara dos Deputados, no dia 16 de maio, e pelo Senado, no dia 24. Segundo o MPF, a hashtag #retrocessoambientalnao chegou a ocupar, por cerca de uma hora, o quarto lugar entre os temas mais comentados por brasileiros no Twitter, alcançando, em cinco horas, mais de 10 milhões de impressões (número de vezes que um tweet foi veiculado na timeline ou nos resultados de busca).
A MP 756 altera os limites do Parque Nacional do Rio Novo, localizado nos municípios paraenses de Itaituba e Novo Progresso, e da Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, também em Novo Progresso; a MP 758 modifica os limites do Parque Nacional do Jamanxim, em Itaituba e Trairão, no Pará, e da Área de Proteção Ambiental do Tapajós. Os textos, aprovados pela Câmara e pelo Senado, aguardam a sanção presidencial. Entre outros pontos, os textos aprovados permitem ao governo realocar, em terras disponíveis da União ou do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), na Amazônia Legal, os ocupantes de áreas rurais dentro da Floresta Nacional do Jamanxim e do Parque Nacional do Rio Novo. Até assumir a posse das novas áreas, os ocupantes poderão continuar a exercer suas atividades econômicas. Os imóveis rurais privados existentes no interior do Parque Nacional do Jamanxim passam a ser declarados de utilidade pública para fins de desapropriação pelo Instituto Chico Mendes.
Contrário às medidas, o MPF convidou membros dos ministérios públicos estaduais, de ONGs como Greenpeace e WWF a se manifestarem no Twitter. Só o MPF publicou mais de 50 comentários críticos às mudanças nas leis em sua página oficial no Twitter. Procuradorias federais de vários estados também aderiram à campanha. O coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, foi um dos procuradores que usaram sua conta pessoal no microblog para criticar a aprovação das MPs 756 e 758 e o teor de outras propostas em análise no Congresso. Para Dallagnol, a eventual aprovação da Lei Geral de Licenciamento Ambiental (PL 3.729), em discussão na Câmara, enfraquecerá o processo de licenciamento ambiental. O procurador defende que, depois do rompimento da Barragem de Fundão, que liberou no ambiente mais de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos de uma barragem da mineradora Samarco, as regras do licenciamento ambiental “deveriam ser mais rigorosas, e não mais frágeis”. Na avaliação do Instituto Socioambiental (ISA), se sancionadas, as duas medidas provisórias vão “mutilar” as unidades de conservação paraenses, liberando cerca de 598 mil hectares de áreas de proteção da flora e da fauna em benefício de desmatadores, grileiros, garimpeiros e do agronegócio. A Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF teme que, se forem sancionadas conforme o texto aprovado pelo Congresso, as duas MPs colocarão em risco 2,2 milhões de hectares protegidos não só no Pará, mas também no Amazonas.
Por outro lado, quando a MP  756 foi aprovada na Câmara, o deputado Alceu Moreira (PMDB-RS) disse que a medida pode ajudar a resolver problemas de extração ilegal de madeira, grilagem de terras e garimpo na região do Parque Nacional do Rio Novo e no Parque Nacional do Jamanxim e estabelecer um “convívio harmônico e solidário entre o social, o ambiental e o econômico”. A MP 758 altera área de proteção ambiental para dar passagem à Estrada de Ferro (EF)170, também chamada de Ferrogrão, que está em fase de construção próxima à BR-163, no Pará. Segundo o governo, a intenção é compor, com a EF-170, um corredor de exportação de grãos unindo Sinop (MT) a Miritituba (PA) para possibilitar o uso de portos da Bacia Amazônica e servir de alternativa ao transporte na BR-163.Os dois textos foram votados e aprovados no Senado sem alterações, mas durante as votações, nas duas Casas, houve protesto e obstrução por parte de parlamentares da oposição.
Para o El País, o Congresso quer votar medidas que ampliarão o desmatamento. Além disso, as propostas de redução dos direitos sociais dominam a pauta do atual governo, que a cada dia mais se afunda pelas investigações de corrupção e pela crise, gerando outras propostas apressadas. O Brasil caminhava, principalmente de 2003 a 2009, para cumprir a Meta 11 das “Metas de Aichi”, acertadas no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica, consistente na proteção, até 2020, de pelo menos 17% de áreas terrestres e de águas continentais e 10% de áreas marinhas e costeiras. Entre 2005 e 2012, o país foi um dos que mais contribuiu para a mitigação das mudanças climáticas, resultado obtido também pela criação de unidades de conservação, com o desmatamento, que chegou a 27.000 km² em 2004, baixando para 4.500 k em 2012. Foi nesses termos que, na Conferência do Clima em Paris (COP 21), o Brasil se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia brasileira até 2030 e a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e em 43% até 2030, tendo como referência os níveis de 2005.
Para Leandro Mitidieri, Procurador da República, quando ainda se lutava pela consolidação dessa nova atitude e pela efetivação do arcabouço de unidades de conservação existentes, surge um ataque, nunca antes visto, ao que foi duramente alcançado, com um pacote de medidas provisórias e propostas legislativas de redução e extinção de várias dessas áreas protegidas, inclusive na Mata Atlântica. Segundo esse mesmo autor, apesar da Constituição exigir lei formal para a supressão de unidades de conservação, adotou-se o regime de urgência das medidas provisórias para esse ataque, ao invés de um processo cuidadoso e amparado em estudos técnicos. Há de se considerar, ainda, o fato de que o já combalido Ministério do Meio Ambiente sofreu a assustadora redução de 53% no seu orçamento para 2017 e que o licenciamento ambiental vem sendo dilacerado.
O fato é que nossos tribunais já vêm admitindo o princípio de que é proibido o retrocesso social e ambiental, exceto se ele tem amparo na Constituição. Nesses tempos de pós-verdade, em que se sustenta que desenvolvemos a razão como uma arma para vencer discussões, e não para buscar a verdade, haverá sempre argumentos contra estudos que apontam a relação do aumento da febre amarela com o desmatamento, contra a tese de que a floresta Amazônica evita furacões e outros eventos climáticos extremos ou, ainda, contra teorias como a da “ecologia do medo”, que explica como a ausência de predadores faz com que as presas se comportem de forma mais danosa ao meio ambiente, alimentando-se tranquilamente da mata ciliar, por exemplo.
Será que vamos regredir para o estágio em que se acreditava que os recursos naturais eram ilimitados? Inesgotáveis? Talvez não seja prudente para os próprios produtores duvidarem de que, por exemplo, a floresta amazônica exporta rios aéreos de vapor para irrigar regiões distantes no verão hemisférico, fazendo dela valiosa parceira das atividades humanas que requerem chuva no momento necessário, um clima ameno e proteção de eventos climáticos extremos. É sabido que é possível produzir e reduzir o desmatamento: alcançou sua maior redução, de 2005 a 2012, simultaneamente a um período de saltos extraordinários da produção agropecuária brasileira. Entretanto, em operações como a recente “Carne Fria”, identificaram-se empresas que vêm comprando gado de áreas desmatadas ilegalmente - indicam que a sanha do agronegócio avança incontrolável nos dias atuais, agravando a situação ambiental na região amazônica.

* Engenheiro Agrônomo, Mestre em Recuperação de Áreas Degradadas e Gestão Ambiental e Doutor em Engenharia de Água e Solo pela Universidade Federal de Viçosa. Foi professor do IF Sudeste de Minas campus Rio Pomba. Atualmente, IFES campus de Alegre.

E-mail: mauricios.novaes@ifes.edu.br.



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