segunda-feira, 9 de julho de 2012

Degradação dos ecossistemas aquáticos e a crise no abastecimento de água




* Por Maurício Novaes Souza


O dia 22 de março foi escolhido pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 22 de Fevereiro de 1993 como o “Dia Mundial da Água”. Essa escolha se deu devido à presença de grandes índices de poluição ambiental no planeta. A partir desta data, a ONU elaborou uma série de medidas cautelosas a favor da água e impôs a consciência ecológica em relação a este bem natural. Nesse mês de março, em todo o mundo, mais uma vez essa data é comemorada. Como se pergunta a todo ano, existe motivo real para comemoração? Ou teríamos pretextos suficientes para promover um dia de luto?
Segundo José Galizia Tundisi, presidente do Instituto Internacional de Ecologia (IEE), apesar do Brasil ter 12% da água doce do mundo, a crescente demanda provoca aumento da poluição de rios, lagos e represas e pressiona fortemente os recursos hídricos. Esse mesmo autor salienta que a água está distribuída de forma desigual pelo País. Regiões como São Paulo, por exemplo, têm acúmulo de população e pouca reserva de água. Já no Amazonas, ocorre o inverso. Além disso, há a questão da exploração dos aquíferos, pois muitos não são bem explorados, como na cidade de Manaus.
Para Tundisi, com o aumento da pressão sobre os recursos hídricos, a resposta da natureza será mais lenta, provocando em determinados períodos escassez. Tudo na água se resume a uma relação de disponibilidade e demanda. Se continuarmos utilizando acima da disponibilidade, as reservas vão diminuir e coloraremos o abastecimento em risco.
Na verdade, o modelo de desenvolvimento atual e como ele afeta as populações tem persistido na manutenção de erros graves. É realmente uma insanidade sem limites o que empresas e indivíduos vêm fazendo com o meio ambiente, interferindo em sua própria sobrevivência. É isso que se pode chamar de falso progresso (ou de desenvolvimento insustentável), mas que muitos teimam em chamar de crescimento econômico ou desenvolvimento sustentável.

De fato, percebe-se grande desconhecimento ou mesmo ignorância que tem origem no egoísmo humano e na percepção ilusória. Dessa forma, o mundo caminha para o crescimento “deseconômico”, que segundo o ilustre economista Herman Daly, ocorre quando aumentos na produção se dão à custa do uso de recursos e sacrifícios do bem-estar que valem mais do que os bens produzidos. Isso decorre de um equilíbrio indesejável de grandezas denominadas utilidade e desutilidade. Utilidade é o nível de satisfação das necessidades e demandas da população; a grosso modo é o nível de seu bem-estar. Desutilidade se refere aos sacrifícios impostos pelo aumento de produção e consumo. Pode incluir o uso de força de trabalho, perda de lazer, esgotamento de recursos, exposição à poluição e concentração populacional.

Segundo Loïc Fauchon, presidente do Conselho Mundial da Água, o comportamento humano com relação ao uso deste recurso é cada vez mais irrefletido e inconsequente. É preciso que se estabeleçam metas para a elaboração de um novo modelo de desenvolvimento e crescimento econômico. Deve-se haver a pretensão de apresentar resposta para escassez do recurso água provocada pelo crescimento da população, pelo desperdício, pelo consumo excessivo e pelo aumento da necessidade de energia.

Tal análise se justifica pelo fato de que a economia e o meio ambiente estão passando por uma crise sem precedentes. Em grande parte, o principal responsável é o modelo de desenvolvimento adotado pela maioria dos países. Para agravar ainda mais a situação, a atual crise econômica mundial tem trazido como solução o estímulo ao consumo – situação ainda mais ameaçadora às atuais situações ambientais. Esse modelo visa, efetivamente, a geração de lucros imediatos, não considerando os limites do crescimento; portanto, socialmente e ambientalmente não é sustentável.

Do ponto de vista social, 20% da população mais rica utilizam ¾ dos recursos naturais, causando a sua degradação. Do ponto de vista ambiental, considerando a Pegada ecológica, verifica-se que o ambiente está sendo usado além de sua capacidade de suporte e de reposição. Na verdade, o modelo de produção e consumo são os responsáveis pelas agressões cometidas sobre os ecossistemas aquáticos, indispensáveis para a sobrevivência da humanidade. A previsão é de que a população mundial, atualmente superior a 6,7 bilhões de habitantes, possa chegar a nove bilhões até meados deste século, o que aumentará consideravelmente a demanda de recursos hídricos.

Segundo a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE), o número de pessoas com graves problemas para conseguir água chegará a 3,9 bilhões em 2030. A falta do saneamento nas cidades, em níveis mínimos que assegurem o bem-estar das populações, tem gerado um quadro de degradação do meio ambiente urbano sem precedentes, sendo os recursos hídricos um dos primeiros elementos integrantes da base de recursos naturais a sofrer tais efeitos.
No Brasil, de acordo Tundisi, com caso o consumo de água continuar no ritmo atual, em 30 anos teremos problemas sérios de abastecimento, principalmente nas Regiões Sul e Sudeste. Segundo esse mesmo autor, em algumas cidades já há uso competitivo da água a ponto de abastecimento público e produção de alimentos concorrerem pelo recurso. Para Tundisi, falta ao País uma cultura de gestão de água integrada e nacional. Ele afirma que isso ocorre de forma setorial, com políticas locais, enquanto deveria ser nacional e integrada. “Existem boas iniciativas no Brasil, mas são todas pontuais e localizadas. Se fossem mais amplas, teríamos resultados mais efetivos.”
Como consequência, e com o aumento acelerado da população, o mundo está enfrentando intensas mudanças globais, como migração, urbanização, mudança do clima, desertificação, seca, alteração do uso e degradação do solo, crises econômicas e alimentares. Caso continuemos a agir dessa forma, não respeitando os limites do crescimento, pouco restará para as gerações futuras. Como bem lembra Leonardo Boff, caso não se cuide do planeta a partir de uma visão sistêmica e holística, poderá submetê-lo à destruição de suas partes e inviabilizar a própria vida. Há inúmeras evidências que existem limites para o crescimento econômico, considerando que os recursos naturais são escassos.
Segundo Tundisi, a gestão das águas deve ser realizada por bacia hidrográfica, respeitando as características específicas de cada uma e da região em que estão. Para ele é preciso entender como cada bacia hidrográfica funciona, relacionar disponibilidade e demanda, analisar fontes de poluição, ter um banco de dados regional. Assim é possível fazer uma gestão sistêmica da água. No Brasil já existem comitês de bacias, mas eles ainda estão em fase de implantação e com andamento muito lento.
O especialista diz ser necessário mudar a visão mais imediatista dos governantes por uma que contenha uma estratégia de futuro. O professor adverte que o modelo atual de gestão do meio ambiente está relacionado a um tipo de economia, na qual o capital natural não está inserido. Sabemos que há limites para o crescimento. A Amazônia, por exemplo, tem um grande potencial hidrelétrico, mas não adianta abarrotar a região de usinas. Isso significa que estamos trocando evolução natural por economia. Precisa haver um equilíbrio, pois os efeitos podem ser irreversíveis. O capital natural é algo explorável, mas dentro de limites.
Respondendo à pergunta inicial: teve-se o que comemorar neste dia 22 de março de 2012? Não existe motivo para pleno luto, mas é muito cedo para comemorações, apesar das inúmeras iniciativas governamentais e organizacionais. A indústria, o comércio e a população devem refletir sobre a necessidade urgente de abandono às concepções anacrônicas ligadas à produção e ao consumo, adotando a sustentabilidade sócio-ambiental nas ações públicas e privadas, em todos os níveis, do local ao global. Essas deverão ser as propostas de um novo modelo guiado pelos princípios do “Desenvolvimento Sustentável”.


* Engenheiro Agrônomo, Mestre em Recuperação de Áreas Degradadas, Economia e Gestão Ambiental, e Doutor em Engenharia de Água e Solo. É professor do IF Sudeste MG campus Rio Pomba e Assessor da FAPEMIG. E-mail: mauricios.novaes@ifsudestemg.edu.br.

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