quarta-feira, 9 de julho de 2008

O êxodo rural e a urbanização: a triste realidade brasileira


* Por Maurício Novaes Souza

A ausência de definição de uma política agrícola focada no longo prazo, fortalecida pelo direcionamento da pesquisa e pela ausência da extensão rural na difusão tecnológica, propiciou uma acelerada onda migratória do campo para os meios urbanos durante as décadas 70 e 80 do século passado. No Brasil, está ligado a duas situações preocupantes e carentes de soluções alternativas:

a) A grande transferência de recursos humanos do meio rural às zonas urbanas (Quadro 1); e

QUADRO 1 - Distribuição da população brasileira em 1970, 1980 e 1990
População
Ano
1970 1980 1990 2006 2007
Milhões de habitantes (%)
Rural 41,0 (44) 38,6 (32) 37,6 (25)
Urbana 52,1 (56) 80,4 (68) 112,8 (75) (81) (83)
Total 93,1 (100) 119,0 (100) 150,4 (100)
Fonte: Anuários estatísticos do IBGE, em RESENDE et al., 1996; IBGE (2008).


b) A grande concentração de renda verificada nas últimas décadas (Quadro 2).

QUADRO 2 - Participação da população na renda nacional em 1960, 1970 e 1980
Camadas da população
1960 1970 1980
(%)
20% mais pobres
3,9 3,4 2,8
50% mais pobres
17,4 14,9 12,6
10% mais ricos
39,6 46,7 50,9
5% mais ricos
28,3 34,1 37,9
1% mais rico 11,9 14,7 16,9
Fonte: Anuários estatísticos do IBGE, em RESENDE et al., 1996.

Do ponto de vista econômico, o principal problema verificado é a péssima distribuição de renda. Apesar do PIB ter-se elevado significativamente, de US$ 194 bilhões, em 1964, para US$ 324 bilhões em 1988, esse crescimento não veio acompanhado de desenvolvimento humano.

No século passado, cerca de 65% da população rural brasileira transferiu-se para o setor urbano. O Brasil, tipicamente agrícola, mudou drasticamente num intervalo de tempo relativamente curto, sem que as cidades tivessem tempo de se estruturarem para absorver esta população. Na verdade, os vários projetos de desenvolvimento e suas respectivas políticas econômicas foram implementados no período de 1930 ao final dos anos 1970, transformando profundamente a estrutura produtiva do país. Ao final dos anos 1980, cerca de 50 milhões de habitantes, aproximadamente 35% da população, residiam em aglomerados urbanos com mais de 250 mil habitantes.
A sociedade brasileira levou menos de 50 anos para transformar-se de um país agrário, exportador de produtos primários, em uma sociedade de base urbano-industrial, em que a exportação de produtos industrializados corresponde a mais da metade das exportações totais.
O efeito indireto foi o aumento do número de consumidores que não são produtores. A grande maioria dos migrantes era produtora de alimentos de subsistência, com um pequeno excedente destinado ao mercado; a agricultura moderna era voltada para a exportação ou produtos agroindustriais não alimentares, tais como álcool de cana, soja e milho para ração animal. Como conseqüência, houve uma relativa queda na oferta de alimentos com efeitos imediatos no custo de vida.
Devido às precárias condições da infra-estrutura básica urbana, proliferaram favelas em beiras de rio, com riscos de alagamento e, nas encostas, com riscos de desabamento, além das condições sanitárias e de habitação subumanas. Outra conseqüência, a exclusão da mão-de-obra, deixando uma camada de 20 a 30% no desemprego ou subemprego, provocando a redução no consumo de alimentos e o aumento da subnutrição dessa população migrante, aumentando significativamente a criminalidade. Outro sério problema criado por esse modelo foi o processo de minifundização, como pode ser observado no Quadro 3, que via de regra conduz à pauperização e à degradação, perpetuando-se o ciclo que acelera o êxodo rural e ampliam-se os problemas urbanos.

QUADRO 3 - Processo de minifundização no Brasil no período de 1960 a 1985
Ano Número de propriedades (milhões) Área média (hectares)
1960 1,5 4,0
1980 2,6 3,5
1985 3,1 3,1
Fonte: Dados da pesquisa compilados do RELATÓRIO...(1991).

Por esse motivo, entre outros fatores de ordem macroeconômica, associados ao rápido crescimento da agricultura, trouxe ao lado do agravamento das crises sociais, problemas ecológicos e ambientais. Uma solução seria um modelo que empregasse a extensão rural como forma intensiva de promoção da difusão tecnológica.

Contudo, na recente ênfase dada ao papel crescente dos mercados, em detrimento aos serviços públicos, alguns países tentaram, sem sucesso, colocar a extensão rural numa base de auto-sustentação. Dados os meios modernos de comunicação, é fácil tornar essas informações disponíveis para todos que as considerem úteis, posto estas serem essenciais para o funcionamento eficiente do mercado.

Sabe-se que, nas economias em desenvolvimento, essas informações têm pouca probabilidade de serem fornecidas adequadamente por instituições de mercado, principalmente pelo fato destes serem mais informais e caracterizados como bens públicos. Nestes casos, como no Brasil, principalmente pelos efeitos da globalização, os governos têm um papel fundamental no fornecimento dessas informações, sobre as inovações tecnológicas e a cotações, em busca da qualidade e de produtividade. Nesse sentido, o papel do extensionista de Serviço Público, é cada vez mais importante.
Porém, surgem duas questões que afetam diretamente a EMATER, provocando o seu enfraquecimento: a) a primeira foi a desobrigação da assistência técnica nos projetos de crédito rural, ocorrida em 1982 por medida do Banco Central, que era uma das principais fonte de receita da empresa; e b) a segunda acontece com a extinção da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural - EMBRATER, durante o Governo Collor de Melo. Em Minas Gerais, a empresa tinha 3.500 empregados, em 1985, atualmente a estatal possui 1.870. Essa realidade é lamentável para o produtor rural e toda a economia, pelo fato da empresa atuar como “vetor tecnológico”, em face à sua enorme capilaridade.
Portanto, o modelo de produção, agrícola e urbano-industrial, precisa ser redesenhado. As políticas públicas precisam ser revistas. Os dados apresentados, que indicam um processo intenso e rápido de crescimento urbano-industrial, incluindo a industrialização do espaço rural, configuram dinâmicas sociais e econômicas que não ocorreram de forma espontânea, mas foram induzidas por políticas definidas em favor da implantação de uma sociedade capitalista moderna no Brasil, com seus diferentes ciclos e etapas.
O que caracteriza estas transformações, porém, é o seu caráter elitista e desequilibrado. As mudanças na paisagem foram enormes, mas a tradicional iniqüidade e concentração de riqueza, apenas não foram atenuadas, como, de fato, agravaram-se. Grandes contingentes da população foram forçados a abandonar ou modificar radicalmente o seu modo de vida sem receber o apoio necessário para, pelo menos, adaptarem-se com alguma dignidade às suas novas condições.


* Engenheiro Agrônomo, Mestre em Recuperação de Áreas Degradadas e Gestão Ambiental e Doutorando em Engenharia de Água e Solo pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). É professor do CEFET - Rio Pomba, coordenador dos cursos Técnico em Meio Ambiente, EAD em Gestão Ambiental e Pós-graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável. É Conselheiro do COPAM e do CIEA/SEMAD Zona da Mata, MG. E-mail: mauriciosnovaes@yahoo.com.br.


Publicado originalmente em: www.ietec.com.br. Abril de 2008.

6 comentários:

Italo Facella disse...

O êxodo rural é um problema que afeta não somente a qualidade de vida da população rural e urbana, mas também é algo que pode acarretar vários outros transtornos, como por exemplo a Favelização, a violência como consequência da favelização a queda de produção agropecuária, a superlotação nas grandes cidades, enfim, é um problema só que tem várias vertentes, e para amenizá-lo é necessário primeiro, uma nova política de planejamento social, tanto em cidades que têm o maior público rural, tanto em cidades consideradas 'alvo' para a população migratória.

Um dos reflexos mais evidentes que temos do êxodo rural, são as favelas. A da Rocinha por exemplo, que tem em sua maioria patriarcas nordestinos, ou do interior do RJ, que se aventuraram na cidade em busca de melhoria de vida; estudos, facilidade de locomoção, lazeres, saúde entre outros diversos fatores que são carentes em cidades pobres.


ÍTALO FACELLA

Cristina disse...

A mecanização e o consequente desemprego estrutural ocasionaram o Êxodo Rural, este afeta a qualidade de vida urbana, porque a cidade não consegue acompanhar o crescimento populacional, sendo assim surge sérios problemas como o principal deles as Favelas, as quais não tem infra-estrutura e nem saneamento básico, além de aumentar a violência e o índice de crimes e roubos.
Então fica claro que o êxodo rural não tem nenhum ponto positivo.

Unknown disse...

O êxodo rural afeta a qualidade de vida da cidade, aumenta o indice de violencia e de crimes urbanos pelo fato de surgimento de favelas.
A industrialização é a causa desse grande problema, pois visa apenas a mecanização prejudicando a mao de obra rural.

Mirianne disse...

No Brasil, esse fenômeno populacional foi causado pelo crescimento da indústria e vida urbana, pois o processo de mecanização do campo tirou vários postos de trabalho. Todos esses trabalhadores tinham um sonho de melhorar de vida e até de enriquecer, no entanto, quase sempre essas perspectivas eram frustradas pela dura realidade.
O êxodo rural resulta em diversos problemas, no campo gera a diminuição da população rural no país, escassez de mão-de-obra e automaticamente diminui a produção de alimentos e matéria-prima, dessa forma força a inflação e há aumento no custo de vida. Nas áreas urbanas o êxodo rural ocasiona muitos problemas de ordem estrutural e social.
A urbanização ocorre devido a grande quantidade de pessoas que deslocam-se para a zona urbana em busca de uma vida melhor e acabam morando em locais sem iluminção, água potavel, coleta seletiva e etc,.Acabam vivem em uma situação bem pior do que eles viviam antes na zona rural.

Daiana disse...

Com a industrialização os recursos ficaram focados mais nas zonas urbanas.Se esquecendo assim da população do meio rural, que tiveram que competir com novas tecnologias, sem alternativas tiveram que se mudar para as cidades.Onde ocorreu maior número de desemprego, violência e o aumento das favelas.

Unknown disse...

O Êxodo Rural é um dos maiores responsáveis pelo crescimento desordenado,principalmente dos grandes centros urbanos,onde famílias de agricultores saem do campo em busca de uma melhor qualidade de vida(o que raramente aconteçe)se tornando na maioria das vezes marginalizados pela sociedade e consequentemente fazendo crescer cada vez mais as periferia.

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