quarta-feira, 9 de julho de 2008

A crise energética e as políticas públicas


* Por Maurício Novaes Souza

Paralelamente ao agravamento dos problemas ambientais, o mundo vive nova crise energética. O petróleo, o carvão e o xisto atingiram a maior cotação de toda a história da humanidade. Considerando a exploração intensiva das reservas não-renováveis de combustíveis fósseis - recursos esgotáveis que levaram milhões de anos para se formar - e os prejuízos ambientais trazidos pelo uso desses recursos energéticos, pressupõem-se um cenário preocupante para esse século. Quando a opção parecia ser a bioenergia, surgem os riscos provenientes de a crise alimentar que se anuncia, a qual poderá ser agravada pela introdução de culturas voltadas à produção de biocombustíveis em áreas anteriormente destinadas à produção de alimentos básicos.
Nesse contexto, assume crucial importância a busca de fontes de energia alternativas, em especial renováveis e não-poluentes, como a solar e a eólica. Segundo Wolfgang Palz, em seu livro “Energia Solar e Fontes Alternativas”, a energia solar recebida pela terra a cada ano é dez vezes superior à contida em toda a reserva de combustíveis fósseis. Entretanto, o interesse pela utilização da radiação solar como fonte de energia alternativa cresceu apenas nas últimas décadas, por razões políticas e econômicas, principalmente após a crise do petróleo de 1973. Hoje, esse interesse está adquirindo maior dimensão, abrangendo não só o aproveitamento dessa radiação como fonte de energia limpa e renovável, mas também o conhecimento e os efeitos das mudanças climáticas.
Diversos países, inclusive o Brasil, já buscam nas energias alternativas, como a solar, a biomassa, a eólica e a hidroenergia, opções para o problema energético, cuja demanda mundial dependem quase totalmente (cerca de 80%) dos combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral e gás natural), ou seja, recursos esgotáveis. Sabe-se que as energias renováveis são provenientes de ciclos naturais de conversão da radiação solar, que é a fonte primária de quase toda energia disponível na terra. Por isso, são praticamente inesgotáveis e não alteram o balanço térmico do planeta.
Dessa forma, o aproveitamento das energias solar é um projeto viável, tanto em termos técnicos quanto econômicos. O elevado custo, principal obstáculo para sua utilização em escala comercial, já está sendo vencido. Especialistas nessa tecnologia prevêem uma queda de até seis vezes no preço do quilowatt (kW) obtido a partir de energia solar até o ano 2015. Contudo, embora seja inesgotável e não ofereça riscos ambientais, essa energia ainda é aproveitada de modo muito incipiente no país para secagem de alimentos, na indústria do sal e no aquecimento de água. Com relação à energia eólica, sabe-se que pode garantir 10% das necessidades mundiais de eletricidade até 2020, pode criar 1,7 milhão de novos empregos e reduzir a emissão global de dióxido de carbono na atmosfera em mais de 10 bilhões de toneladas.
Do total de energia elétrica gerada no Brasil, 95% são de origem hidráulica, mas o potencial desse tipo de fonte, de acordo com a Eletrobrás, poderá se esgotar no ano 2015, se mantido um ritmo regular de crescimento econômico. Inicialmente, a construção de hidrelétricas e a reserva de água para diversos fins foi o principal propósito. Entretanto, nos últimos vinte anos, os usos múltiplos desses sistemas se diversificaram, ampliando a importância econômica e social desses ecossistemas artificiais e, ao mesmo tempo, produzindo e introduzindo novas complexidades no seu funcionamento e impactos ambientais negativos.
Esta grande cadeia de reservatórios tem, portanto, enorme significado econômico, ecológico, hidrológico e social - em muitas regiões do País esses ecossistemas foram utilizados como base para o desenvolvimento regional, como na bacia hidrográfica do rio São Francisco. Em alguns projetos houve planejamento inicial e uma preocupação com a inserção regional; em outros casos, este planejamento foi pouco desenvolvido. Contudo, todas estas alterações podem gerar externalidades e resultar em uma série de efeitos diretos ou indiretos. Reservatórios seqüenciais como os construídos no rio São Francisco, e em diversos de seus afluentes, produzem efeitos e impactos acumulativos, transformando inteiramente as condições biogeofísicas, econômicas e sociais de toda a bacia.
Por suas características tropicais, o Brasil tem, em quase todo o território e durante o ano inteiro, grande potencial de oferta de energia solar - no entanto, muito pouco é feito para aproveitá-la. Por intermédio da fotossíntese, as plantas capturam energia do sol e transformam em energia química. As fontes orgânicas que são usadas para produzir energias usando este processo são chamadas de biomassa. Os combustíveis mais comuns da biomassa são os resíduos agrícolas, madeira e culturas como a cana-de-açúcar.
Em condições favoráveis a biomassa pode contribuir de maneira significante para com a produção de energia elétrica. O pesquisador Hall, por intermédio de seus trabalhos, estima que com a recuperação de um terço dos resíduos disponíveis seria possível o atendimento de 10% do consumo elétrico mundial e que com um programa de plantio de 100 milhões de hectares de culturas especialmente para esta atividade seria possível atender 30% do consumo.
Dessa forma, a produção de energia elétrica a partir da biomassa, atualmente, é muito defendida como uma alternativa importante para países em desenvolvimento e também outros países. No entanto, e há que se considerarem as questões relativas ao aquecimento global, a maioria dos produtos agrícolas usados nos Estados Unidos e na Europa para a produção de biocombustíveis na verdade agrava o aquecimento global, devido aos métodos industriais empregados na fabricação do produto, segundo relatório assinado por Paul J. Crutzen, prêmio Nobel de Química. As conclusões são especialmente negativas para a colza, planta usada na Europa para a produção de biodiesel, e que segundo o estudo pode produzir até 70 por cento mais gases do efeito estufa do que o diesel convencional.
Já o etanol brasileiro foi considerado menos poluente do que o petróleo - gera apenas entre 50 e 90 por cento dos gases do efeito estufa que seriam emitidos pela gasolina. O etanol de milho, produzido nos EUA, pode gerar até 50 por cento mais gases responsáveis pelo aquecimento global do que a gasolina. O novo estudo sugere que os biocombustíveis podem na verdade provocar mais liberação do que economia de gases do efeito estufa, devido ao fertilizante usado na produção agrícola, cuja fabricação depende do óxido nitroso - substância que tem cerca de 30 vezes mais capacidade de provocar o efeito estufa do que o dióxido de carbono (CO2).

Ø Enfrentar os desafios
As expectativas energéticas para o próximo século apontam na direção das fontes renováveis, como as energias do Sol e dos ventos. O uso futuro dos combustíveis fósseis é insustentável: a) pelos danos ambientais; b) por questões econômicas; e c) pelo estoque limitado desses recursos. Vivem-se atualmente o drama dos pólos industriais, com sua necessidade crescente de energia, e dos grandes centros urbanos, envoltos pela degradante poluição atmosférica, que reduz a já baixa qualidade de vida.
Constata-se que algumas alterações de grande escala observadas na atmosfera já não são apenas especulações ou previsões científicas, mas fatos reais, como a diminuição da camada de ozônio na estratosfera e o efeito estufa. A contrapartida é uma maior parcela de responsabilidade quanto à preservação e à conservação do meio ambiente. Isso significa acompanhar os sinais de vida no planeta, o que inclui o monitoramento da radiação solar e a procura de formas alternativas de energia, capazes de melhor harmonizar o homem com seu meio ambiente.
A International Solar Energy Society (ISES), sediada em Freiburg (Alemanha), promove há alguns anos o programa The comeback of solar energy ('O retorno da energia solar'). A iniciativa se baseia em um cenário que considera os progressos tecnológicos obtidos na última década e também as expectativas positivas de desenvolvimento do setor. No momento em que as sociedades desenvolvidas pressionam crescentemente seus governos a despoluir o meio ambiente, essa busca pela energia solar está sendo bem recebida, resultando em vertiginoso aumento de investimentos em pesquisa e desenvolvimento na área, principalmente na Alemanha, Japão e Austrália.
No Brasil, um marco importante e oportuno para uma discussão séria sobre o tema, em nível de política nacional, foi a criação do Comitê Permanente das Energias Solar, Eólica e Biomassa, vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Tal debate poderá levar à formulação de uma política oficial de longo prazo para o setor. Outras iniciativas mostram que o país está caminhando na direção certa para enfrentar os desafios desse novo século.
No que diz respeito à radiação solar, sem dúvida resta muito a ser feito no país, desde o desenvolvimento de equipamentos com matéria-prima e soluções tecnológicas nacionais até o estudo de novas aplicações para a eletricidade e o calor gerados a partir da luz do Sol. Qualquer estudo de viabilização de fontes de energia alternativas e 'ecologicamente corretas' serão bem-vindas e esse pode ser o ponto de partida para o futuro.
Um programa realista de substituição de combustíveis fósseis por energia solar poderia, de imediato, reduzir em 800 a 900 milhões de toneladas anuais a emissão de dióxido de carbono (CO2) – principal gás de efeito estufa - para a atmosfera. Essa quantidade representa de 15% a 17% do total de CO2 emitido atualmente.

Ø Os modelos de produção e consumo - a dura realidade
Será que os biocombustíveis poderão ser a solução? Atualmente a maior parte da energia utilizada pela humanidade provém de combustíveis fósseis. A vida moderna tem sido movida a custo de recursos esgotáveis que levaram milhões de anos para se formar. O uso desses combustíveis em larga escala tem mudado substancialmente a composição da atmosfera e o balanço térmico do Planeta provocando o aquecimento global, degelo nos pólos, chuvas ácidas e poluição atmosférica e de todo o meio ambiente. Alternativas como a energia nuclear, que eram apontadas como solução definitiva, já mostrou que só podem piorar a situação.
Na verdade, é a razão capitalista que estimulou a industrialização e a urbanização, tendo por base o consumismo e acumulação do capital, que está levando o nosso planeta - e os seres vivos que o habitam - a uma situação catastrófica do ponto de vista ambiental e das condições de sobrevivência de todos os seres vivos, inclusive da vida humana. A principal questão se refere aos atuais sistemas de produção, que estimulam o consumo e geram degradação. Se há preocupação em mudar a questão ambiental tem que se pensar em mudar o sistema de produção.
Nos dias atuais a produção do etanol e do biodiesel brasileiros vêm sendo questionadas mundialmente. Isto se deve principalmente ao modelo do agronegócio empresarial, que se utiliza de grandes extensões de terra para a monocultura, onde a única preocupação reside na proposta de transformar o Brasil em grande exportador de combustíveis com o apoio e ganância de grandes grupos econômicos e fundos de investimentos, inclusive do próprio governo. Este modelo causa impactos negativos em diversas comunidades tradicionais, que têm seus territórios ameaçados pela expansão do capital. O que se verifica hoje é a compra de terras e usinas por estrangeiros, formando um estoque de terras que rende uma valorização acelerada, na linha da especulação típica das zonas urbanas. Os problemas sociais e ecológicos associados à cultura da cana-de-açúcar se agravam a cada dia.
A solução seria utilizar áreas de pastagens degradadas para o plantio dessa cultura. Todavia, a expansão da cana-de-açúcar no país para produção de etanol pode avançar sim sobre áreas onde atualmente se cultivam gêneros alimentícios, além de colocar em risco a integridade de importantes biomas, tais como a Amazônia, o Pantanal e a Caatinga. Até agora, não foi feito nenhum estudo aprofundado sobre as conseqüências e impactos da expansão das lavouras de cana e de plantas oleaginosas. Portanto, esse modelo de expansão da produção de biocombustíveis coloca em risco a soberania alimentar e pode agravar profundamente o problema da fome no Brasil e no mundo, com efeitos cruéis para a população mais pobre. As conseqüências são imprevisíveis.
Sem abandonar estas fontes de riqueza para o país, o modelo agrícola a ser adotado deve estar baseado na agroecologia e na diversificação da produção. Ele deve ser orientado pelo modelo de Desenvolvimento Sustentável, que fortaleça a agricultura familiar e o desenvolvimento regional, e não pela lógica capitalista de querer transformar o Brasil em um grande exportador de combustíveis.
Heitor Scalambrini, Professor da Universidade Federal de Pernambuco, tem afirmado com insistência que não existe solução para os problemas urbanos do Brasil, sem melhorar a qualidade de vida no campo. Será que os biocombustíveis proporcionarão essa condição? Caso sim, a produção de biocombustíveis, como etanol e biodiesel, faz sentido.
Não é difícil imaginar os motivos do apetite internacional pelo etanol e biodiesel brasileiro. Resta saber se nos âmbitos público e privado se saberão usar esse potencial de forma criativa e estratégica. Caso contrário, uma vez mais, irá prevalecer à lógica do imediatismo, que gera lucros exorbitantes para poucos no início para depois deixar a conta para a sociedade.
Discutir, portanto, uma mudança na matriz energética que realmente busque preservar a vida e o bem-estar dos indivíduos no planeta tem que levar em conta uma profunda transformação nos padrões atuais de produção/consumo, no estilo de vida, no conceito de “desenvolvimento” vigente e na própria organização de nossa sociedade. Nesse momento, é evidente que as políticas públicas necessitam de serem revistas.

* Engenheiro Agrônomo, Mestre em Recuperação de Áreas Degradadas e Gestão Ambiental e Doutorando em Engenharia de Água e Solo pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). É professor do CEFET - Rio Pomba, coordenador dos cursos Técnico em Meio Ambiente, EAD em Gestão Ambiental e Pós-graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável. É conselheiro do COPAM e da SEMAD - Zona da Mata, MG. E-mail: mauriciosnovaes@yahoo.com.br.
Publicado originalmente em: AMBIENTE BRASIL - www.ambientebrasil.com.br. Julho de 2008.

2 comentários:

Unknown disse...

Enfrentar os desafios, o uso futuro dos combustíveis fósseis é insustentável; pelos danos ambientais; por questões econômicas; e pelo estoque limitado desses recursos. Vivem-se atualmente dramas como, os grandes centros urbanos, voltados pela degradante poluição atmosférica, que reduz a baixa qualidade de vida e trazendo assim grandes desastre a natureza.

nini disse...

Como uma das principais fontes alternativas de energia, a energia eólica tem-se destacado pelo reduzido impacto sobre o meio ambiente e sobre comunidades vizinhas, pela sua base tecnológica industrial, pela experiência e pela confiabilidade adquiridas nos últimos 20 anos de operação de grandes sistemas no mundo e, também, pelo seu imenso potencial. No Brasil, a principal região favorável à utilização da energia eólica é o Nordeste. Para impulsionar o desenvolvimento da energia eólica no Brasil, é necessária a definição de políticas públicas, de leis que a incentivem e de linhas de financiamento.

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