terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Hidrelétricas: energia limpa?


* Maurício Novaes Souza


O Brasil explora seu potencial hidrelétrico como fonte principal de geração de energia elétrica. O modelo adotado foi estabelecido a partir de projetos de grandes barramentos e construção de extensas linhas de transmissão, consolidando-se no final dos anos 1980. No entanto, diante da necessidade de adequação dos conceitos de energia “limpa e renovável” aos indicadores de sustentabilidade mais atualizados, há que se rediscutir a matriz energética do país e estabelecer estratégias para o desenvolvimento do setor energético.

A última grande crise do setor de energia, em 2001, deveria ter tido efeito didático mais contundente, visto que foi na tentativa de solucionar tempestivamente o problema que se lançou mão de um dos mais eficientes mecanismos de gestão de demanda de que se tem notícia no país: a sobretaxação do consumo abusivo, de maneira progressiva, e o incentivo à racionalização por meio de bonificação por economia de energia. Infelizmente, depois de superada a possibilidade de “apagão”, tal mecanismo foi abandonado.

Atualmente, mesmo considerando que o Brasil é a maior potência hídrica do mundo, a escassez de água nos anos recentes, associada aos lamentáveis episódios de contaminação de rios, lagos e acumulações subterrâneas, além dos conflitos entre usuários competidores, conduziu à formulação, em bases inteiramente novas, da política pública para o setor de recursos hídricos. O que é importante salientar é o fato de que, até o final dos anos 1970, a imensa maioria das barragens brasileiras era construída com a finalidade exclusiva de geração de energia hidrelétrica, sem se tomar em consideração os demais usos da água que atualmente ainda sofrem as restrições impostas pela utilização dos recursos hídricos para fins energéticos. Essa assimetria de tratamento, privilegiando o setor energético, viria, mais tarde, sofrer vários tipos de reações, principalmente a partir dos interesses de outros setores usuários dos recursos hídricos, tais como: a agricultura irrigada, o abastecimento urbano e das reações desencadeadas a partir de 1972, em favor da preservação ambiental.
Contudo, ao mesmo tempo em que o Brasil apresenta uma “Legislação Ambiental” de vanguarda, contraditoriamente, ocorre grande problema de assoreamento dos rios, ribeirões, lagos e barragens, provenientes, principalmente, das atividades agropecuárias e das ocupações irregulares de encostas. Há de se considerar que os principais impactos ocasionados por modificações do uso e da cobertura do solo em bacias hidrográficas, são: a redução da capacidade de infiltração, o aumento do escoamento superficial e erosão, a sedimentação dos cursos d’água, a diminuição da profundidade dos cursos d’água e, consequentemente, o aumento na ocorrência de cheias e inundações, como vem acontecendo em várias cidades da Zona de Mata Mineira.

Cabe lembrar que os ambientes hídricos são classificados em lóticos (águas correntes, como nos rios) e lênticos (águas calmas, como nos lagos). A maior alteração causada pela construção das barragens fica por conta da transformação de meios lóticos em lênticos. Devido a esta mudança, as características físico-químicas das águas sofrem alterações bruscas, criando um novo ecossistema e alteração/redução drástica de sua biodiversidade.
No caso dos barramentos, sabe-se que a fase de sua construção gera impactos socioambientais significativos. Atualmente, mais de 20% de todas as espécies de água doce estão ameaçadas ou em perigo, devido, principalmente, ao desmatamento, com vistas à abertura de novas fronteiras agropecuárias, construção de barragens e urbanização, causando diminuição do volume de água e danos por poluição e contaminação. Entre os diversos problemas advindos da retirada da cobertura florestal, além da redução da biodiversidade, tem-se observado, de forma cada vez mais intensa: as inundações severas (como as ocorridas no início do ano de 2011 na região serrana do Estado do Rio de Janeiro) e a degradação acelerada do solo (como se observa em todos os países do mundo, particularmente os menos desenvolvidos).

Com relação ao modelo energético, apesar de todos os protestos, documentos comprobatórios das irregularidades e mobilizações, o governo brasileiro segue comprometido com esse modelo de desenvolvimento, ignorando as alternativas propostas por pesquisadores, estudiosos e população. Não tem ocorrido a sensibilização aos problemas já conhecidos, tais como a perda de terras produtivas, expulsões e deslocamentos de milhares de pessoas, destruições de espécies animais e vegetais, alteração dos regimes hídricos, rebaixamento dos lençóis freáticos, alterações geográficas, mutações dos ecossistemas, entre outros. O governo ainda faz estudos para a construção de novas barragens até 2030.

O fato é que problemas relacionados à construção de barragens e hidrelétricas se tornam mais graves nos países subdesenvolvidos. Nas economias industrializadas, os problemas ambientais geralmente estão associados à poluição, cujas políticas ambientais são orientadas para a reversão desse quadro, evitando o agravamento da degradação. Com essas medidas, são restaurados os padrões de qualidade de água, ar e solo anterior à crise. Nos países subdesenvolvidos, a crise socioambiental está diretamente associada ao esgotamento de sua base de recursos. Por esse motivo, as suas políticas deveriam dar prioridade à gestão racional dos recursos naturais.

Dessa forma, caso houvesse maior comprometimento, o uso de mecanismos de gestão de demanda – de maneira mais efetiva do que os não menos importantes programas de racionalização de energia, poderia resolver boa parte dos problemas brasileiros de oferta energética, sem castigar o desenvolvimento econômico. Por outro lado, a ampliação da oferta de energia por fontes “alternativas” (eólica, solar, etc.), em um cenário ampliado bem mais contundente que as tímidas metas atuais do setor, completaria o suprimento energético de maneira mais próxima da sustentabilidade. Portanto, não pense que sua eletricidade é limpa por vir da queda de uma cachoeira. De fato, a única energia realmente limpa é aquela que deixamos de consumir.

* Engenheiro Agrônomo, Mestre em Recuperação de Áreas Degradadas, Economia e Gestão Ambiental, e Doutor em Engenharia de Água e Solo. É professor do IF Sudeste MG campus Rio Pomba e Diretor geral do IF Sudeste MG campus São João del-Rei. Blog: www.mauriciosnovaes.blogspot.com.

Um comentário:

Colaborador disse...

Maurício, sua abordagem nos remete a uma mudança urgente de padrão de desenvolvimento neste país. Infelizmente o governo brasileiro não assumiu até hoje uma postura de coerente com as necessidades e demandas sócio-ambientais onde a produção energética tem que ser repensada sob novo paradigma econômico.

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